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sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

BRINCANDO COM FOGO



 
        A última etapa antes da recepção do texto e da cena pelo espectador”, assim Patrice Pavis define a voz do ator em seu Dicionário de Teatro. É como espectador que me sinto incomodado com certa frequência ao assistir a espetáculos que ficam prejudicados pela fraca emissão de voz do elenco. Isso acontece geralmente com atores mais jovens o que parece revelar que as escolas de teatro não têm tratado a assunto com o devido cuidado. As vozes parecem não querer sair do espaço restrito do palco e não se projetam até o fundo da sala, o que é absolutamente necessário. Em peças onde a palavra é importante, o ator pode ter boa dicção, possuir gestual e interpretação adequados, mas se ele não se faz ouvir o todo fica muito prejudicado e, de certa maneira, até incompreensível. Maria José de Carvalho e Eudósia Acuña foram grandes especialistas em técnicas vocais e formaram boa parte dos atores que hoje são chamados de geração mais velha os quais se fazem ouvir mesmo em espetáculos sem sonorização. Onde estão nos dias de hoje aqui em São Paulo, os especialistas na área? Emissão, entonação, dicção, cuidados com a voz. Assuntos urgentes a serem considerados pelas escolas e pelos encenadores.

        Faço esse preâmbulo para justificar o quanto fiquei incomodado na noite de ontem ao assistir a Brincando Com Fogo, o novo espetáculo do sempre competente Grupo TAPA, com direção de Eduardo Tolentino de Araújo. Sentado na quinta fileira de um teatro que tem boa acústica, tive dificuldade de escutar boa parte do texto e ao final do espetáculo pude constatar que essa dificuldade não foi só minha.
        August Strindberg (1849-1912) escreveu dezenas de peças teatrais, a maioria desconhecida entre nós. Brincando Com Fogo foi criada poucos anos depois de ele ter escrito duas de suas peças mais montadas no Brasil (Senhorita Júlia e A Mais Forte) e contém temas caros ao dramaturgo sueco como certa aversão à personagem feminina e forte conteúdo erótico: um casal entediado com a relação e com a convivência com os pais do homem testa suas sensações com um amigo visitante e com uma prima que habita o mesmo local.
        Tolentino trata com sua costumeira elegância a história. Em um espaço quase vazio, adornado por quadros, molduras e espelhos ele desloca as personagens vestidas de branco, vermelho e preto criando clima propício ao desenvolvimento da trama (a ficha técnica não identifica a autoria do cenário e dos figurinos que, provavelmente, são do próprio diretor).
        Camila Czerkes e Daniel Volpi representam o casal. Bruno Barchesi e Luana Fioli são, respectivamente, o amigo e a prima com quem o casal vai se envolver. Boas interpretações, infelizmente, prejudicadas pelos problemas vocais citados acima.
        Em pequenas participações, Oswaldo Mendes e Mara Faustino brilham como o pai e a mãe, fazendo-se ouvir pelo espectador que estava sentado na última fila do teatro.
        Resolvidas as questões auditivas observadas na estreia, Brincando Com Fogo pode tornar-se outro espetáculo com o padrão de qualidade do Grupo TAPA.

        BRINCANDO COM FOGO realiza curta temporada até 16/02 no Teatro Aliança Francesa. Quinta a sábado (20h30) e domingo (19h)

        10/01/2020

       

 

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