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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

OSSADA



O grito de independência de uma atriz

        Dona de belos e imensos olhos verdes, Ester Laccava parece ter soltado todas as amarras para se lançar de corpo e alma e sem rede de proteção na criação de Ossada que, infelizmente, encerrou sua primeira temporada no domingo 03/02/2019 no SESC Pompeia.
        Segundo ela os textos da inglesa Maureen Lipman lhe chegaram às mãos por meio de uma amiga também inglesa. Ester escolheu cinco histórias, juntou textos da poetisa polonesa Wislawa Szymborska e de Laurie Anderson e com a colaboração de Elzemann Neves e João Wady Cury criou a dramaturgia deste perturbador espetáculo.
        Para a tradução cênica, Laccava contou com a colaboração das iluminadoras Mirella Brandi e Aline Santini que realmente são cocriadoras como bem atesta a ficha técnica constante no programa. A luz dialoga com a performance da atriz e com o público, criando ambiente digno de participar da Bienal de Praga, pois o trabalho dessas magas da iluminação funciona como uma verdadeira cenografia do espetáculo.
        Quanto à interpretação de Laccava... Poderosíssima e visceral desde sua entrada em cena andando e depois correndo no meio do público; passando pela tragédia de filhas em relação aos pais (uma em dúvida se desliga os aparelhos do pai agonizante em um hospital e outra liquidando o pai que a maltrata), ansiosa ao tentar acender um cigarro durante uma tormenta (a cena mais bela do espetáculo), dançando ao som de Stevie Wonder, patética como uma mulher bêbada fazendo speech durante a festa de casamento do filho e, finalmente, neutra em palestra no Museu de História Natural. Versatilidade e energia não faltam a essa atriz que se realiza também como criadora deste ousado Ossada.
        Ossada não pode se limitar às 16 apresentações realizadas no SESC Pompeia. É espetáculo para se expandir, para ser assistido e admirado por muita mais gente e assim cumprir seu papel admirável como um dos trabalhos mais criativos apresentados nos palcos paulistanos nos últimos anos. Muito moderno sem ser modernoso, nem pretensioso. Contemporâneo, sem ser inacessível. Belíssimo e comovente, além de fazer refletir sobre o tempo presente. É ver para crer.

        04/02/2019

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