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quarta-feira, 8 de agosto de 2018

ÍTACA – NOSSA ODISSEIA I



        Ministrei um curso sobre o diálogo entre o teatro e o cinema no CineSesc no mês de junho e, obviamente, citei inúmeras vezes as encenações de Christiane Jatahy como um dos melhores exemplos do uso desse diálogo. Após assistir a Ítaca – Nossa Odisseia I, um dos participantes do curso escreveu que a encenação poderia ser a “aula de formatura” do mesmo. Nada mais correto: está ali tudo o que eu tentei falar sobre o melhor e mais harmonioso uso da linguagem cinematográfica no teatro.
        Ítaca teve apenas oito apresentações no Sesc Consolação e foi um dos grandes eventos teatrais do ano, com aquele sabor de coisa nova que proporciona grandes e gratificantes surpresas. “A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra”, já dizia Ferreira Gullar.
        Foram usados dois ginásios do 2º andar da unidade para o espetáculo. O primeiro deles serve apenas como local de espera. Alí o público é dividido em duas imensas arquibancadas para depois seguir para as duas plateias situadas no outro ginásio.
        O público divide-se nessas duas plateias cada uma delas com um espaço cênico. Cortinas de fios separam os dois espaços. Do lado que fiquei assisti a Ulisses, ainda a caminho de Ítaca, em contato lascivo com Calipso (segundo a Odisseia, ele permaneceu sete anos na ilha de Calipso). São três Ulisses e três Calipsos trocando carinho e agressão numa aparente festa/orgia. A seguir, troca-se de plateia e nessa outra o cenário é Ítaca, onde Penélope é a protagonista ás voltas com os violentos invasores, seus pretendentes.
        Na parte final as cortinas separatórias se abrem e as duas plateias assistem em conjunto ao retorno de Ulisses.
        A Odisseia de Homero serve de base, mas o espetáculo é realizado em ambiente contemporâneo (cenário, figurinos, adereços) para a encenadora denunciar as violências que marcam os dias de hoje: situação de refugiados, agressões às mulheres e guerras em geral. Textos de outros autores complementam a dramaturgia, como o final do famoso monólogo de Molly Bloom no Ulisses de James Joyce (“...e sim eu disse sim eu quero Sims”).
        O uso de recursos cinematográficos mais uma vez enriquece e embeleza as encenações da diretora. A primeira sequência cinematográfica projetada na cortina em fios mostra um casal (Ulisses e Calipso) fazendo amor e é de uma beleza deslumbrante. Na segunda parte esse uso é mais frequente sendo de grande impacto a cena do diálogo dos Ulisses com as Penélopes quase ao final do espetáculo.
        O elenco formado por três atrizes brasileiras (Isabel Teixeira, Julia Bernat e Stella Rabello) e três atores francófonos (Cédric Eeckhout, Karim Bel Kacem e Mathieu Sampeur) atua de forma bastante espontânea com simpática interação com a plateia.
        Ítaca – Nossa Odisseia I, que estreou em Paris em março deste ano, é espetáculo para marcar época e uma segunda parte (O Agora Que Demora) deverá estrear em São Paulo em 2019.


        Fato curioso é que no mesmo período em que a peça esteve em cartaz eu passei por uma Odisseia: a guerra de Troia foi o infarto que sofri no dia 23 de julho, o longo caminho de volta para casa foi o tempo em que fiquei no hospital e na casa da minha irmã. Na última segunda-feira, dia 06 de agosto, finalmente voltei à minha Ítaca onde ansiosas Penélopes teatrais me aguardavam.

        08/08/2018

Um comentário:

  1. A peça foi impactante e muito acima do esperado. Havia uma expectativa criada a partir desse seu curso. Em respeito aos colegas que ainda não tinham visto, não quis comentar absolutamente nada, nem a existência da quadra usada como espera e divisão da plateia. Mas, o mais importante foi a sua “Odisséia particular” com a volta à sua “Ítaca ”, com final Feliz. Bj, Mestre.

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