Ministrei
um curso sobre o diálogo entre o teatro e o cinema no CineSesc no mês de junho e, obviamente, citei inúmeras vezes as
encenações de Christiane Jatahy como um dos melhores exemplos do uso desse
diálogo. Após assistir a Ítaca – Nossa
Odisseia I, um dos participantes do curso escreveu que a encenação poderia
ser a “aula de formatura” do mesmo. Nada mais correto: está ali tudo o que eu
tentei falar sobre o melhor e mais harmonioso uso da linguagem cinematográfica
no teatro.
Ítaca teve apenas oito apresentações no Sesc Consolação e foi um dos grandes
eventos teatrais do ano, com aquele sabor de coisa nova que proporciona grandes
e gratificantes surpresas. “A arte tem
de ter algo que me tira do chão e
deslumbra”, já dizia Ferreira Gullar.
Foram
usados dois ginásios do 2º andar da unidade para o espetáculo. O primeiro deles
serve apenas como local de espera. Alí o público é dividido em duas imensas
arquibancadas para depois seguir para as duas plateias situadas no outro ginásio.
O
público divide-se nessas duas plateias cada uma delas com um espaço cênico.
Cortinas de fios separam os dois espaços. Do lado que fiquei assisti a Ulisses,
ainda a caminho de Ítaca, em contato lascivo com Calipso (segundo a Odisseia,
ele permaneceu sete anos na ilha de Calipso). São três Ulisses e três Calipsos
trocando carinho e agressão numa aparente festa/orgia. A seguir, troca-se de
plateia e nessa outra o cenário é Ítaca, onde Penélope é a protagonista ás
voltas com os violentos invasores, seus pretendentes.
Na
parte final as cortinas separatórias se abrem e as duas plateias assistem em
conjunto ao retorno de Ulisses.
A
Odisseia de Homero serve de base, mas
o espetáculo é realizado em ambiente contemporâneo (cenário, figurinos,
adereços) para a encenadora denunciar as violências que marcam os dias de hoje:
situação de refugiados, agressões às mulheres e guerras em geral. Textos de
outros autores complementam a dramaturgia, como o final do famoso monólogo de
Molly Bloom no Ulisses de James Joyce
(“...e sim eu disse sim eu quero Sims”).
O
uso de recursos cinematográficos mais uma vez enriquece e embeleza as
encenações da diretora. A primeira sequência cinematográfica projetada na
cortina em fios mostra um casal (Ulisses e Calipso) fazendo amor e é de uma
beleza deslumbrante. Na segunda parte esse uso é mais frequente sendo de grande
impacto a cena do diálogo dos Ulisses com as Penélopes quase ao final do
espetáculo.
O
elenco formado por três atrizes brasileiras (Isabel Teixeira, Julia Bernat e
Stella Rabello) e três atores francófonos (Cédric Eeckhout, Karim Bel Kacem e
Mathieu Sampeur) atua de forma bastante espontânea com simpática interação com
a plateia.
Ítaca – Nossa Odisseia I, que estreou em
Paris em março deste ano, é espetáculo para marcar época e uma segunda parte (O Agora Que Demora) deverá estrear em São Paulo em 2019.
Fato
curioso é que no mesmo período em que a peça esteve em cartaz eu passei por uma
Odisseia: a guerra de Troia foi o infarto que sofri no dia 23 de julho, o longo
caminho de volta para casa foi o tempo em que fiquei no hospital e na casa da
minha irmã. Na última segunda-feira, dia 06 de agosto, finalmente voltei à
minha Ítaca onde ansiosas Penélopes teatrais me aguardavam.
08/08/2018
A peça foi impactante e muito acima do esperado. Havia uma expectativa criada a partir desse seu curso. Em respeito aos colegas que ainda não tinham visto, não quis comentar absolutamente nada, nem a existência da quadra usada como espera e divisão da plateia. Mas, o mais importante foi a sua “Odisséia particular” com a volta à sua “Ítaca ”, com final Feliz. Bj, Mestre.
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