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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A MORTE ANUNCIADA DE UM TEMPLO DA CULTURA E DA RESISTÊNCIA

 

Em 15 de dezembro de 1964 – poucos meses depois do golpe civil-militar que instalou a famigerada ditadura que durou mais de 20 anos no Brasil - a sempre corajosa e empreendedora Ruth Escobar (1935-2017) inaugurou o seu teatro na Rua dos Ingleses com A Ópera dos Três Vinténs de Brecht, dirigida pelo saudoso José Renato. A partir daí aquele espaço abrigou momentos fundamentais não só do teatro brasileiro (Roda Viva, 1ª Feira Paulista de Opinião, Revista do Henfil, A Viagem, entre muitos outros) como também da resistência da classe teatral aos desmandos da ditadura militar o que hoje pode ser verificado no livro de Rofran Fernandes com o sugestivo nome de Teatro Ruth Escobar-20 Anos de Resistência (Global Editora1985) e. no futuro, no livro de Alvaro Machado a ser publicado pelo SESC ainda em 2020.





 Ruth destruiu e reconstruiu seu espaço para abrigar da melhor maneira montagens antológicas como O Balcão (1969). Com o tempo, além da sala original (Gil Vicente – 320 lugares), foram criadas mais duas: Galpão/Dina Sfat (390 lugares) e Myrian Muniz (70 lugares). Os nomes do teatro e das duas salas honram três mulheres que muito fizeram pelo teatro brasileiro e deveriam tornar sagrado aquele solo.


Em 1997, não conseguindo mais arcar com as despesas do teatro, Ruth Escobar o vendeu para a Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp), a qual afirmava que o objetivo da compra era “prestar maiores benefícios aos seus associados” (página da Associação). Desde então essa entidade tornou-se responsável pela programação do teatro.

         Ícone do melhor teatro que se fez em São Paulo entre os anos 1960 e 1980, lamentavelmente esse teatro foi se destinando cada vez mais a “produtos” estritamente comerciais e foi agonizando artisticamente, suas salas sendo tomadas cada vez mais por títulos esdrúxulos como os citados abaixo, colhidos em banco de dados que alimento desde os anos 1990:

         Se Meu Ponto G Falasse//O Acidente da Perua//Sex Shop Café//Diálogo do Pênis//Sexo, Etc e Tal//Segura o Velho//Engolindo Sapo Para Um Dia Comer Perereca//Será Que Dona Flor Foi a Única?//Confidências de Um Espermatozoide Careca//Entre a Pizza eo Motel//TPM-Tratamento Para Machos//Cobras, Lagartos e Minhas Sogras//Patro Rica, Pode//Assalto Alto/Cura Ele Cura Ela/Quem Não Vê Cara, Não Vê Furacão/O Dia Em que Eu Comi a Pomba Gira/De Mala e Cuia no Trem do Riso/Homens no Divã/Casal TPM/Casal TPM 2-A Música da Nossa Vida/TPM-Terapia Para Mulheres/O Amante do Meu Marido/Nua na Plateia/Uma Família Muito Doida. Alguns espetáculos com muito sucesso popular, como A Sogra Que Pedi a Deus, em cartaz por cerca de uma década.

         Essas programações não fizeram jus ao brilhante passado do edifício que as abrigam e muito menos à brava guerreira Ruth Escobar que dá nome ao teatro.

         Teatro com esse passado e que leva o nome de uma mulher desbravadora que enaltece e engrandece a cena brasileira merecia títulos mais importantes em seus cartazes. E agora a Apetesp colocou o teatro à venda, dando o golpe de misericórdia a uma morte que já vinha sendo anunciada há muitos anos.

         Mas tem de haver meios dessa situação ser revertida. Não há uma lei para isso, mas eticamente a Apetesp deveria se recusar a vender o teatro para uma igreja, supermercado ou qualquer outra atividade que não fosse teatral. Buscar isenção de impostos nesta fase em que procuraria compradores entre o município, o estado, o SESC ou patrocinadores, talvez seria uma saída. E que aquele local volte a ser um templo de cultura e de resistência na nossa cidade. Chega de fechar teatros!

         Citando Bertolt Brecht no final de A Alma Boa de SetSuan:

         Tem de haver outro final,

         Tem de haver um que é bom,

         Tem de haver,

         Tem de haver.

CLASSE TEATRAL: VAMOS LUTAR POR ISSO!!!

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTE

VIVA O TEATRO!!

         Caso isso não aconteça, vai restar a memória daqueles que ali assistiram a momentos fundamentais do teatro brasileiro. E o meu receio é que logo mais o Teatro Maria Della Costa, também administrado pela Apetesp, siga o mesmo caminho.

         22/10/2020

 

 

        

4 comentários:

  1. Bravo, bravíssimo! Tem de haver um meio para impedir que seja para outra finalidade que não teatral ou cênica. Vamos lutar sim para isso, Cetra! Chega de desmantelamento da Cultura neste país! Basta!

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  2. O comentário acima é meu, Alvaro Machado.

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  3. É de fato um episódio muito triste. Acultura se esvaindo, realmente se uma igreja ou supermercado comprar o espaço, será o fim e pensei também no Maria Della Costa... Triste, muito triste, espero que o final seja feliz com aplausos

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