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domingo, 25 de outubro de 2020

PROTOCOLO VOLPONE – Um clássico em tempos pandêmicos.

 ANTES: 

Hoje, 24 de outubro de 2020, é um dia histórico na minha jornada de espectador. Vou ao teatro depois de exatos 228 dias de abstinência. A última vez foi no dia 14 de março, quando assisti a Farm Fatale no Teatro Antunes Filho (SESC Vila Mariana).

Vou ao TEATRO! Recuso-me a chamar de teatro presencial. “Teatro presencial” é pleonasmo! Teatro só pode ser presencial! Deixemos a adjetivação para o teatro que se faz nos dias de hoje via Internet (com muito louvor e muita importância, diga-se de passagem): teatro virtual, teatro online, web teatro, teatro televisionado, teatro filmado. 

 DURANTE: 

A expectativa era grande e poucos minutos antes das 20h caiu uma forte chuva que talvez pudesse inviabilizar a apresentação. O encontro com pessoas queridas no hall do teatro já foi uma festa.

A apresentação acontece em uma estrutura metálica montada no estacionamento do Teatro Arthur Azevedo. A ação da peça se passa no centro do espaço, que é rodeado por 20 cabines individuais de plástico onde ficam os espectadores. Uma vez acomodado nas cabines o público ansioso aguarda a apresentação.

Vista através da cabine

As luzes se apagam e voltam a se acender sobre os atores. A peça tem um prólogo dito pelo personagem Mosca onde ele enfatiza a coisa única que é o  teatro e a importância do olho do ator no olho do espectador. Muito emocionado com essa fala, eu já me vi aplaudindo com entusiasmo nos primeiros cinco minutos do espetáculo.

A trama de Volpone de autoria do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572-1637) trata de ganância e corrupção, nada mais atual para o tempo presente e a adaptação de Marcos Daud enfatiza esses cancros da nossa realidade. O melhor de tudo é que se ri muito dessas mazelas durante o espetáculo e, como todos sabem, o humor tem um poder corrosivo impressionante. É engenhosa a comparação que o autor faz das atitudes das personagens com características de animais: a astúcia da raposa (Volpone), o parasitismo da mosca (Mosca), o instinto predador do corvo (Corvino), a aparente delicadeza da pomba (Colomba), o faro e o instinto da cadela no cio (Canina), o furor e a valentia do leão (Leone). Não consigo identificar com quais animais se parecem Voltore e Corbaccio, mas se trata de personagens tão corruptoras, gananciosas e animalescas quanto as outras.


Fotos de Maria Clara Diniz

Johana Albuquerque rege com mão firme o espetáculo harmonizando todos os elementos de cena: a bela cenografia e os adereços de Julio Dojcsar (interessante a troca dos adereços pelos anjos para evitar o contacto); os significativos figurinos de Silvana Marcondes (o detalhe da cor da máscara ser igual àquela do figurino é uma delícia); a iluminação sempre “iluminada” de Aline Santini; a parte musical (Pedro Birenbaum); o excelente visagismo de Leopoldo Pacheco (em um primeiro momento se torna difícil reconhecer alguns atores) e, é claro, um elenco em estado de graça e tão emocionado quanto nós, os espectadores.

Todos brilham tanto no conjunto como em seus apartes: Daniel Alvim como Volpone; Helena Ranaldi exuberante como Canina; Vera Bonilha, fingindo a ingênua e submissa, mas dando seu recado feminista ao final como Colomba; Joca Andreazza emprestando seu talento como o predador machista Corvino (machista, mas não hesita em ceder a própria mulher quando se trata de ter algum ganho material); Sérgio Pardal dando verossimilhança ao caquético Corbaccio; Vanderlei Bernardino exibindo toda a hipocrisia do notário Voltore; Luciano Gatti visceral como o tempestuoso Leone; Marcelo Villas Boas como o, até certo momento, incorruptível juiz e Pedro Birenbaum, que além de músico em cena, interpreta o Inspetor.

E por último Maurício de Barros! Maurício se supera a cada peça em que participa: do Bonifácio de Cais, passando pelo Dario de Refluxo e o Pradella  de Pousada Refúgio (Prêmio APCA 2018 de melhor ator), chega agora a esse incrível Mosca, mostrando talento e preparo físico impressionantes para quase voar sobre nossas cabeças e costurando toda a trama da peça com suas interferências quase sempre cômicas e perspicazes. Maurício de Barros é a cereja de um bolo no todo muito delicioso!

Protocolo Volpone é um marco histórico no teatro paulistano, quiçá no teatro brasileiro, e trata-se do espetáculo da retomada: primeira encenação a incorporar o protocolo do isolamento social provocado pela pandemia com o uso de máscaras (elenco e espectadores), cabines isoladas e todos os demais procedimentos que fazem com que a encenação seja segura tanto para quem faz como para quem assiste. Quando terminar o isolamento, a encenação deverá ter outra tratativa, mas assisti-la agora com todas as limitações impostas pelo protocolo reveste-se de enorme e significativa importância. Serão apenas 20 apresentações com 20 espectadores em cada uma delas. 400 privilegiados espectadores levarão para sempre em suas memórias este importante momento de nosso teatro. Em cartaz até 08 de novembro.

Estando numa cabine isolada o espectador sente falta das risadas e das reações do restante do público e segundo os atores, eles também sentem falta de sentir como os espectadores estão reagindo. Este é o único senão dessa noite inesquecível.

Ao final do espetáculo foi um grande prazer me congraçar com a querida Johana Albuquerque, com quase todo o também querido elenco e com os anjos que orientam a entrada e saída do público, além de fazerem a contra regragem do espetáculo.

O robusto programa da peça (27 páginas) é muito bonito e contém dados importantes sobre a Bendita Trupe e sobre a peça. Não foi impresso, mas não resisti e fiz uma impressão caseira para incorporar ao meu acervo de mais de 3000 programas.  

 DEPOIS:

Ao chegar em casa não pude deixar de tomar uma taça de vinho e brindar sozinho à Bendita Trupe e ao teatro.

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTE

VIVA O TEATRO! 

25/10/2020

 

 

 

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