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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

OS RAPAZES DA BANDA


MEMÓRIA DO TEATRO PAULISTANO 

Há exatos 50 anos estreava no antigo Teatro Cacilda Becker localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio Os Rapazes da Banda, peça do dramaturgo norte americano Mart Crowley (1935-2020). O  fato de ser produzida sob a chancela de um casal de prestígio e notadamente heterossexual (Eva Wilma e John Herbert) colaborou para que a peça tivesse ampla aceitação pelo público e não provocou maiores escândalos mesmo ao tratar de assunto ousado para a época: reunião de homossexuais onde o anfitrião presenteia o amigo aniversariante com um garoto de programa. O elenco reunia nomes importantes de nosso teatro como Walmor Chagas, Otávio Augusto, Benedito Corsi, Denis Carvalho, Roberto Maya, Bene Silva, John Herbert, Paulo Adário e Paulo César Pereio e a direção era de Maurice Vaneau, encenador e coreógrafo belga de muito prestígio na época.

O que a memória me traz depois de tanto tempo é que se tratava de uma comédia com alguns estereótipos do universo gay, bastante inofensiva e leve, apesar do final dramático e discutível onde Michael (personagem de Walmor) lamentava-se de sua solidão por ser homossexual (!).

A crítica da ocasião não poupou ressalvas ao espetáculo. Sábato Magaldi escreveu que se tratava apenas de uma peça comercial bem montada, um texto medíocre “que chega aos incautos como se fosse um tratado cênico sobre a homossexualidade, mas que não passa de uma cartilha primária sobre o assunto” (Jornal da Tarde, 30/10/1970). João Apolinário por sua vez titulou sua crítica assim “Sucesso fácil, de um teatro fácil, para um público fácil” (Última Hora, 11/1970). Ambos previram o sucesso do evento, como escreveu Sábato no final de sua matéria “Tudo indica que Os Rapazes da Banda se transformará no maior sucesso de bilheteria da temporada”, o que de fato aconteceu.

A peça havia estreado dois anos antes em Nova York e virou filme dirigido por William Friedkin em 1970 sempre com muito sucesso. Em 2018 a peça foi remontada na Broadway e acaba de se tornar filme dirigido por Joe Mantello disponível na Netflix; A Folha de S. Paulo dedicou página e meia da edição de 29/09/2020 a uma matéria sobre o filme, ressaltando a atualidade do tema abordado pelo mesmo.

Os tempos mudaram, muitos armários se escancararam, movimentos surgiram, mas permanecem o preconceito e a violência com aqueles que fogem aos valores estabelecidos pela sociedade.

Resta saber o que Os Rapazes da Banda têm a dizer para o mundo pandêmico de 2020, talvez mais preconceituoso e conservador do que aquele de 1970.

Tristes tempos. 

30/09/2020

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

ÉRAMOS EM BANDO

 


Amar e admirar o Grupo Galpão são verbos que fazem parte do vocabulário de qualquer teatrófilo que se preze. Eu os conheço desde 1993 quando eles apresentaram seu cartão de visitas (Romeu e Julieta) à cidade de São Paulo no SESC Pompeia. A partir daí tenho acompanhado toda a trajetória desses mineiros que se renovam a cada novo espetáculo e que mantém em seu elenco muitos elementos daquela época (Antônio Edson, Arildo de Barros, Beto Franco, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Teuda Bara).

Nesses 27 anos muita água passou debaixo da ponte e o Galpão deixou maravilhas em seu rastro como A Rua da Amargura (1994), Um Trem Chamado Desejo (2000), Um Homem É Um Homem (2005), Pequenos Milagres (2007), Moscou (2008), Till (2009), Tio Vânia (2011), Os Gigantes da Montanha (2013) e a pequena joia De Tempo Somos (2014). Em 38 anos de existência – já existia há onze anos quando esteve por aqui pela primeira vez -  o grupo realizou 24 espetáculos e um sarau sempre primando pela qualidade e pela diversidade tanto nos temas como nos autores e nos diretores, culminando com os contemporâneos Nós (2016) e Outros (2018), ambos dirigidos por Marcio Abreu.

E chegou 2020, ano de estrear o 25º espetáculo, mas com 2020 também chegou a pandemia e cada um teve que abdicar temporariamente desse sonho e ir para o seu canto viver o isolamento social.

Silêncio em um primeiro momento, mas depois a vontade de criar fez o grupo se juntar virtualmente e desses encontros resultou Éramos em Bando, filme dirigido por Marcelo Castro, Pablo Lobato e Vinicius de Souza. Nas conversas, cada um em seu casulo fala desse momento difícil para a vida e para o teatro e como está lidando com isso. Muita improvisação onde momentos engraçados (quase sempre provocados pela carismática Teuda) se mesclam com momentos dramáticos e de denúncia, tudo sempre com muita arte e delicadeza. Os encontros também contaram com a participação/provocação dos diretores Marcelo Castro e Vinicius de Souza. O RESULTADO É UM RICO DOCUMENTO HISTÓRICO SOBRE A SOBREVIVÊNCIA DE UM GRUPO TEATRAL EM TEMPOS DE PANDEMIA.

Atores que participam do filme: Inês Peixoto, Eduardo Moreira, Teuda Bara, Julio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Antônio Edson.

Está sendo exibido também um registro do encontro/debate realizado no dia da estreia do filme (21/09/2020). Esse encontro contou com a participação dos diretores Pablo Lobato e Vinicius de Souza e dos atores Lydia Del Picchia e Paulo André; a mediação foi feita por Victor Guimarães.


Vale a pena fazer uma dobradinha no Youtube e assistir aos dois documentos. Exibição por tempo limitado. 

E VIVA O GRUPO GALPÃO!

VIVA O TEATRO! 

23/09/2029

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

UMA MULHER SÓ

 


Não são muitas as atrizes brasileiras que transitam com facilidade entre o drama e a comédia. Parece que é mais fácil fazer comédia do que drama, mas intérpretes são unânimes em afirmar o contrário. No meu entender a maior representante dessa categoria sempre será Marília Pêra com suas interpretações antológicas de Fala Baixo Senão Eu Grito (1969), Apareceu a Margarida (1974) e Brincando Em Cima Daquilo (1985). Ao seu lado podemos lembrar de Andrea Beltrão, Beth Goulart, Débora Bloch, Fernandinha Torres e agora, com este Uma Mulher Só, de Martha Meola, que por coincidência interpreta uma das personagens criadas por Marília em 1985 na peça de Dario Fo e Franca Rame.

Foto de Ronaldo Gutierrez

Essa mulher da peça do casal italiano me remeteu ao título de uma obra de Leonid Andreiev: O Que Leva Bofetadas. Ela leva bofetadas de todos os homens que passam por sua vida: o marido que a agride fisicamente e a prende em casa, o cunhado tetraplégico que abusa sexualmente dela, o homem que a agride por telefone, o jovem amante que quer se suicidar por ela, mas também a violenta e até o bebê que chora o tempo todo não lhe dando paz. Aceitando sua triste condição feminina, a princípio ela se limita a desabafar com uma vizinha que mudou para o prédio em frente (recurso parecido com aquele usado por Antônio Bivar em 1968 em Alzira Power que era interpretado por Yolanda Cardoso, outra grande atriz que sabia como graduar o dramático com o cômico), mas ao final ela encontra uma forma mais radical de acabar com tudo. É impressionante a interatividade/intimidade de Martha Meola com os web espectadores que se tornam a vizinha que testemunha as agruras daquela mulher só.

A violência doméstica é um fato no Brasil e ela só aumentou com o isolamento social e o pior é que a maioria das mulheres aceita passivamente essa situação por medo ou alienação, No início deste ano a peça Uma Lei Chamada Mulher tratou desse assunto e é muito bom que Uma Mulher Só volte a tratar do assunto, agora com um bem vindo toque de humor corrosivo que faz pensar.

Marco Antônio Pâmio dirige a atriz com sua elegância costumeira saindo-se muito bem em sua primeira experiência audiovisual e contando com a ótima direção de movimento de Marco Aurélio Nunes (fundamental para o bom desenvolvimento da ação) e a excelente trilha de Gregory Slivar que comenta e reforça a ação.


SERVIÇO: UMA MULHER SÓ - Estreia em 11 de setembro, sexta, às 20 horasTemporada - Até 27 de setembro, sextas e sábados, às 20 horas, domingo, às 17 horas.  Direção - Marco Antônio Pâmio. Interpretação - Martha Meola. Autores - Dario Fo e Franca Rame. Direção de movimento - Marco Aurélio Nunes. Iluminação - Nicolas Caratori. Trilha Original - Gregory Slivar. Direção de arte - Raphael Gama. Operação de som - Alexandre Martins. Fotos - Ronaldo Gutierrez. Produção executiva - Marcela Horta. Direção de produção - Selene Marinho e Sergio Mastropasqua. Duração - 40 minutos (+15 minutos de debate após o espetáculo). Ingressos - De R$ 10,00 a R$ 250,00 (vendas pelo Sympla). 

11/09/2020

 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

TODO MUNDO QUER SER DONA MARGARIDA (?)

 

O desempenho de Marília Pêra em ‘Apareceu a Margarida’ (1974) é, para mim, a obra prima absoluta de interpretação feminina no Brasil, ao menos nos 50 anos que frequento teatro. Pelo texto de Roberto Athayde e pela interpretação de Marília, classifico este espetáculo como um dos cinco mais significativos de toda minha longa vida de espectador.” 

Com essa frase eu encerrava o capítulo do meu livro sobre Apareceu a Margarida. Posto isso o leitor pode imaginar a minha apreensão ao me preparar para assistir a transmissão ao vivo da versão da peça realizada por Abílio Tavares e o maior elogio que posso fazer a esse espetáculo é que já nos primeiros minutos me distanciei de Marília e já estava curtindo a nova (para mim) Dona Margarida.

Abílio Tavares montou a peça várias vezes, mas nunca tive a oportunidade de assistir; surge agora a versão online em razão do isolamento social. A primeira coisa que chama a atenção é o novo título que amplia a vontade de dominar (todo mundo quer ser) e ao mesmo tempo põe em dúvida esse desejo com um intrigante ponto de interrogação ao final da frase.

A potência e a atualidade do texto de Athayde são coisas incontestáveis e Abílio Tavares apodera-se com unhas e dentes das frases absolutamente antológicas que compõem o mesmo, reforçando a contundência das mesmas escrevendo-as em lousas espalhadas pelos vários cômodos da casa onde foram situadas as ações. O fato de situar as ações em vários cômodos ameniza, a meu modo de ver, a claustrofobia de uma sala de aula, local onde Dona Margarida deve sentir-se mais à vontade para exercer seu poder, porém a solução cênica é válida pois dinamiza a apresentação quando realizada via recursos televisivos.

Apesar de toda demonstração de poder que procura demonstrar, Dona Margarida é frágil e temerosa de perder esse poder. Trata-se de uma personagem em muitos aspectos asquerosa e perigosa (Marília Pêra dizia que interpretá-la era uma violentação), mas também digna de pena. Personagem que vai do drama à comédia, fato que exige muita versatilidade de quem a interpreta e essa qualidade não falta a Abílio Tavares.

Muitas Donas Margaridas estão presentes no triste cenário brasileiro e isso torna este trabalho de Abílio Tavares urgente e necessário.

 

10/09/2020

SERVIÇO

Reestreia de Todo Mundo Quer Ser Dona Margarida (?)

Releitura de Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde

De 5 de setembro a 27 de setembro de 2020 | Sábados e domingos, às 20h *

* As sessões serão exibidas ao vivo e não ficarão registradas no canal

Acesso gratuito | Onde: YouTube A Dona Margarida Oficial

Duração: 50 min. | Classificação: 12 anos

terça-feira, 1 de setembro de 2020

SEMINÁRIO CPT 2020



Dando início ao que o Danilo Santos de Miranda chamou de relançamento do CPT (Centro de Pesquisas Teatrais do SESC), aconteceu um encontro mediado por Sérgio Luís Oliveira na manhã do dia 01 de setembro de 2020 com a presença do próprio Danilo, da encenadora Bia Lessa, do encenador Gabriel Villela e do dramaturgo Samir Yazbek para falar sobre o legado de Antunes Filho para o teatro.


O CPT foi criado por Antunes dentro da unidade Consolação do SESC e esteve sob sua liderança até sua morte ocorrida em 2019. Nesses 37 anos ali foram concebidos espetáculos e formaram-se atores, diretores, dramaturgos, sonoplastas, cenógrafos que enriquecem a cena teatral brasileira.

Segue abaixo algumas pérolas pinçadas desse longo e instigante papo que se prolongou por mais de duas horas. 

Danilo Santos de Miranda:

        - Realiza-se hoje o relançamento oficial do CPT.

        - Estamos fazendo uma celebração do legado de Antunes.

        - Surge um CPT sem Antunes, mas inspirado nele. 

Bia Lessa:

        - Com a morte desses gênios (Pina Bausch, Tadeusz Kantor, Antunes Filho) não se pode criar uma sombra e querer imitá-los, mas dar um passo a frente, pensando nos pilares que eles construíram.

        - Somos absolutamente iguais e absolutamente diferentes uns dos outros.

        - Citou Mário de Andrade “Não vim ao mundo para ser pedra”, frase que ilustrou sua encenação de Macunaíma.

        - Macunaíma de Antunes (1978) era solar, a minha (2019) era soturna. Agora a questão é “Ai, que preguiça do mundo como ele está agora”.

        - Sempre pensar em CONTEÚDO e FORMA (estética). Qual a melhor forma de dizer determinado conteúdo?

        - Destaque para a importância do Festival Mirada por criar o diálogo com os outros (no caso, a cena estrangeira) 

Samir Yazbek:

        - Recordou a maneira como conheceu Antunes no CCSP.

        - Entrou para o CPT quando Paraíso Zona Norte estava em cartaz (1989)

        - Antunes pretendia montar um espetáculo que mesclasse Jorge Luís Borges e as 1001 noites com Raul Cortez no papel de Borges. A ideia não vingou e mudou para uma obra inspirada na vida do escritor argentino. Samir trabalha nessa obra desde aquela época e a alavancou após a morte de Antunes.

        - Antunes fazia auto crítica. Prova disso é o fato que certo dia Samir apreciava as fotos de Macunaíma afixadas no corredor do CPT e Antunes lhe deu um empurrão bradando “Aqui ninguém olha para o passado!” 

Gabriel Villela:

        - Comparou o CPT a um ateliê renascentista onde se pesquisava sem fins imediatos gerando artistas como Michelangelo.

        - O CPT e arte em geral são excelentes vacinas para a sobrevivência do nosso teatro.

        - Citou a experiência junguiana para o teatro e a obra de Antunes Filho, assim como seu olhar e admiração pelo Oriente. 

A mediação de Sérgio Luís Oliveira foi perfeita e pela primeira vez ouvi dizer que sou um webespectador! 

Elogios quase unânimes surgiram nas mensagens que os webespectadores enviavam, com exceção de uma tal de Silvania P que quase ao final do evento começou a disparar críticas à retomada do CPT (tenho quase certeza quem é essa senhora -ou senhor-!) 

Parabéns SESC! Sempre na frente quando se trata de cultura e cidadania! 

A programação completa do evento que segue até novembro pode ser conferida no site do SESC e nas redes CPT_SESC 

01/09/2020