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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

ZESCAR TEATRO 2016



O melhor (e o pior) do teatro em São Paulo em 2016 na visão de José Cetra Filho

TROFÉU ZESCAR PARA OS MELHORES DO ANO

            O ZESCAR é minha lista mais pessoal. Já escrevi matérias sobre a dramaturgia brasileira na temporada paulistana de 2016, como também sobre os espetáculos de grupos jovens que marcaram presença no ano. Esta é uma lista que leva em conta os 257 espetáculos a que assisti no ano e nada tem a ver com a minha participação em comissões de premiação onde os premiados são eleitos por votação. Para não ser totalmente injusto, listo também aqueles “perdidos” que julgo terem sido importantes. É incrível que mesmo tendo assistido a 244 peças teatrais ainda restaram algumas que não tive a oportunidade de ver. Distribuo também os RACSEZ para os piores do ano, mas permito-me ser politicamente correto não divulgando essa lista. Meus preferidos são contemplados “virtualmente” com o troféu ZESCAR.
         Essa história do ZESCAR começou com uma brincadeira. Há muitos anos que faço minha lista particular do que considero os melhores do teatro e do cinema. Minha cunhada um dia brincou perguntando quando eu ia distribuir o ZESCAR (amálgama de Zé com Oscar). A partir daí esse se tornou o nome da minha lista e nos últimos anos eu a torno pública através deste blog.      
         O teatro brasileiro ficou mais pobre em 2016 com a partida de tanta gente insubstituível: Consuelo de Castro, Guilherme Karam, Elke Maravilha, Tereza Rachel, Naum Alves de Souza, Flávio Guarnieri, Domingos Montagner, Hector Babenco, Umberto Magnani, Sábato Magaldi, Phedra de Córdoba, Mario Masetti. Isso sem contar as perdas de Edward Albee e Dario Fo no plano internacional.
         Minha lista está dividida em categorias e não há um número certo para cada categoria (se listo só dois é porque foram só eles, assim como posso listar sete ou mais). Por categoria, a lista está em ordem alfabética.

         ESPETÁCULOS:
           
         - Abnegação III – Restos
         - Cachorro Enterrado Vivo
         - Caranguejo Overdrive
         - Dezuó
         - Não Contém Glúten
         - O Avesso do Claustro
         - Os Arqueólogos
         - Salina
         - Sínthia
         - Um Berço de Pedra
        
        
         ESPETÁCULOS MUSICAIS:

         - Auê
         - Dzi Croquettes
         - Gabriela, Um Musical
         - Gilberto Gil, Aquele Abraço – O Musical
         - My Fair Lady
         - O Grande Sucesso
         - O Musical Mamonas
         - Sonhos Não Envelhecem


         DIREÇÃO:
        
         - Duda Maia - Auê
         - Gustavo Gasparani – Gilberto Gil, Aquele Abraço
         - José Roberto Jardim – Não Contém Glúten
         - Kiko Marques – Sínthia
         - Patrícia Gifford – Dezuó
         - Reginaldo Nascimento – Marat-Sade
        


         ATRIZ:

         - Alejandra Sampaio – Sínthia
         - Ariane Hime – Salina
         - Bia Seidl – Não Contém Glúten
         - Carolina Virguez – Caranguejo Overdrive
         - Cristina Cavalcanti – Um Berço de Pedra
         - Denise Weinberg – O Testamento de Maria
         - Nicole Cordery – Alice – Retrato de Mulher Que Cozinha ao Fundo
         - Tatiana Tibúrcio – Salina
         - Jana Amorim – Rocky Horror Show      

         ATOR:
        
         - Chico Carvalho – Peer Gynt
         - Gabriel Miziara – As Ondas
         - Kleber Montanheiro – Hoje É Dia de Maria
         - Lee Taylor – Na Selva das Cidades
         - Leonardo Fernandes – Cachorro Enterrado Vivo
         - Luciano Chirolli – Memórias de Adriano
         - Marcos de Andrade – Blanche
         - Mateus Monteiro – Playground
         - Ney Piacentini - Espelhos
         - Pedro Vieira – Eu Tenho Tudo
                    
         DRAMATURGIA NACIONAL:

         - Alexandre Dal Farra – Abnegação III
         - Cássio Pires – Tiros em Osasco
         - Daniela Pereira de Carvalho – Cachorro Enterrado Vivo
         - Diego Fortes – O Grande Sucesso
         - Grupo Barca do Coração Partido (Criação Coletiva) – Auê
         - Kiko Marques – Sínthia
         - Newton Moreno – Um Berço de Pedra
         - Pedro Kosovski – Caranguejo Overdrive
         - Rudinei Borges – Dezuó
         - Sergio Roveri – Não Contém Glúten
         - Vinicius Calderoni – Os Arqueólogos

         OUTROS DESTAQUES:
        
         - Ana Teixeira e Stephane Brodt (figurinos – Salina)
         - Chris Aizner (cenografia – Sínthia)
         - Daniela Thomas e Felipe Tassara (cenografia – A Tragédia Latino Americana)
         - Gabriel Miziara (cenografia - As Ondas)
         - Gregory Silvar (música – O Testamento de Maria)
         - Marisa Bentivegna (cenografia – Wiosna/iluminação – Sínthia)
         - Telumi Hellen (cenografia – Dezuó)

         ESPECIAIS (PROJETOS E EVENTOS):

         - 20 anos do Guia OFF
         - 3ª MITsp
         - 4º MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos - Sesc  
         - Festival de Curitiba
         - II Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos do Centro Cultural São Paulo

         ACOLHIMENTO: 

         - Teatro do Núcleo Experimental
            

         ESPETÁCULOS ESTRANGEIROS:

         - An Old Monk (Belgica) – MIT
         - Ça Ira (França) - MIT
         - Fugit (Espanha) – Mirada
         - La Contadora de Peliculas (Chile) – Mirada
         - Psico (Mexico) – Mirada
         - Que haré yo con esta espada? (Espanha) – Mirada
         - Wiosna (Polônia) - Sesc
        

            ESPETÁCULOS TEATRAIS PERDIDOS:

         - A Macieira
         - Coisas Úteis e Agradáveis
         - Esperando Godot (Cesar Ribeiro)
         - Jacqueline
         - O Santo Dialético
         - Pobre Super Homem
         - Solidão
         - Tudo É Jazz
         - Uma Ilíada
         - Vermelho
         - Vermelho Labirinto
         - Wicked

         Foram poucos os concertos, óperas e shows a que assisti neste ano, dedicando meu tempo aos espetáculos teatrais, haja vista a participação no júri de teatro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Segue abaixo os destaques dentre ao que assisti:
        
         ÓPERAS: Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk – dmitri Shostakovich – Teatro Municipal
        
           
         CONCERTOS: Sinfonia nº 2 (Ressurreição) – Gustav Mahler – OSESP. Regente: Marin Alsop
                       
         SHOW: Edu Lobo
           
         DANÇA: Nada a destacar
                    
         RESUMO:

         - TEATRO: 244
         - CONCERTO: 05
         - SHOW: 04
         - ÓPERA: 04
         - DANÇA: -
         - CIRCO: -
         - TOTAL: 257

        
        TROFÉU RACSEZ PARA OS PIORES DO ANO:



E MAIS QUE NUNCA:

VIVA O TEATRO!


27/12/2016

         

               



domingo, 18 de dezembro de 2016

DRAMATURGIA BRASILEIRA NOS PALCOS PAULISTANOS EM 2016


   


        O presente levantamento é feito a partir de dados obtidos em programas de peças assistidas pelo autor e, principalmente, por informações constantes nos guias de teatro da cidade de São Paulo. O estudo não contempla comédias stand up, teatro infantil e espetáculos apresentados na periferia da cidade (estes últimos pela total falta de informação sobre suas realizações). Os dados incluem estreias e reestreias ocorridas no ano.
        611 títulos de autores brasileiros estiveram em cartaz nos palcos da cidade no ano de 2016. Os musicais (50) continuam a engordar a estatística, mas os dramas (363) predominam seguidos de 165 comédias.
        Rodolfo García Vázquez foi o autor mais montado do ano com oito títulos em cartaz (quatro deles a partir da obra do Marquês de Sade e três em parceria com Ivam Cabral), seguido de Plínio Marcos com sete peças (remontagens de seus textos e até uma inédita – O Bote da Loba-).
        Com cinco títulos: Caio Fernando Abreu (inclui adaptações de seus textos não teatrais sem créditos para o adaptador), Cássio Pires, Luís Alberto Abreu, Rodolfo Lima (inclui várias adaptações de textos de Caio Fernando Abreu), Ronaldo Ciambroni e Wilson Coca.
        Com quatro títulos: Alexandre Dal Farra (inclui a Trilogia Abnegação), Franz Kepler, Pitty Webo e Sérgio Roveri.
        Com três títulos: 21 autores (incluindo Nelson Rodrigues que neste ano, pela primeira vez, não comparece entre os mais encenados)
        Com dois títulos: 49 autores
        Com um título: 436 autores. Neste caso tem-se mais uma vez muitos nomes que surgem para desaparecer nos anos seguintes.

        Dentro desse vasto quadro o que, entre as estreias, a dramaturgia brasileira nos ofereceu? Houve boas surpresas e a consolidação de nomes já conhecidos.
        A maior surpresa veio do Rio de Janeiro com Caranguejo Overdrive de Pedro Kosovski, obra rara e impactante que cumpriu curta temporada no Sesc Pinheiros.
        O Centro Cultural São Paulo foi palco de quatro importantes textos, três deles apresentados na II Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos (Hotel Jasmim de Cláudia Barral, O Teste de Turing de Paulo Santoro e o premiado Os Arqueólogos de Vinicius Calderoni). O belíssimo Um Berço de Pedras de Newton Moreno completa a lista.
        Abnegação 3 de Alexandre Dal Farra completou a trilogia, mantendo a força e o impacto das suas antecessoras e inovando na concepção cênica.
        Rudinei Borges nos brindou com dois excelentes trabalhos onde o texto é pautado por poesia bastante particular: Dezuó e Epístola.40.
        Não Contém Glúten de Sérgio Rovere recebeu inventiva encenação de José Roberto Jardim revelando frescor e originalidade para um corriqueiro encontro de casais.
        Tiros em Osasco de Cássio Pires e Cachorro Enterrado Vivo de Daniela Pereira de Carvalho são exemplos de textos perfeitos para ilustrar a violência urbana. A segunda teve o mérito de revelar o ator Leonardo Fernandes para o público paulistano.
        Irresistível para quem faz teatro e muito atraente para o público em geral foi O Grande Sucesso, texto de Diego Fortes sobre um grupo de atores, eternos figurantes de grandes espetáculos.
         Auê, também vindo do Rio de Janeiro, é uma irresistível criação coletiva do grupo Barca dos Corações Partidos cuja dramaturgia é calcada nas canções compostas pelo grupo que tratam das alegrias e tristezas provocadas pelas paixões humanas.
        Finalmente um texto injustamente negligenciado nas indicações dos prêmios de 2016: Sínthia de Kiko Marques, que mais uma vez soube dosar realidade/memórias e ficção criando material que, se não supera, está à altura de sua obra prima (Cais ou Da Indiferença das Embarcações).
        São 13 títulos dentre os 611. E os outros 598?

        Muita comédia romântica com dicas para arranjar namorado, casais que se encontram e se separam, todas as variações que a abreviação TPM pode oferecer, sogras de uma família muito doida que têm uma empregada mais doida ainda (as inumeráveis Olímpias que proliferaram após Trair e Coçar É Só Começar que está em cartaz há 30 anos), gente que brinca com sexo, etc e tal e come a pomba gira, alem de engolir sapo pra um dia comer pereréca. Esse tipo de peça encontra seu público nos Teatros Ruth Escobar e Maria Della Costa, espaços que tiveram dias de glória e de prestígio no passado e também nos Teatros Bibi Ferreira, Gazeta, Folha, Brigadeiro e Santo Agostinho.
        Reestreias, remontagens e outros títulos completam o vasto quadro da dramaturgia brasileira nos palcos paulistanos que, se somarmos os espetáculos de autores estrangeiros, tiveram perto de 1000 peças em cartaz neste ano que ora se finda.

        Em um ano particularmente infeliz para a história do Brasil o teatro soube sobreviver e mostra fôlego para 2017.
        Mais do que nunca: VIVA O TEATRO!



18/12/2016

         

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

GENTE JOVEM REUNIDA


Os espetáculos de grupos teatrais de jovens egressos de escolas e oficinas de teatro em 2016.

         Assisti a cerca de 250 peças em 2016. Como sempre coisas ótimas recheadas com algumas médias e também, outras das quais nem é bom escrever; mas o maior presente que o teatro paulistano me deu neste ano foi a revelação de bons espetáculos realizados por grupos de jovens egressos de escolas ou oficinas de teatro. Textos escolhidos a dedo conduzidos por diretor profissional foram uma constante nesses trabalhos.
         Posso citar, na ordem em que assisti, nove montagens de alto nível profissional que me faz acreditar que nosso teatro tem futuro podendo contar com o talento dessa moçada que, em geral, ainda não atingiu os trinta anos.

         A surpresa começou no final de 2015 com O TAMBOR E O ANJO, texto de Anamaria Nunes sobre traumas de uma jovem advindos do regime de terror instaurado no Brasil a partir de 1964. Dirigido por André Garolli, o texto foi bravamente defendido por ex-alunos da Escola de Atores Wolf Maya. Na ocasião (01/12/2015) escrevi “Fica a sugestão de fazerem apresentações nas escolas ocupadas pelos estudantes secundários que estão dando exemplo de cidadania que há muito não se via em nossas plagas. A posição autoritária e truculenta do governo do estado não difere das ações realizadas pelos militares naquela época. A história pode se repetir e cabe a nós, cidadãos, tentar revertê-la”. Hoje acrescento: a história ESTÁ se repetindo!

         Para MAIS QUERO ASNO QUE ME CARREGUE QUE CAVALO QUE ME DERRUBE foi criado o grupo Quintal do Aventino com atores formados na Escola Célia Helena de Teatro. Montagem irreverente do delicioso texto do injustamente pouco montado Carlos Alberto Soffredini, com direção de Ednaldo Freire. A peça deve voltar ao cartaz em 2017.

         O já clássico MARAT SADE de Peter Weiss recebeu corajosa e bem sucedida montagem dirigida por Reginaldo Nascimento com o Teatro da Pequena Morte formado por atores vindos do Teatro Escola Macunaíma. 23 atores movimentavam-se no pequeno espaço do Teatro Commune para criar o ambiente impactante do Hospício de Charenton, onse se passa a ação da peça.

         Atores formados em 2014 no INDAC formaram a Companhia Teatro da Dispersão e montaram com direção de Thiago Ledier O ESPECTADOR CONDENADO À MORTE do romeno Matéi Visniec. Poucas vezes pôde-se testemunhar tamanha homogeneidade em elenco formado por jovens provenientes de um curso de teatro. Cada ator/atriz criou o tipo solicitado pelo texto de maneira impecável e fica difícil destacar uma ou outra interpretação.

         RICARDO III NÃO TERÁ LUGAR ou CENAS DA VIDA DE MEIERHOLD é uma das peças mais instigantes de Matéi Visniec usando e abusando do meta-teatro para mostrar os delírios de Meierhold durante os ensaios de Ricardo III de Shakespeare. A jovem companhia Grupo Pandora de Teatro sediada no bairro de Perus enfrentou a difícil tarefa de levar essa peça à cena e o fez com excelentes resultados. É sempre entusiasmante quando vemos jovens de talento arriscando-se em empreitadas desse porte e saindo-se muito bem. O diretor Lucas Vitorino, assim como todo o elenco, está na faixa dos 30 anos.

         Desta vez foram os jovens advindos do Núcleo Experimental de Artes Cênicas do Sesi-SP que provocaram impacto com seus despojamento, talento e coragem ao interpretar os personagens complexos do instigante TIROS EM OSASCO de Cássio Pires com direção de Yara de Novaes.

         Fernanda Maia – A maga – teve a feliz ideia de conciliar Sonhos de Uma Noite de Verão de Shakespeare com canções do Clube da Esquina e criou junto com jovens egressos de oficina realizada no Núcleo Experimental o belo e poético SONHOS NÃO ENVELHECEM. É notável o rendimento dessa rapaziada, alguns deles em sua primeira experiência teatral. Compensam bravamente a justificada inexperiência com a energia e o entusiasmo com que se entregam ao trabalho.

         Os atores selecionados em 2016 para o Núcleo TUSP em São Paulo dirigidos por René Piazentin criaram a versão reduzida, porém mantendo o espírito do original, da já célebre MAHAGONNY de Bertolt Brecht. Crítica feroz ao capitalismo, a peça continua, infelizmente, muito atual. As lindas canções de Kurt Weill são apenas sugeridas, mas isso não tira o brilho da ótima montagem onde os atores criam com muita garra os complexos personagens brechtianos.

         Uma jovem autora/diretora (Carol Rainatto) e um jovem diretor (Lucas Romano) unidos a um jovem elenco para criar MEIA-NOITE, FELIZ NATAL; texto e montagem na melhor tradição naturalista com história bem contada sobre reunião familiar que termina desastrosamente. Em tempos de pós-dramático e narrações fragmentadas é interessante notar essa preocupação jovem por formas teatrais convencionais que, quando bem realizadas – como é o caso- são muito bem vindas.

         Outros jovens marcaram presença na temporada teatral de 2016:

         Vinicius Calderoni apresentou o excelente Os Arqueólogos (Prêmio APCA de melhor texto) e Cláudia Barral surpreendeu com Hotel Jasmim ambos provenientes da bem sucedida II Mostra de dramaturgia em pequenos formatos cênicos do CCSP idealizada por Kil Abreu, que se espera tenha continuidade, apesar das mudanças previstas na área cultural da prefeitura.

         Na área interpretativa os jovens também brilharam: Mateus Monteiro (Amarelo Distante/Playground), Leonardo Fernandes (Cachorro Enterrado Vivo – Prêmio APCA de melhor ator), Nicole Cordery (Alice – Retrato de Mulher Que Cozinha ao Fundo).

         Muitos veteranos (alguns ainda bastante jovens) marcaram presença no ano teatral, mas isso é outra história, que fica para outra vez.

         Acredito, pelo menos no teatro, em um final menos pessimista para a canção de Belchior:

         “Já faz tempo
         Eu vi você na rua
         Cabelo ao vento
         Gente jovem reunida
         Na parede da memória
         Essa lembrança
         É o quadro que dói mais...”


VIVA O TEATRO!

12/12/2016

sábado, 10 de dezembro de 2016

AUÊ


        Os mistérios do teatro! Arte única por sua efemeridade. Uma plateia e o espírito de determinado espectador fazem hoje um espetáculo que jamais será o mesmo, mesmo que repetido sem nenhuma aparente alteração.
        Em uma sexta feira, dia 18 de novembro, após exaustiva jornada, fui à estreia do musical Auê, vindo do Rio de Janeiro carregado de elogios e de indicações para prêmios.
        O cansaço e uma plateia que beirava o histerismo nas reações e aplausos (uma senhora sentada na fileira atrás da minha urrava a cada momento “Lindo! Maravilhoso!! UUUUU!!!”) foram tomando conta de mim e criando um antagonismo em relação ao espetáculo. A partir daí foi só irritação e ao final saí bastante incomodado do teatro.
        Dias depois fui ouvir o CD que contém a trilha da peça. Surpresa! Adorei as músicas com belas letras e melodias. Entendi a proposta e fiquei muito propenso a rever o espetáculo, enquanto ouvia e reouvia o disco.
        Na reunião da APCA para escolher os indicados do segundo semestre, Duda Maia foi nomeada por votação na categoria “direção” e confesso que eu ainda não estava convencido.
        Tudo isso para contar que na noite de ontem fui rever AUÊ. As músicas, os intérpretes, a movimentação cênica eram as mesmas, mas eu não era o mesmo, nem a plateia. QUE DIFERENÇA!


        AUÊ é musical genuinamente brasileiro e originalíssimo. Posso garantir que nunca se viu musical como este. Os sete cantores/atores/compositores/multi-instrumentistas e o baterista nos cativam na primeira cena e só nos libertam com o coração cheio de alegria e emoção no saguão do teatro onde o espetáculo definitivamente termina.
        AUÊ não conta uma história, mas através das canções passamos pelas alegrias e dores que o amor provoca. Há muita emoção no trágico e longo monólogo Doideira de Amor escrito e interpretado por Eduardo Rios que remete tanto a Shakespeare como a Vicente Celestino. Ri-se muito com algumas músicas (Vida Doida/Coco, Voa Borboleta) e a emoção atinge seu máximo na triste canção final (Ali) interpretada visceralmente por Renato Luciano:

        “No canto da mágoa a dor de quem se foi
        E o sol quarando a mágoa
        A dor quarando a solidão”

        Não há como destacar este ou aquele intérprete. O elenco é harmonioso e poucas vezes tem-se visto em nossos palcos tamanha unidade. O grupo responde pelo sugestivo nome Barca dos Corações Partidos.

Elenco, no sentido horário, a partir do primeiro ao alto, à esquerda: Ádren Alves, Alfredo Del Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios, Rick de la Torre,  Renato Luciano, Rica Barros e Fabio Enriquez.

        A direção de Duda Maia aposta no talento e na versatilidade de seu elenco fazendo os rapazes realizar complexa coreografia enquanto cantam e tocam. A troca de instrumentos entre eles é um espetáculo à parte. A indicação de Duda Maia foi mais que merecida.
        AUÊ está em cartaz no Teatro FAAP apenas até o dia 18 de dezembro e não tem previsão de voltar ao cartaz em 2017, por isso CORRA, pois a emoção e a alegria que ele provoca não são coisas que se encontram fácil por aí. Sessões às sextas e sábados às 21h e domingos às 18h.
        Esta é uma matéria propositalmente apaixonada. Foi escrita ainda sob a forte emoção de ontem e ao som das belíssimas canções do espetáculo.
        A vida anda dura, mas...
        “Vai passar

        VIVA O TEATRO!

        10/12/2016

        

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PRÊMIO APCA DE TEATRO 2016


        Em reunião realizada no dia 30 de novembro de 2016 no Sindicato dos Jornalistas os críticos da área de teatro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) elegeram aqueles que a maioria (votação) considerou os melhores do ano. São eles:

ATOR: LEONARDO FERNANDES (CACHORRO ENTERRADO VIVO)


ATRIZ: DENISE WEINBERG (O TESTAMENTO DE MARIA)


AUTOR: VINICIUS CALDERONI (OS ARQUEÓLOGOS)


DIRETOR (EMPATE): JOÃO FALCÃO (GABRIELA, UM MUSICAL) e KIKO MARQUES (SÍNTHIA)



ESPETÁCULO: SOBRE RATOS E HOMENS


PRÊMIO ESPECIAL: LENISE PINHEIRO (pelo registro histórico da cena teatral paulista)


GRANDE PRÊMIO DA CRÍTICA: MARIA ALICE VERGUEIRO (pela trajetória no teatro)


        Votaram os críticos: Aguinaldo Cristofani Ribeiro da Cunha (*), Carmelinda Guimarães, Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, Marcio Aquiles Fiamengui (*), Michel Fernandes, Miguel Arcanjo Prado e Vinício Angelici.

        (*) Votaram apenas nas categorias “Prêmio Especial” e “Grande Prêmio da Crítica”

        A festa de premiação será realizada entre fevereiro e março em data e local a serem futuramente divulgados.
        30/11/2016


EPÍSTOLA.40 – carta des(armada) aos atiradores


        O texto de Rudinei Borges trata de assuntos sociais bastante sérios como a chegada de migrantes nordestinos na desumana cidade grande, a procura de um lugar para morar, as constantes ações de despejo dos barracos onde vivem de maneira precária e até a perda de entes queridos nos confrontos com a truculência da polícia. Como já fizera em Dezuó, o dramaturgo trata esses temas de maneira poética com frases de linguagem sofisticada que remetem ao grande Guimarães Rosa. Há muita poesia na prosa de Borges. O texto se inspira em A Hora da Estrela de Clarice Lispector, no Primeiro Livro de Macabeus e, principalmente, nos relatos das moradoras da comunidade do Boqueirão situada na zona sul da cidade.
        Telumi Hellen assina a simples e criativa cenografia que conta com objetos de cena manipulados pelos atores e que criam belas cenas de conjunto como aquela da chegada em São Paulo. Edgar Castro dirige o todo criando, com o auxílio da iluminação ocre de Felipe Boquimpani, bela harmonia entre o espaço cênico e os atores
        Daniela Evelise é presença marcante como a protagonista Macabéa que, como sua homônima no livro de Clarice Lispector, datilografa (neste caso, as cartas dos parentes). Dona de vigoroso físico e doce voz, suas falas e as intervenções quando repete a última palavra do que alguém está lhe ditando estão entre os melhores momentos do espetáculo. Inesquecível também a cena do aprendizado da datilografia, após receber a máquina do pai, que segundo ele pertenceu ao Frei Damião. A personagem do menino Auarã, filho de Macabéa, é defendida com sensibilidade por Dionizio Cosme do Apodi. Completam o bom elenco: Alexandre Ganico (Judas, o pai), Andrea Aparecida Cavinato (Nazara, a mãe) e Heitor Vallim (Misael, o irmão).


        O autor soube dosar os fatos narrados com aqueles com ação dialógica e este equilíbrio dinamiza o espetáculo. Após Dezuó, Epístola.40 reafirma o talento dramatúrgico/poético de Rudinei Borges.
        Dignos de nota o bem elaborado programa e o livro com o texto da peça (Editora Lamparina Luminosa) que são distribuídos gratuitamente aos espectadores.
        EPÍSTOLA.40 está em cartaz na Sede Luz do Faroeste até 12 de dezembro: Segundas, sextas e sábados às 20h e domingos às 19h.

30/11/2016
       
       

        

terça-feira, 29 de novembro de 2016

AINDA NÃO FOI DESTA VEZ ELIS!


O cinema e o teatro ainda estão devendo uma obra à altura de ELIS REGINA

        Em 2002 Diogo Vilela escreveu e dirigiu Elis, Estrela do Brasil, um musical apenas médio, apesar do bom trabalho de Inez Viana e do esforço de Vilela em recriar a vida e a obra de Elis.
        Em 2013 foi a vez de Dennis Carvalho dirigir Elis – A Musical com texto de Nelson Motta e Patricia Andrade. Produção mais ambiciosa tinha seu ponto alto na premiada interpretação de Laila Garin, mesmo assim carecia de maior densidade dramatúrgica.
        2016 é o ano da chegada de Elis às telas do cinema em filme homônimo dirigido por Hugo Prata onde mais uma vez o grande trunfo é a intérprete da cantora, Andréia Horta, que incorpora a personagem e mesmo sem ser nada parecida em certos momentos tem-se a sensação de estar vendo Elis. A recriação dos números musicais é impecável onde Andreia e os músicos “dublam” de maneira perfeita os originais.


        O roteiro privilegia os homens que passaram pela vida de Elis e que ganharam as boas interpretações de Gustavo Machado (Bôscoli), Rodrigo Pandolfo (Nelson Motta), Lúcio Mauro Filho (Miéle), Zé Carlos Machado (Seu Romeu, o pai), Caco Ciocler (César Mariano), Julio Andrade (Lennie Dale), Bruce Gomlevsky (Henfil), Eucir de Souza (Samuel MacDowell) e César Trancoso (Marcos Lázaro).
        O problema maior do filme é o roteiro (Luiz Bolognesi, Hugo Prata e Vera Egito). Sendo baseado numa história real já cantada e decantada em inúmeras biografias fica difícil entender o porquê de se ficcionalizar certos aspectos da vida de Elis.
        - Como mostrar Seu Romeu como aquele pai extremoso e desinteressado?
        - Ao que se sabe Elis jamais telefonou para Bôscoli em seus últimos momentos.
        - A ação passa da casa da Av. Niemayer no Rio para a casa da Cantareira em São Paulo em um piscar de olhos sem maior sedimentação, da mesma maneira como César entra na vida amorosa de Elis. Uma pena, pois a maneira como Elis assediou César e a reação que ele teve teriam dado uma hilária cena cinematográfica.
        - Um advogado aparece em certo momento do filme intermediando o contrato do espetáculo Falso Brilhante. Desaparece de cena e ao final reaparece. Era o Samuel MacDowell, último namorado de Elis (isso só fica claro para quem conhece um pouco da história da cantora). Ele realmente trabalhou com Elis e César na época do Falso Brilhante (1975/1976)?
        - No afã de ilustrar a ação com músicas do repertório de Elis, algumas vezes elas são apresentadas em momentos inadequados (Aos Nossos Filhos gravada em 1980, aparece em 1982 às vésperas da morte de Elis). Atrás da Porta é apresentada como um momento de dor pela separação de Bôscoli, quando talvez ainda nem tivesse sido composta por Chico Buarque.
        Elis é um filme que tinha tudo para emocionar, mas o faz apenas em raros momentos como os diálogos de Elis com Henfil, as observações sarcásticas e divertidas de Bôscoli e os números musicais. É pouco, não é, Elis? Uma pena.

28/11/2016