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quinta-feira, 25 de maio de 2017

REFLUXO



        Dário é ascensorista de um prédio sombrio e decadente; esse microcosmo é habitado por amostra significativa de nossa sociedade: seres abjetos movidos a egoísmo, ódio, frustração e violência. Tendo de conviver com essas criaturas Dário refugia-se no amor a um passarinho e nos poucos momentos de paz que desfruta quando o elevador está se movendo entre um andar e outro e não há ninguém no mesmo. Dário reage com crises violentas de vômito ao ver desfilar diante de si tanta desumanidade, mas é obrigado a ficar em posição de sentido e a sorrir cada vez que a porta do elevador se abre. O instigante texto de Angela Ribeiro criado na 7ª turma do Núcleo de Dramaturgia do Sesi-British Council é muito bem estruturado e bastante cruel com seus personagens, os habitantes do prédio; revelando apenas certa compaixão pela senhorinha que espera por um filho que nunca vem e, é claro,  enorme simpatia pelo herói da história, o pobre Dário que acaba sucumbindo diante de tantas atrocidades.
        Se o texto é instigante, o que dizer da encenação de Eric Lenate? O diretor tem bom gosto para o espetacular e pelo cuidado estético com cenários, iluminação e trilha sonora e aqui ele atinge raro patamar de excelência criando instalação cenográfica que auxiliada pela iluminação de Aline Santini e pela trilha sonora de L.P. Daniel é estímulo para os sentidos visual e auditivo remetendo o espectador àquele mundo sombrio (o corredor do prédio lembra aquele do filme O Iluminado de Stanley Kubrick).


        As máscaras criadas por Leopoldo Pacheco são excelentes, exteriorizando ainda mais a sordidez daquelas criaturas. Os figurinos de Rosângela Ribeiro complementam o visagismo, reforçando o ar caricatural de história em quadrinhos, presente em toda a encenação.
        Maurício de Barros como Dário domina o espetáculo com seu ar chapliniano. Sem sair de cena durante os 80 minutos da ação tem atuação digna das antologias de teatro. Todo o elenco tem atuação primorosa dentro da proposta caricatural do encenador, mas não há como não destacar a sempre poderosa Lavínia Pannunzio como a “estrela” Diva e Laerte Késsimos, ótimo como Seu Túlio.


        Triste mundo esse, mostrado em Refluxo. Mais triste ainda por se revelar muito verdadeiro e presente em nosso cotidiano. “Que não morram os nossos pássaros!” é o grito de alerta da promissora dramaturga Angela Ribeiro e a nossa voz junto com a dela deveria repetir: “Que não morra nossa esperança!”.
        Refluxo pode se inscrever desde já como um dos melhores espetáculos da temporada teatral de 2017 e o maior mérito cabe ao encenador Eric Lenate pela concepção geral do mesmo.
        REFLUXO está em cartaz até 02/07 no Espaço Mezanino do Centro Cultural FIESP de quarta a sábado às 20h30 e aos domingos às 19h30. Os ingressos são gratuitos e são poucos os assentos disponíveis. Portanto... CORRA!

        Fotos de Leekyung Kim

        25/05/2017


segunda-feira, 22 de maio de 2017

OCUPAÇÃO RIO DIVERSIDADE


        Em certa parte do espetáculo Ocupação Rio Diversidade, a mestre de cerimônias Magenta Dawning comenta sobre as duas cidades irmãs Rio/São Paulo e fala das suas afinidades e diferenças como chamar biscoito de bolacha e vice-versa. Como duas boas irmãs uma gosta de falar mal da outra e uma voz quase corrente na cidade paulista é que a irmã carioca só sabe produzir no teatro comédinhas despretensiosas. Quem neste exato momento assiste a Race (Viga Espaço Cênico), Antígona (Teatro Anchieta) e, principalmente, este Rio Diversidade no Sesc Santana pode comprovar que trata-se de afirmação totalmente falsa.
        Ocupação Rio Diversidade é um dos mais contundentes libelos contra os preconceitos sexual e de gênero já apresentados em nossos palcos.
        A idealizadora do projeto, Marcia Zanelatto, teve o dom de reunir quatro autores e quatro diretores distintos harmonizando as quatro diferentes linguagens em uma montagem que no todo tem unidade tanto de ação como de pensamento. A excelente Magenta Dawning é o fio condutor do espetáculo fazendo os números de cortina que interligam as quatro peças curtas (20 minutos cada). Magenta tem observações ferinas não só sobre o tema tratado, mas também sobre a situação calamitosa em que nosso país se encontra.
        Genderless – Um Corpo Fora da Lei é a primeira peça. Autoria também de Marcia Zanelatto com interpretação minimalista e precisa de Larissa Bracher que se valendo apenas da luz de um IPad relata as agruras de Norrie May-Welby, nascida homem, que foi a primeira pessoa do mundo a ser reconhecida como genderless (sem gênero específico). A direção de Guilherme Leme Garcia concentra-se totalmente na movimentação da atriz.
        Como Deixar de Ser é de Daniela Pereira de Carvalho, autora já bastante conhecida dos palcos paulistanos e tem direção de Renato Carrera. Uma senhora presa em um quarto cheio de roupas velhas desespera-se ao lembrar-se de sua paixão e desejo por uma colega de trabalho e revolta-se com a presença de um gato deixado, no meu entender, por uma ex-companheira que morreu. Kelzy Ecard que já nos ofereceu interpretações poderosas em Breu e Incêndios repete a dose nesta cena.
        A Noite em Claro de Joaquim Vicente tem clara inspiração no brutal assassinato do diretor Luiz Antonio Martinez Corrêa ocorrido há exatos 30 anos (1987). Thadeu Matos em interpretação corajosa faz o assassino e a vítima. Direção de Cesar Augusto, componente da Cia. Dos Atores (outra prova irrefutável da seriedade de parte do teatro carioca).
        Flor Carnívora é uma viagem do talentoso Jô Bilac pelo mundo vegetal questionando: se as plantas podem ser trangêneras por que não o ser humano? A luminosa direção de Ivan Sugahara faz a intérprete Adessa Martins (que há pouco presenteou São Paulo com o ótimo Se Eu Fosse Iracema) circular por entre plantas que se movem e também pela plateia e corredores do teatro clamando “Abaixo a soja!”. Risos seguidos de reflexão percorrem a plateia que aplaude calorosamente ao final do espetáculo.
        OCUPAÇÃO RIO DIVERSIDADE faz temporada relâmpago de apenas dois finais de semana no Sesc Santana. O primeiro final de semana já passou. CORRA que ainda é tempo: a peça se apresenta sexta (26/05) e sábado (27/05) às 21h e domingo (28/05) às 18h. IMPERDÍVEL para quem acredita em um mundo menos transgênico e mais transgênero.


22/05/2017

terça-feira, 9 de maio de 2017

UMA VIDA BOA


        Teena Brandon nasceu do sexo feminino, mas tinha todas as características, sensações e comportamentos de um homem. Rejeitada pela família e pela sua cidade, muda-se adotando o nome de Brandon Teena e leva a vida como homem até ser descoberta pelo amigo de sua namorada e ser assassinada por ele. Esse fato ocorrido nos Estados Unidos é só um trágico exemplo do que já aconteceu e ainda acontece em qualquer outro lugar onde o ódio homofóbico está presente. O filme de 1999 Meninos Não Choram (Boys Don’t Cry) de Kimberly Peirce baseou-se nesse assunto com interpretação memorável de Hilary Swank que lhe valeu o Oscar daquele ano.
        Tema tão urgente e importante em país que só se diz tolerante com a diversidade, mas que mostra a verdadeira face preconceituosa em muitas ocasiões merecia visita de um dramaturgo brasileiro e Rafael Primot o fez: Uma Vida Boa é sua versão da triste trajetória de um homem em corpo de mulher.
        Amanda Mirásci carrega o espetáculo nas costas: sua entrega a personagem tão complexa é total. Sempre se equilibrando em certa delicadeza (que poderia soar como feminina) e a virilidade sempre exteriorizada pelos machões de plantão, Amanda nos dá comovente retrato do que se passa no interior daquela complexa criatura.
        Tanto a autoria como a direção (Diogo Liberano) são tímidas parecendo não querer por o dedo em ferida tão profunda. Os assuntos são tratados de maneira superficial, assim como os personagens secundários (a namorada e o amigo) interpretados de maneira também superficial e exteriorizada por Daniel Chagas e Julianne Trevisol. Sendo assim resta a interpretação de Amanda para dar conta de assunto tão sério sobre uma vida absolutamente nada boa!


        Escrevi há alguns dias sobre RACE: “Nesses tempos onde o ódio e a intolerância parecem dominar as relações entre as pessoas, a peça mais que necessária é OBRIGATÓRIA”. Afirmo o mesmo para UMA VIDA BOA. Na primeira tratava-se da questão racial, na segunda trata-se da questão de gênero aonde o preconceito e a intolerância conduzem ao limite do extermínio da vítima: um rapaz em corpo de mulher. Pela urgência do tema e pela atuação pungente e corajosa de Amanda Mirásci, vale a pena conferir o espetáculo em cartaz no Teatro Eva Herz às quintas e sextas às 21h até 26/05.

09/05/2017

       


segunda-feira, 8 de maio de 2017

BLITZ – O IMPÉRIO QUE NUNCA DORME


        Teatro de rua feito por grupo que milita por alguma causa tem que ser direto, não pode usar metáforas ou meias palavras, tem que por o dedo na ferida e por a cara pra bater sendo corajoso para enfrentar a oposição que quase sempre é repressora e truculenta.


        Todas essas características fazem parte do grupo santista Trupe Olho da Rua e de seu impactante Blitz-O Império Que Nunca Dorme, espetáculo que foi interrompido em uma de suas apresentações em Santos e que teve seu diretor Caio Martinez Prado preso pela tal oposição repressora.


        Blitz foi apresentada em São Paulo neste fim de semana de maio de 2017 no Parque da Água Branca e sua ironia já começa com a música de chamada do público para o espetáculo (Você Não Soube Me Amar, sucesso dos anos 1990 com o grupo Blitz).

Uma espectadora solitária

        A peça é uma criação coletiva que tem como meta denunciar a truculência da policia militar e a maneira como a mídia é conivente com essa atitude, filtrando e até omitindo fatos ocorridos principalmente na periferia das grandes cidades, onde por ação da força repressora muita gente inocente é presa e morta. A opção é o viés satírico e o humor, armas poderosíssimas para denunciar a barbárie e para fazer o leigo (a quem a peça se destina) refletir sobre a mesma. Ri-se muito da tragédia e o riso conduz à reflexão.
        Elenco à vontade na interpretação caricatural tanto dos policiais como da mídia, esta representada hilariamente por uma tal Raquel Cheira Azedo (momento memorável de Raquel Rollo).


        Denúncia feita. Quem entendeu, entendeu. Quem não entendeu, ou não quis entender que vá bater panelas!
        Curiosidade e dúvida: Havia um casal que assistiu a toda a apresentação ao meu lado; ao final a mulher me perguntou se era um grupo de atores ou se eles eram realmente policiais! Isso é bom ou é mau?
        VIVA A TRUPE OLHO DA RUA e a sua coragem em abordar tão diretamente as mazelas da nossa triste realidade.

08/05/2017

        

domingo, 7 de maio de 2017

PESSOAS BRUTAS


        A Vida na Praça Roosevelt de Dea Loher (2005) e Roberto Zucco de Bernard-Marie Koltès (2010) inscrevem-se, no meu modo de ver, nos melhores trabalhos realizados por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, incansáveis batalhadores e líderes do grupo Os Satyros.
        A partir de Hipóteses Para o Amor e a Verdade (2009), incluindo a trilogia Pessoas, Ivam e Rodolfo criam a dramaturgia de seus espetáculos tendo como modelo o tipo de trama usado em A Vida Na Praça Roosevelt por Dea Loher, que no cinema se convencionou chamar de multiplot e que teve seu maior exemplo nos filmes de Robert Altman: são diversos núcleos com histórias que ocorrem em paralelo e que de alguma maneira as personagens desses núcleos se encontram ao final da peça. Além disso, aquelas criaturas urbanas e marginalizadas da peça de Loher também serviram de inspiração para a criação das peças posteriores. Não há nenhum demérito nisso, pois as peças demonstraram ter vida própria quando encenadas.


        Pessoas Brutas talvez seja aquela que mais se distancia do modelo de Loher e tem seu grande mérito na busca de humanidade em personagens tão acabadas moralmente. Essas figuras vagueiam pelo mundo buscando sensações nas drogas, na vingança, no sexo, no crime e no tirar vantagem de quem quer que seja e, no entanto, acreditam em um amanhã melhor, que com certeza nunca chegará.     Os diversos núcleos têm diversas personagens e as melhores construídas são aquelas de Teodoro (Ivam Cabral), Olívio (Robson Catalunha) e Disneilandia – um achado o nome desta personagem- (Julia Bobrow), os três em ótimas interpretações. Todas as outras personagens são apresentadas em flashes e servem de apoio para o desenvolvimento da trama que culmina em uma reunião do grupo “Quem Quer Amigos?” (a ironia!!) com desfecho que não será relatado aqui para que não se chame este articulista de spoiler! A peça termina com Disneilandia e o elenco cantando I Have a Dream do grupo Abba para o daddy Sancho. Pedir mais ironia para os tristes dias que estamos vivendo seria demais!! Belo e triste fecho para essas Pessoas Brutas que merecem ser visitadas.
        Destaque para os figurinos das tristes figuras criados por Bia Pieratti e Carol Reissman. A ficha técnica não especifica a autoria das máscaras dos atores, talvez criada por cada um deles. Iluminação precisa de Flavio Duarte.
        PESSOAS BRUTAS está em cartaz no Espaço dos Satyros de quarta a sexta feira ás 21h.

         Fotos de Andre Stefano.


07/05/2017