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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

BALADA DOS ENCLAUSURADOS



 
Foto de Leekyung Kim

        Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta”. Não há como não se lembrar dessa frase de Camille Claudel (1864-1943), presente em placa da residência onde ela morou em Paris e celebrizada por Caio Fernando Abreu em uma de suas belas crônicas, ao assistir ao pungente espetáculo criado por Erica Montanheiro e Eric Lenate sobre os trinta anos de confinamento em hospícios de Camille e de Nijinsky (1889-1950).
 
 
        Trata-se de dois monólogos: em Inventário a autora Erica interpreta a escultora Camille no final de seus dias dirigida por Lenate e em Testemunho Líquido o autor Lenate interpreta o dançarino Nijinsky em alguns de seus surtos e devaneios dirigido por Erica. Ideia que se mostrou ótima no projeto e que se realiza plenamente no palco.
        Seres geniais que viveram intensamente seus talentos e paixões, Camille e Nijinsky perdem-se nos labirintos da mente humana desenvolvendo o que se convencionou chamar de desequilíbrio mental e que os confinam em hospitais psiquiátricos onde são submetidos a tratamentos cruéis tão em voga na época. No caso de Camille os próprios médicos não aconselhavam a sua permanência nos asilos, mas a negligência de sua família, em especial de seu irmão Paul, ali a mantiveram durante trinta anos até a sua morte.
        Apesar de serem dirigidos por mãos diferentes os dois espetáculos dialogam entre si criando um todo harmônico e coerente que remete ao lado mais sombrio de Beckett e Artaud; para isso muito contribui a arquitetura cênica criada por Erica, Lenate e o sempre criativo e talentoso Kleber Montanheiro. A maneira como o público é introduzido nos espaços onde ocorrem as cenas já o aclimata para o que irá presenciar.
        A composição de Erica Montanheiro, auxiliada pela marcante maquiagem criada por Leopoldo Pacheco, é poderosa desde os primeiros momentos onde uma velhinha entoa canções de sua infância até o delírio final onde ela finalmente pronuncia o nome, do até então inominável, Rodin. Em projeções sobre a cabeça da personagem desfilam figuras importantes de sua triste existência. Camille morreu aos 79 anos e ao que se sabe foi enterrada em uma vala comum.
 
 
        A introdução no espaço onde ocorrerá Testemunho Líquido é um soco no estômago! Eric Lenate tem tamanho domínio corporal e vocal (herança de seus tempos com o Mestre Antunes) que hipnotiza o público com sua interpretação absolutamente visceral. Muitos atores já interpretaram papeis de esquizofrênicos [como não se lembrar do genial Rubens Corrêa em Diário de Um Louco (1965) e de Gabriel Miziara em Loucura (2002)?], mas meus mais de cinquenta anos de espectador me permitem afirmar que este trabalho de Lenate está entre os melhores a que já assisti nesse meio século de itinerância pelos palcos paulistanos. Com seus dotes de dançarino, Lenate ainda se permite reproduzir parte da coreografia antológica de Prélude à l'Après-Midi d'Un Faune, dançada por Nijinsky em sua juventude.
        Muito poderia se escrever sobre a impecabilidade desse projeto: a chamada experiência imersiva, a iluminação criada por Aline Santini, o impressionante visagismo assinado por Carol Badra e Leopoldo Pacheco e toda a equipe que transformou por completo e de maneira muito criativa o espaço cênico do Núcleo Experimental que nunca mais será o mesmo depois dessa experiência.

        BALADA DOS ENCLAUSURADOS está em cartaz no Núcleo Experimental de 02/08 a 02/09/2019 às sextas, sábados, domingos e segundas. Todos os dias são apresentadas as duas peças que podem ser assistidas no mesmo dia ou em dias alternados:

        - INVENTÁRIO: sextas e sábados às 19h/domingos às 20h/segundas às 21h

        - TESTEMUNHO LÍQUIDO: sextas e sábados às 21h/domingos às 18h/segundas às 19h

        OBS: É possível que após essa temporada o projeto se apresente em outros espaços, mas garanta a sua presença na instalação criada no Núcleo Experimental que dificilmente será reproduzida em outros espaços.


        02/08/2019

 

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