segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

ESPERANDO GODOT/CESAR RIBEIRO



RADICALIZANDO BECKETT


        Samuel Beckett (1906-1989) escreveu Esperando Godot no desalento do pós-segunda guerra mundial, época onde existia profundo sentimento niilista na Europa. A peça foi apresentada pela primeira vez na França em 1952 e teve inovadora montagem brasileira em 1955 dirigida por Alfredo Mesquita com alunos da Escola de Arte Dramática (EAD).
        No mais de meio século de minha vida de espectador tive a oportunidade de assistir a essa peça quase uma dezena de vezes, inclusive a antológica montagem de 1969 dirigida por Flávio Rangel que tinha Cacilda Becker (Estragon) e Walmor Chagas (Vladimir) nos principais papéis. Essa encenação tornou-se um marco do teatro brasileiro, não só por suas indiscutíveis qualidades, mas também pelo aneurisma sofrido por Cacilda no intervalo de uma das sessões que resultou em sua morte.

Cacilda Becker (1921-1969) na clássica cena da bota. Foto de Cristiano Mascaro

        Como todo bom clássico Esperando Godot oferece um leque de interpretações que o bom encenador usufrui à sua maneira. Assisti a montagens onde Estragon era vivido por três atrizes e Vladimir por duas (Cristiane Paoli Quito, 2000); Antunes Filho também montou a peça só com atrizes (1977) e certa vez Godot deu as caras tocando cello no final da peça, quebrando, no meu modo de ver, toda a intenção do mistério que ronda em torno da identidade do mesmo.
        Só no ano de 2016 houve três montagens da peça em São Paulo dirigidas por Leo Stefanini, Elias Andreato e Cesar Ribeiro.
        Faço esse preâmbulo para introduzir as minhas impressões sobre a radical e surpreendente encenação de Cesar Ribeiro em cartaz no Espaço Cênico Viga.
        Nunca houve, nem haverá outro Esperando Godot como este e é até com certo espanto que acompanhamos a desalentada trajetória de Didi e Gogo a espera de Godot da maneira concebida pelo diretor. Em cenário clean de Telumi Hellen composto apenas pela indispensável árvore (belíssima, por sinal) iluminada por Carmine D’Amore, os dois seres vagueiam e discorrem sobre a dificuldade de sobreviver no espaço que existe entre o nascimento e a morte. Só saem de sua tediosa rotina quando os passantes Pozzo e Lucky atravessam os seus caminhos e também quando lembram que algo pode mudar com a chegada de Godot. Tudo é propositalmente over, desde os sombrios figurinos (também concebidos por Telumi Hellen), passando pelo modo de falar e de se movimentar dos atores, que remetem à estética das histórias em quadrinhos e dos desenhos animados. A ousada trilha sonora (também realizada pelo diretor) vai desde os hinos oficiais da esquerda (A Internacional e Bandera Rossa) quando Pozzo e Lucky entram ou saem de cena até a impagável Surfin’ Bird do grupo The Trashmen quando acontece a clássica troca de chapéus dos clowns entre Gogo e Didi, em um dos momentos mais belos da montagem.
        Quatro jovens e talentosos atores dão conta com muita maturidade da difícil tarefa de interpretar tão complexos personagens. Carregados na maquiagem e nos figurinos, Paulo Campos (Estragon/ Gogo), Ulisses Sakurai (Vladimir/Didi), Paulo Olyva (Pozzo) e Cadu Leite (Lucky e Menino) apresentam conjunto de atuações homogêneo dotado de extrema coerência entre falas e movimentos. Como esquecer o abraço de Gogo e Didi que nunca se completa?

Foto de Nelson Kao

        Muito poderia se falar desta que é, sem sombra de dúvida, a mais original montagem do texto do escritor irlandês. Tenho certeza que Beckett aprovaria a irreverente, mas tão fiel à intenção, montagem de Esperando Godot.
        Engana-se redondamente quem ignora esta encenação do Grupo Garagem 21 pelo fato de já ter visto a peça inúmeras vezes. Repito e garanto: VOCÊ NUNCA VIU GODOT DESTA MANEIRA! NÃO PERCA!
        Em tempo: Atenção Lenise Pinheiro e Bob Sousa! A peça apresenta imagens belíssimas e ângulos que farão a festa dos fotógrafos.
        ESPERANDO GODOT está em cartaz no Viga Espaço Cênico aos sábados (20h) e aos domingos (19h) até 19/02. São só 30 lugares, por isso reserve o seu.

30/01/2017

                

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