Acabei
de reler em edição da saudosa coleção Teatro
Vivo da Editora Abril, Nossa Cidade (Our Town), peça escrita em 1938 pelo dramaturgo norte americano
Thornton Wilder (1897-1975).
Essa
peça sempre me fascina quanto à forma (exemplo perfeito do melhor teatro
épico), mas me incomoda quanto ao conteúdo pelo seu caráter extremamente
conservador e individualista.
Deixando de lado certa ranhetice ideológica é
sempre um prazer entrar novamente em contato com ela e ver como o autor nos
conta sobre o dia a dia dos habitantes de uma pequena cidade do interior dos
Estados Unidos. Em seus três atos a peça percorre um período de 12 anos onde
alguns nascem enquanto outros morrem tudo narrado por um diretor de cena que se
dirige diretamente ao público e manuseia a entrada e saída das personagens num
ótimo exemplo de distanciamento, isso, creio eu, sem Wilder ter a menor ideia
das ideias de Bertolt Brecht (1898-1956).
A conversa dos defuntos no terceiro ato é
surpreendente e guardadas as devidas proporções me remeteu ao Pedro Páramo de Juan Rulfo e também à
peça Aqui de uma jovem paranaense
(Martina Sohn Fischer) que cumpriu discreta temporada em 2012 dirigida por
Juliana Galdino no Club Noir.
Segundo
meus registros nos últimos 50 anos a peça teve apenas três encenações em São
Paulo:
-
1965 – Montagem semi amadora com o Grupo
Dramático do SESI dirigida por
Eduardo Manuel Curado, sem nomes conhecidos no elenco que tenham se projetado posteriormente
na cena teatral. A peça se apresentou no Leopoldo Fróes, simpático teatro
municipal localizado em um parque na Rua General Jardim que foi demolido algum
tempo depois. Não me recordo da encenação, nem das interpretações, mas o texto
me impactou principalmente pela sua forma que para mim, um jovem de 21 anos, era
a mais completa novidade.
-
1989 – Montagem do Grupo TAPA
dirigida por Eduardo Tolentino de Araújo apresentada no Teatro Anchieta.
Tolentino adaptou o texto inclusive abrasileirando o nome das personagens
(creio que também o fez em relação ao local onde se passa a ação), mesmo assim
acredito que tenha sido a montagem que foi mais fiel ao original de Thornton
Wilder. Um verdadeiro elenco de ouro interpretava o texto: Ênio Gonçalves,
Umberto Magnani, Walderez de Barros, Brian Penido (ele ainda não usava o Ross),
Vera Mancini, Plínio Soares, Genésio Barros e por último, mas talvez o mais
importante, Clara Carvalho, a mais perfeita Emily que eu possa ter imaginado.
-
2013 – Montagem do CPT/SESC e Grupo de Teatro Macunaíma dirigida por Antunes Filho apresentada no Teatro
Anchieta. Consta do programa que Antunes reconstruiu o texto. Na verdade ele
radicalizou, eliminando o segundo ato, trazendo
a ação para os dias atuais e fazendo uma contundente denúncia da participação dos
Estados Unidos em guerras colocando o diretor de cena em uma cadeira de rodas
como um aleijado de guerra. O que a peça ganhou em denúncia, perdeu em poesia e
delicadeza, além de minimizar a questão levantada pelos mortos de que os vivos
não sabem dar valor à vida. Do elenco, sempre muito bem preparado por Antunes,
destaque para Leonardo Ventura como o diretor de cena. A meu modo de ver, o
ponto fraco foi a substituição da Nara Chaib Mendes que tinha o tipo físico
ideal de Emily e se preparou para o papel por meses por Sheila Faermann que fez
uma Emily infantilizada (principalmente no tom de voz) e artificial. Coisas do
Mestre Antunes!
Em
1940 Sam Wood dirigiu o filme baseado na peça onde William Holden e Martha
Scott interpretavam o par central Emily e George e Frank Craven era o diretor
de cena, repetindo o papel que fez na Broadway na primeira montagem da peça em
1938. O desfecho da peça foi alterado para um happy end, pois devia ser
inconcebível para a Hollywood do início da década de 1940 que a mocinha
morresse no fim do filme. O filme também materializa tudo o que genialmente
sugerido nas rubricas da peça. Talvez Nossa
Cidade filmada nos moldes de Dogville daria em um excelente filme.
Fica a sugestão para os futuros cineastas.
Quanto
ao teatro, uma encenação dessa peça que mantenha tudo o que ela tem de positivo
na forma e no toque poético/nostálgico, mas que traga à tona os problemas
contemporâneos será um grande desafio para qualquer diretor. Aguardemos as
próximas Nossa Cidade!
29/06/2020
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