RADICALIZANDO BECKETT
Samuel
Beckett (1906-1989) escreveu Esperando
Godot no desalento do pós-segunda guerra mundial, época onde existia
profundo sentimento niilista na Europa. A peça foi apresentada pela primeira
vez na França em 1952 e teve inovadora montagem brasileira em 1955 dirigida por
Alfredo Mesquita com alunos da Escola de Arte Dramática (EAD).
No
mais de meio século de minha vida de espectador tive a oportunidade de assistir
a essa peça quase uma dezena de vezes, inclusive a antológica montagem de 1969
dirigida por Flávio Rangel que tinha Cacilda Becker (Estragon) e Walmor Chagas
(Vladimir) nos principais papéis. Essa encenação tornou-se um marco do teatro
brasileiro, não só por suas indiscutíveis qualidades, mas também pelo aneurisma
sofrido por Cacilda no intervalo de uma das sessões que resultou em sua morte.
Cacilda Becker (1921-1969) na clássica cena da bota. Foto de Cristiano Mascaro
Como
todo bom clássico Esperando Godot
oferece um leque de interpretações que o bom encenador usufrui à sua maneira.
Assisti a montagens onde Estragon era vivido por três atrizes e Vladimir por
duas (Cristiane Paoli Quito, 2000); Antunes Filho também montou a peça só com
atrizes (1977) e certa vez Godot deu as caras tocando cello no final da peça, quebrando, no meu modo de ver, toda a
intenção do mistério que ronda em torno da identidade do mesmo.
Só
no ano de 2016 houve três montagens da peça em São Paulo dirigidas por Leo
Stefanini, Elias Andreato e Cesar Ribeiro.
Faço
esse preâmbulo para introduzir as minhas impressões sobre a radical e
surpreendente encenação de Cesar Ribeiro em cartaz no Espaço Cênico Viga.
Nunca
houve, nem haverá outro Esperando Godot
como este e é até com certo espanto que acompanhamos a desalentada trajetória
de Didi e Gogo a espera de Godot da maneira concebida pelo diretor. Em cenário clean de Telumi Hellen composto apenas
pela indispensável árvore (belíssima, por sinal) iluminada por Carmine D’Amore,
os dois seres vagueiam e discorrem sobre a dificuldade de sobreviver no espaço
que existe entre o nascimento e a morte. Só saem de sua tediosa rotina quando
os passantes Pozzo e Lucky atravessam os seus caminhos e também quando lembram
que algo pode mudar com a chegada de Godot. Tudo é propositalmente over, desde
os sombrios figurinos (também concebidos por Telumi Hellen), passando pelo modo
de falar e de se movimentar dos atores, que remetem à estética das histórias em
quadrinhos e dos desenhos animados. A ousada trilha sonora (também realizada
pelo diretor) vai desde os hinos oficiais da esquerda (A Internacional e Bandera
Rossa) quando Pozzo e Lucky entram ou
saem de cena até a impagável Surfin’ Bird
do grupo The Trashmen quando acontece
a clássica troca de chapéus dos clowns entre Gogo e Didi, em um dos momentos
mais belos da montagem.
Quatro
jovens e talentosos atores dão conta com muita maturidade da difícil tarefa de
interpretar tão complexos personagens. Carregados na maquiagem e nos figurinos,
Paulo Campos (Estragon/ Gogo), Ulisses Sakurai (Vladimir/Didi), Paulo Olyva
(Pozzo) e Cadu Leite (Lucky e Menino) apresentam conjunto de atuações homogêneo
dotado de extrema coerência entre falas e movimentos. Como esquecer o abraço de
Gogo e Didi que nunca se completa?
Foto de Nelson Kao
Muito
poderia se falar desta que é, sem sombra de dúvida, a mais original montagem do
texto do escritor irlandês. Tenho certeza que Beckett aprovaria a irreverente,
mas tão fiel à intenção, montagem de Esperando
Godot.
Engana-se
redondamente quem ignora esta encenação do Grupo Garagem 21 pelo fato de já ter
visto a peça inúmeras vezes. Repito e garanto: VOCÊ NUNCA VIU GODOT DESTA
MANEIRA! NÃO PERCA!
Em
tempo: Atenção Lenise Pinheiro e Bob Sousa! A peça apresenta imagens belíssimas
e ângulos que farão a festa dos fotógrafos.
ESPERANDO
GODOT está em cartaz no Viga Espaço Cênico aos sábados (20h) e aos domingos
(19h) até 19/02. São só 30 lugares, por isso reserve o seu.
30/01/2017
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