Páginas

sábado, 19 de janeiro de 2019

NUNCA FOMOS TÃO FELIZES


        O filão de tramas que envolvem encontro de casais ou famílias e que depois de alguns estímulos (etílicos ou não) tiram a máscara social e começam a destilar verdades com requintes de crueldade, creio que foi inaugurado na década de 1960 com A Volta ao Lar de Harold Pinter e, principalmente, Quem Tem Medo de Virginia Woolf de Edward Albee. O sucesso dessas peças gerou várias outras nas dramaturgias inglesa e norte americana das quais se pode citar algumas que chegaram até os palcos brasileiros: Closer (Patrick Marber), Jantar Entre Amigos (Donald Margulies), Deus da Carnificina (da francesa Yasmina Reza).
        Dan Rosseto retoma o filão em Nunca Fomos Tão Felizes colocando dois casais em cena que após início de conversa cordial iniciam combate verbal e até físico. A novidade é a presença do irmão do protagonista que sofre de síndrome de Tourette (bela composição do ator Luccas Papp, que emociona na última cena da peça).
        A direção de Rosseto conduz a narrativa pontuando-a com belíssima trilha sonora que inclui Nina Simone, Billie Holiday e muitas canções de Cole Porter. Essa trilha formidável por vezes atrapalha os diálogos uma vez que todo sonoplasta sabe que não é bom mesclar músicas cantadas com a fala dos atores, sob o risco do espectador ficar dividido em prestar atenção na fala ou na voz do cantor. Um reparo à interessante cenografia de Luiza Curvo formada de malas que assumem várias funções: em 1962, época em que se situa a ação, os gramofones já eram peça de museu e nunca puderam reproduzir LPs que eram a mídia da época.
        É bom e oportuno o irônico título que Rosseto escolheu para sua peça. Ele já foi usado por Murilo Salles em 1984 em triste e nada feliz filme sobre a relação de filho e pai na época da ditadura brasileira. Aqui também essas cinco figuras podem ser tudo, menos felizes.
        Os figurinos de Kleber Montanheiro reproduzem a contento a época em que se passa a peça, haja vista o “modelito” usado pela personagem Simone.


        Não há como não destacar a forte interpretação de Nicole Cordery que leva a plateia quase ao delírio. Ela personifica Simone, uma mulher de meia idade que se mostra segura de si, cruel e individualista, mas que ao longo da trama vai desmoronando e, literalmente, se desnudando dessa máscara. O melhor elogio para este trabalho é que se Cacilda Becker fosse interpretá-lo, ela faria exatamente como Nicole o faz.
        Noite de estreia é sempre complicada: não senti firmeza, nem um “à vontade” na interpretação de Mateus Monteiro que sempre se revelou excelente ator em outros trabalhos, mas creio que isso possa se resolver durante a temporada.
        Completam o elenco Larissa Ferrara e Eduardo Martini, este em papel bastante diverso daqueles que tem interpretado em comédias.
        NUNCA FOMOS TÃO FELIZES está em cartaz no Teatro Itália até 17/03. Sextas e sábados 21h e domingos 18h.

        19/01/2019
       
        

Um comentário:

  1. Acompanhei a divulgação da estreia pelo facebook do velho amigo Eduardo Martini e fiquei muito feliz com a sua crítica. Vida longa ao espetáculo!

    ResponderExcluir