segunda-feira, 29 de junho de 2020

NOSSA CIDADE



        Acabei de reler em edição da saudosa coleção Teatro Vivo da Editora Abril, Nossa Cidade (Our Town), peça escrita em 1938 pelo dramaturgo norte americano Thornton Wilder (1897-1975).
        Essa peça sempre me fascina quanto à forma (exemplo perfeito do melhor teatro épico), mas me incomoda quanto ao conteúdo pelo seu caráter extremamente conservador e individualista.
         Deixando de lado certa ranhetice ideológica é sempre um prazer entrar novamente em contato com ela e ver como o autor nos conta sobre o dia a dia dos habitantes de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Em seus três atos a peça percorre um período de 12 anos onde alguns nascem enquanto outros morrem tudo narrado por um diretor de cena que se dirige diretamente ao público e manuseia a entrada e saída das personagens num ótimo exemplo de distanciamento, isso, creio eu, sem Wilder ter a menor ideia das ideias de Bertolt Brecht (1898-1956).
        A conversa dos defuntos no terceiro ato é surpreendente e guardadas as devidas proporções me remeteu ao Pedro Páramo de Juan Rulfo e também à peça Aqui de uma jovem paranaense (Martina Sohn Fischer) que cumpriu discreta temporada em 2012 dirigida por Juliana Galdino no Club Noir.

        Segundo meus registros nos últimos 50 anos a peça teve apenas três encenações em São Paulo:
 
 
        - 1965 – Montagem semi amadora com o Grupo Dramático do SESI dirigida por Eduardo Manuel Curado, sem nomes conhecidos no elenco que tenham se projetado posteriormente na cena teatral. A peça se apresentou no Leopoldo Fróes, simpático teatro municipal localizado em um parque na Rua General Jardim que foi demolido algum tempo depois. Não me recordo da encenação, nem das interpretações, mas o texto me impactou principalmente pela sua forma que para mim, um jovem de 21 anos, era a mais completa novidade.
 

        - 1989 – Montagem do Grupo TAPA dirigida por Eduardo Tolentino de Araújo apresentada no Teatro Anchieta. Tolentino adaptou o texto inclusive abrasileirando o nome das personagens (creio que também o fez em relação ao local onde se passa a ação), mesmo assim acredito que tenha sido a montagem que foi mais fiel ao original de Thornton Wilder. Um verdadeiro elenco de ouro interpretava o texto: Ênio Gonçalves, Umberto Magnani, Walderez de Barros, Brian Penido (ele ainda não usava o Ross), Vera Mancini, Plínio Soares, Genésio Barros e por último, mas talvez o mais importante, Clara Carvalho, a mais perfeita Emily que eu possa ter imaginado.
 
 
        - 2013 – Montagem do CPT/SESC e Grupo de Teatro Macunaíma dirigida por Antunes Filho apresentada no Teatro Anchieta. Consta do programa que Antunes reconstruiu o texto. Na verdade ele radicalizou,  eliminando o segundo ato, trazendo a ação para os dias atuais e fazendo uma contundente denúncia da participação dos Estados Unidos em guerras colocando o diretor de cena em uma cadeira de rodas como um aleijado de guerra. O que a peça ganhou em denúncia, perdeu em poesia e delicadeza, além de minimizar a questão levantada pelos mortos de que os vivos não sabem dar valor à vida. Do elenco, sempre muito bem preparado por Antunes, destaque para Leonardo Ventura como o diretor de cena. A meu modo de ver, o ponto fraco foi a substituição da Nara Chaib Mendes que tinha o tipo físico ideal de Emily e se preparou para o papel por meses por Sheila Faermann que fez uma Emily infantilizada (principalmente no tom de voz) e artificial. Coisas do Mestre Antunes!
 

        Em 1940 Sam Wood dirigiu o filme baseado na peça onde William Holden e Martha Scott interpretavam o par central Emily e George e Frank Craven era o diretor de cena, repetindo o papel que fez na Broadway na primeira montagem da peça em 1938. O desfecho da peça foi alterado para um happy end, pois devia ser inconcebível para a Hollywood do início da década de 1940 que a mocinha morresse no fim do filme. O filme também materializa tudo o que genialmente sugerido nas rubricas da peça. Talvez Nossa Cidade filmada nos moldes de Dogville daria em um excelente filme. Fica a sugestão para os futuros cineastas.

        Quanto ao teatro, uma encenação dessa peça que mantenha tudo o que ela tem de positivo na forma e no toque poético/nostálgico, mas que traga à tona os problemas contemporâneos será um grande desafio para qualquer diretor. Aguardemos as próximas Nossa Cidade!


        29/06/2020  

 

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