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terça-feira, 29 de junho de 2021

DENISE FRAGA

 

Durante seis anos e meio (1989-1995) Denise Fraga fez o Brasil rir a bandeiras despregadas com as trapalhadas da empregada Olímpia, personagem chave da peça Trair e Coçar É Só Começar de autoria de Marcos Caruso. Com seus dotes para a comédia, ela poderia se acomodar e ter enriquecido criando tipos para algum programa humorístico da televisão.

Mas a inquietude e o talento dessa grande atriz pediam mais e no auge do sucesso como Olímpia se desligou da peça de Caruso para trilhar novos caminhos.

Em 1995, a convite de Juca de Oliveira ela interpretou sob a direção de Fauzi Arap a comédia dramática A Quarta Estação. Eis as palavras da atriz no programa dessa peça: “Já há algum tempo vinha sentindo a necessidade de ir além. Seis anos de Trair e Coçar É Só Começar me trouxeram muito aprendizado, muita gente rindo, rindo muito na plateia. Felicidade sem igual. Mas eu pensava: Preciso lhes contar outras histórias, levá-los a outros lugares, preciso emocioná-los. Fazer rir e fazer chorar. Procurava esta história.... (A Quarta Estação) era tudo o que eu queria. O tipo de história que eu precisava. Além do privilégio de estar ao lado do Juca de Oliveira, os Deuses do teatro me reservaram outro mestre: Fauzi Arap... Agradeço ao Trair e Coçar pelos seis anos e meio de tablado e grandes companheiros. E também agradeço profundamente à minha coragem, minha vontade de voar”.

E como voou bonito essa moça!

Sua presença nos nossos palcos não foi constante, mas sempre marcada por produções importantes e grandes interpretações. Depois de sete anos ausente, ela voltou em Três Versões da Vida em 2003 e em uma participação em Ricardo III em 2006.

A partir de 2008 Denise, junto com seu marido Luiz Villaça, encarrega-se também da produção realizando grandes espetáculos como A Alma Boa de Set Suan (2008), Sem Pensar (2011), Galileu Galilei (2015), A Visita da Velha Senhora (2017) e Eu de Você (2019). Emprestou seu talento e versatilidade não só para grandes personagens do teatro universal como Chen-Te/Chui-Ta, Galileu e Clara Zahanassian, como também para a interpretação de textos contemporâneos.

Cabe lembrar sua emocionante participação em Elas Não Gostam de Apanhar (2012) na qual auxiliava com muito carinho uma debilitada Cleyde Yáconis (1923 – 2013) em sua última aparição em cena. Denise Fraga passa para o público essa imagem de uma pessoa muito simples e carinhosa, haja vista sua presença na plateia do teatro antes do início dos espetáculos recepcionando o público com um sorriso nos lábios e uma simpatia muito espontânea. Nada é artificial em Denise.

Todas essas memórias me vieram à tona após assistir à dilacerante interpretação da atriz no espetáculo virtual Dez Por Dez no qual ela interpreta uma mulher de 50 anos desiludida e desesperançada que vê no suicídio sua única saída. A cena dura apenas dez minutos, mas que são suficientes para Denise demonstrar o vazio e a tragédia que inundam a alma daquela mulher transfigurada pela dor. Trata-se de cena antológica e uma obra prima para fazer parte da história do teatro brasileiro. O texto conciso de Neil Labute revela em dez minutos tudo aquilo que outros autores levaram duas horas para mostrar. 

 


Assistir a esse momento pungente dessa grande atriz é obrigação para quem ama e, principalmente, para quem faz teatro.

Aos 56 anos de idade e com sua brilhante carreira, Denise Fraga está a merecer uma biografia que faça um apanhado de sua vida profissional. 

VIVA DENISE FRAGA!

VIVA O TEATRO!

 

20/06/2021

 

 

domingo, 27 de junho de 2021

DESFAZENDA – ME ENTERREM FORA DESSE LUGAR

 

Eu assisti a Desfazenda duas vezes. Na primeira (sexta feira) os impactos visual e sonoro foram tão fortes e tão hipnóticos que eu cheguei a perder detalhes da trama. Na segunda (sábado) consegui me ater mais à história, mesmo assim com muito esforço para não ficar apenas no deslumbramento daquela sincronicidade de vozes, respirações e gestos do maravilhoso elenco do grupo O Bonde, tão bem dirigido por Roberta Estrela D’Alva e Dani Nega (na parte musical) com seus impressionantes efeitos sonoros, cheios de ritmo e magia.

Filipe Celestino, Ailton Barros, Marina Esteves e Jhonny Salaberg formam o quarteto que conta a história de quatro crianças negras sem nome, conhecidas apenas por um número, que trabalham em uma fazenda capitaneada por um padre que nunca aparece e por um negro mais velho de nome Zero que conduz tiranicamente essas crianças nos mais diversos trabalhos. Há uma guerra no exterior da fazenda e o medo dessa guerra faz com que as crianças tenham receio de fugir. Para não ser desmancha prazer, deixo as descobertas que as crianças fazem para quem assistir à peça. A dramaturgia de Lucas Moura é livremente inspirada no filme Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil de Belisario Franca. Desconheço o filme, mas acredito que o texto ganharia mais força se explicitasse alguns pontos que a meu ver ficam obscuros.

Já assisti a vários espetáculos do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos na forma de teatro hip-hop, mas acredito que nesta direção Roberta Estrela D’Alva conseguiu um rendimento do elenco de O Bonde que é uma das coisas mais lindas a que tenho visto nos últimos tempos, tanto nos solos, como nas cenas corais, tudo embalado pela magnífica trilha de Dani Nega e pelo uso épico dos microfones.

Ao denunciar a escravidão e os maus tratos a que os negros eram submetidos, a peça traz à tona de maneira contundente o preconceito racial que persiste muito forte neste Brasil do século XXI.

Forma e conteúdo exemplares fazem de Desfazenda – Me Enterrem Fora Desse Lugar mais um espetáculo obrigatório deste primeiro semestre de teatro virtual, que nos trouxe trabalhos de alto nível tanto técnico, como artístico. O teatro se renova criativamente e vai voltar enriquecido para os palcos com presença de público. 

DESFAZENDA faz sua última apresentação pelo Itaú Cultural neste domingo, 27, às 19h, mas volta a ser apresentado no Youtube – canal do Grupo O Bonde (youtube.com/OBondee) nos seguintes dias e horários: 

Primeira semana (30/06 a 04/07): Quarta e Quinta às 20h/Sexta a Domingo às 20h e 23h (duas sessões)

Segunda semana (07/07 a 11/07): Quarta às 20h/Quinta a Domingo às 20h e 23h (duas sessões)

Duração total: 70 minutos

Classificação Indicativa: 12 anos

Grátis. 

Mais informações nas redes sociais d’O Bonde:

Facebook.com/coletivoobonde

Instagram @0__bonde

 

27/06/2021

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

MONSTRO

Foto de Alice Jardim

Leo é professor de natação em uma escola infantil e tem intenção de adotar uma criança. Ao conhecer Téo, um menino abandonado que tem uma cicatriz no rosto, ele decide que ali está a criança que quer adotar. Esse mote é suficiente para escancarar vários tipos de preconceitos: por um lado seu marido não aceita que se adote uma criança que não se pareça com eles e que além do mais tem uma cicatriz no rosto e por outro a sociedade repele a atitude de Leo por ele ser gay. Preconceitos de classe e racial tão presentes no dia a dia do brasileiro, que um dia Sérgio Buarque de Holanda chamou de homem cordial!

A saga de Leo é narrada por ele mesmo, ora dirigida ao menino Téo, ora dirigida ao espectador. Além dos percalços com a adoção, Leo enfrenta as reações dos pais das crianças ao saberem que ele conversou com os alunos sobre o que é ser gay; ele é espancado na rua por um bando que soube de suas atitudes na escola e ainda decide se separar do companheiro ao descobrir que possuem valores muito diferentes.

Ricardo Corrêa, autor e intérprete, descreve todas essas situações de maneira dinâmica em enxutos 60 minutos, prendendo a atenção do espectador até o final onde se revela a decisão das autoridades sobre a adoção de Téo. Ricardo transita entre a fria narração e as grandes emoções com muita versatilidade demonstrando seu talento já provado nas últimas produções da Companhia Artera de Teatro (Scavengers, Dadesordemquenãoandasó e Bug Chase-Coração Purpurinado).

Monstro é dirigida com muita criatividade por Davi Reis (companheiro de Ricardo na Artera). O visual da montagem é um espetáculo à parte, altamente beneficiado pela iluminação de Fran Barros e pela programação visual de Alice Jardim. Para cada situação apresentada é escolhida uma posição da câmera, um ângulo do ator e uma luz adequada; recursos cinematográficos enriquecendo cada vez mais o teatro virtual.

MONSTRO é espetáculo mais que necessário nos dias sombrios que estamos vivendo nos quais, em parte por influência do indivíduo que está no governo, afloraram do esgoto valores conservadores e perversos que minam o nosso cotidiano. 

Serviço:
Monstro
Temporada: 24 de junho a 11 de julho. Quinta a domingo, 21h.
Duração: 65 minutos.
Classificação etária: 16 anos.
Gratis | 
www.sympla.com.br/teatrosergiocardoso 

25/06/2021

 


terça-feira, 22 de junho de 2021

VIGA – Mais um que o vento leva...

 

O VIGA ESPAÇO CÊNICO é local muito agradável de frequentar. Desde o acolhimento na sala de espera com o aconchegante bar capitaneado pelos simpáticos Arnolfo e Jorge; passando pelas salas pequenas, mas bem preparadas para receber espetáculos; pelos recantos como o da foto; até o mais importante que é a curadoria, mantendo uma programação diversificada e de alto nível.”


                Escrevi esse texto em 2017, bons tempos em que o Viga estava em plena atividade.

Após mais de um ano fechado por conta da pandemia, hoje fiquei sabendo que o espaço vai fechar definitivamente, não devido à Covid, mas será demolido para fazer parte de mais um desses empreendimentos imobiliários que assolam nossa cidade. Muito triste.

        Assisti a excelentes espetáculos no Viga. A primeira vez que fui ao simpático espaço da Rua Capote Valente foi em 2004 para assistir a Terrorismo, dirigido por Cristina Cavalcanti. Depois disso voltei ao Viga por mais de 60 vezes entre 2004 e 2019, assistindo espetáculos na sala Viga, na sala Piscina e na sala Espelho (espaço central onde Kleber Montanheiro criou cenário taverna para uma peça e que acabou fazendo parte do local). A última vez que lá estive foi em 2019 com o espetáculo Feminino Abjeto 2, dirigido por Janaína Leite.

        Teatro é um espaço sagrado e nesse espaço fica encravado tudo o que foi ali apresentado.

Alguém acha que as personagens e as ações de Camaradagem, Mão na Luva, Strindbergman, Dançando em Lúnassa, Dias de Vinhos e Rosas, Cais ou Da Indiferença das Embarcações, O Tambor e o Anjo, Esperando Godot, Race, Fuente Ovejuna, De Volta a Reims, Conto de Inverno e de tantos outros memoráveis espetáculos serão soterrados junto com a demolição do Viga?

Claro que não! Eles estarão presentes para sempre na memória dos espectadores e serão a herança do novo Viga Espaço Cênico que com certeza o incansável Arnolfo irá criar em outro local. 

22/06/2021

 

segunda-feira, 21 de junho de 2021

DO OUTRO LADO DO MAR

 

        Final do último domingo de outono, dentro de algumas horas ocorreria o solstício de inverno; tratava-se também da última oportunidade de assistir ao espetáculo baiano Do Outro Lado do Mar. De conhecido para mim, apenas Marcio Meirelles, criador do Bando de Teatro Olodum e diretor de Embarque Imediato, apresentado nos palcos paulistanos em fevereiro de 2020, pouco antes da pandemia tomar conta das nossas vidas. De resto, tudo era novidade: autoria, elenco e outros nomes da ficha técnica.

        Jorgelina Cerritos é uma dramaturga de El Salvador e acredito que sua peça seja a primeira daquele país a ser apresentada no Brasil, graças à iniciativa de Meirelles e do ator Edu Coutinho que também traduziu o texto e integra o elenco junto com Andréa Elia.

A história muito simples de um pescador que não possui nenhum documento e vai a uma repartição para solicitá-lo é contada de forma poética pela autora, trazendo à tona questões humanas muito importantes como solidão, solidariedade e identidade. Durante seis dias o jovem Pescador do Mar conversa com Dorotéia, a intransigente funcionária pública que lhe nega o documento e desse embate surgem muitas situações comuns nas relações humanas. Ao ser negada a sua certidão de nascimento “por falta de provas”, o jovem retruca algo como: “há prova maior da minha existência do que a minha presença?”. Assistindo à peça lembrei-me da famosa frase de Shakespeare dita por Julieta em Romeu e Julieta: Aquela a quem chamamos rosa teria outro perfume se não se chamasse rosa?" e eu acrescentaria: e se nem nome tivesse?

A bela encenação de Meirelles exibe filmes de praias, mares, nuvens e outras imagens que são sobrepostas pela atuação ao vivo do elenco, cada qual em sua casa. Esse recurso visual, pouco usado no teatro virtual, causa, a princípio, sensação estranha de artificialismo, mas à medida que o espetáculo avança, ele se torna o toque de deslumbramento do mesmo.

Andréa Elia e Edu Coutinho são excelentes intérpretes, dando vida com muita paixão às personagens de Dorotéia e do Pescador do Mar, e como é bom tomar conhecimento de artistas tão talentosos fora do eixo Rio-São Paulo.  




A peça é uma daquelas boas surpresas que inundam a nossa alma de poesia, alimentando-a e nos fazendo esquecer por alguns momentos a tristeza de uma realidade que contabiliza meio milhão de mortos por conta de um governo genocida.

E que venha o inverno, pois a alma já está aquecida por este belo e poético espetáculo vindo da Bahia. 

21/06/2021

 

sábado, 19 de junho de 2021

THE ART OF FACING FEAR – Versão WORLD UNITED

        Em julho de 2020 eu intitulei a matéria que escrevi sobre A Arte de Encarar o Medo (primeira incursão d’Os Satyros no teatro digital) de “Quem tem medo do Sympla e do Zoom?”. Menos de um ano depois passou o medo de acessar esses endereços, mas o medo dessa pandemia e do nosso futuro continuam mais presentes do que nunca.

        Nesse curto período de tempo o grupo liderado pelos incansáveis Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral foi o que mais investiu no teatro digital e nos ofereceu vários espetáculos muito bem realizados que culminou com o belo e instigante Uma Peça Para Salvar o Mundo que provocava uma sensação coletiva de esperança e respirava humanidade.

        Depois das versões afro-europeia e norte-americana, chegou a vez de uma A Arte de Encarar o Medo internacional. A montagem segundo o diretor García Vázquez: “mantém seu mote original, mas será renovada em função das múltiplas nacionalidades do elenco e também da passagem do tempo entre a primeira estreia e os dias de hoje”.

        O depoimento emocionado de Ivam Cabral na abertura do espetáculo ressaltou a importância do teatro digital nestes tristes tempos pandêmicos que parece que estão longe de acabar e comentou detalhes da realização desta versão internacional.

        Após a fala de Ivam, a ficha técnica é apresentada sobre imagens de cidades vazias e a seguir 27 atrizes e atores dos mais diversos países do planeta encarregam-se de forma apaixonada de dar vida ao texto elaborado por Ivam e Rodolfo falando ora em sua língua nativa e ora em inglês.

        A tônica é o medo que toma conta da humanidade nestes tempos sombrios, mas sempre há esperança e uma luz no fim do túnel e estes sentimentos são embalados, nada mais nada menos, do que pela marchinha de carnaval As Águas Vão Rolar cantarolada pela intérprete alemã e depois tocada ao acordeom pela atriz inglesa em um dos momentos mais tocantes do espetáculo. Trechos de Saudação à Primavera de Cecília Meirelles e a canção What a Wonderful World encerram com otimismo esse tocante espetáculo estampando o sorriso de uma menina brasileira integrante do elenco.




The Art of Facing Fear enfatiza a tão necessária união entre os povos, afinal, como diz o elenco: EU SOU PORQUE NÓS SOMOS.

NÃO DEIXE DE ASSISTIR! 

ESTREIA: dia 19 de junho (sab), às 15h e 23h (horário de Brasília)

TEMPORADA GRATUITA

 

APRESENTAÇÕES E HORÁRIOS (horário de Brasilia): 

18/06 (6ªf) às 21h30

19/06 (sab) às 15h e 23h

20/06 (dom) às 8h 

26/06 (sab) às 15h e 23h

27/06 (dom) às 8h

03/07 (sab) às 15h e 23h

04/07 (dom) às 8h

RETIRADA DE INGRESSOS: a partir de 1º de junho em https://www.theredcurtaininternational.org/

DURAÇÃO: 60 min / CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 16 anos / GÊNERO: drama / TEMPORADA: até 04 de julho

        19/06/2021

 

         

       

 

 

quarta-feira, 16 de junho de 2021

DERROTA

 

Foto: Claudio Etges

Com apenas 22 anos Dimitris Dimiátridis (1944) escreveu O Preço da Revolta no Mercado Negro em 1966, tratando do assassinato de um político grego durante a ditadura naquele país. Cinco anos depois a peça chegou ao Brasil dirigida por Celso Nunes em uma montagem não profissional com os alunos da EAD. O conteúdo político denunciando os desmandos de um regime tirânico também está presente em Morro Como Um País, escrita em 1978 e montada em São Paulo em 2013 com direção de Fernando Kinas. Ao que se sabe, essas foram as únicas peças do dramaturgo grego apresentadas nos palcos paulistanos.

Por iniciativa dos grupos gaúchos Projeto Gompa e Cia. Incomode-Te nos chega por via virtual a peça Derrota escrita no início dos anos 2000. Nesta peça o autor deixa de lado a questão política para focar o desalento de uma mulher cansada de viver e que se prepara para seu sono eterno, tendo nesse sentido muitos pontos em comum com Psicose 4:48 escrita por Sarah Kane em 1999.

Em pouco mais de 30 minutos essa mulher dirige-se à câmera e, portanto, ao espectador, tentando explicar de forma quase didática como a vida a fez chegar nesse momento ao mesmo tempo tenso e de plenitude, onde seu único desejo é dormir profundamente até atingir o “coração do sono”. Ela está em seu quarto e fuma compulsivamente enquanto faz o seu relato.

Na matéria que escrevi sobre Palácio do Fim, outra excelente montagem da Cia. Incomode-te apresentada virtualmente em maio passado, eu comentava sobre a grata surpresa de tomar conhecimento do impressionante trabalho de Liane Venturella onde ela, também em um monólogo, fazia uma interpretação visceral de uma mulher muçulmana, torturada junto com seus familiares, durante a guerra do Iraque.

Da mesma maneira em Derrota, a atriz está defronte a câmera e em um plano único faz o seu tocante relato do modo mais naturalista possível que se chega a crer que ela está conversando diretamente com o espectador. A aparente frieza do depoimento impede propositalmente qualquer reação emotiva do público.

Fotografado em colorido muito suave o espetáculo tem direção enxuta de Camila Bauer que focaliza toda sua atenção no brilhante trabalho da atriz.

 

DERROTA:

QUANDO: 18, 19, 25 e 26/06, sextas-feiras e sábados, às 20h e 22h e 29/06, terça-feira, às 23h59min. 

QUANTO: R$ 11,75 (R$ 10,00 + R$ 1,75 em taxas)

INGRESSOS: www.entreatosdivulga.com.br/derrota 

 

15/06/2021

domingo, 6 de junho de 2021

23 DE SETEMBRO – O DOM DE SURPREENDER

O equinócio da primavera no hemisfério sul acontece no dia 23 de setembro e Maria Elena dança no cemitério para celebrar a chegada da estação das flores. Esse fato é o dado inicial desta instigante obra de Diego Fortes, mais conhecido por suas direções de O Grande Sucesso e Molière.

Apoiando-se em recursos muito originais que vão desde cartas, passando por receita de pisco sour, notícias de jornal e indo até uma bula de Dipirona, Fortes constrói verdadeiro caleidoscópio de situações para narrar a saga de Maria Elena, uma chilena filha de Pepe Marciano (um pescador constantemente bêbado) que presencia o desaparecimento do irmão e é uma possível testemunha do assassinato de Pablo Neruda, tudo isso ao som das canções de Violeta Parra. Parece estranho e absurdo? É realmente estranho e absurdo, mas como um caleidoscópio onde as cores vão se encaixando para resultar em uma harmonia colorida, as peças de Fortes também se encaixam dando um painel surpreendente não só do golpe de 1973 no Chile, mas de toda a Latino América. O dito teatro pós dramático é rico em narrativas fragmentadas que em geral resultam num todo confuso e desagradável, coisa que absolutamente não acontece na montagem de Marco Bravo, que também interpreta Maria Elena e várias outras personagens, além de narrar/comentar/criticar a trama dando margem a um bem vindo distanciamento para dar tempo de o espectador refletir sobre o que acontece na cena.

Maria Elena chora a morte do irmão em dois oceanos. Essa bela imagem para dizer que a personagem mudou do Chile (Pacífico) para o Brasil (Atlântico) é uma das pérolas do mais que surpreendente texto de Diego Fortes que recebeu direção e interpretação à altura de Marco Bravo.

A montagem, simples só na aparência, conta com a iluminação de Cesar Pivetti e as projeções de Rafael Drodro que têm a grande qualidade de comentar a ação, além do sugestivo figurino de Karen Brussttolin. Direção musical de Dugg Mont. Leitura em off de trechos de Señorita Ana y los Gatos por Giselle Itiê

Pela maneira extremamente criativa de contar a história, essa montagem reveste-se da maior importância e desde já pode ser incluída entre as melhores obras realizadas pelo teatro virtual neste primeiro semestre de 2021.

A peça foi gravada no Espaço Cultural Bricabraque e a apreciação da mesma em um palco de verdade vai ser uma das coisas que mais irei aguardar quando pudermos voltar para as ruas e para os nossos tão amados teatros. 

23 DE SETEMBRO terá transmissão gratuita e online pelo Sympla apenas nos dias 19 e 20 de junho, em duas sessões às 20h e 22h.

Coloque na agenda em vermelho!! É IMPERDÍVEL!! 

06/06/2021, triste dia da morte de Camilla Amado.


sexta-feira, 4 de junho de 2021

O DESPERTAR

 

Foto de Rodrigo Veneziano

É admirável e extremamente importante o resgate que Neyde Veneziano faz do teatro de revista brasileiro e da obra dos italianos Dario Fo e Franca Rame. Por meio de suas publicações e/ou encenações vamos conhecendo melhor duas vertentes tão importantes do teatro tanto brasileiro quanto internacional.

Após Mistero Buffo (2015) e Francesco (2019), Veneziano volta a visitar a dupla italiana com O Despertar na deliciosa interpretação de Carla Candiotto.

O Despertar é um dos 25 monólogos da antologia feminina criados por Fo e Rame, onde se critica a condição da mulher italiana nos anos 1970. Alguns desses monólogos fizeram parte dos memoráveis Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico (1984) com Denise Stocklos e Brincando Em Cima Daquilo (1985) com Marília Pêra.

 Agora chegou a vez da dupla Veneziano-Candiotto mostrar que a emancipação feminina ainda está longe de acontecer neste Brasil tão desigual, principalmente, quando além de ser mulher, ela é pobre. É de manhã e ela está preparando o nenê para levá-lo à creche para depois ir para a loja onde trabalha e é assediada pelo patrão. Nada dá certo: o nenê faz xixi, depois faz cocô, acabou a água, não acha a chave e relembra que o marido a maltrata. Tudo acontece numa interessante chave farsesca muito bem dominada por Carla Candiotto que faz o espectador rir da situação, mas também refletir sobre a mesma.

O cenário de Fábio Namatame é composto de um telão no melhor estilo circense, o nenê é um boneco barato pelado. Um único plano de luz e uma única câmera somam-se à simplicidade da montagem. Simplicidade que em nenhum momento significa defeito. Por um lado, foram as condições possíveis de realizar o trabalho, mas por outro essa simplicidade é bastante compatível com o espírito da peça.

Antes da peça, há uma interessantíssima e curta (cerca de cinco minutos) preleção de Neyde Veneziano sobre Dario Fo e Franca Rame e ao final é uma delícia ver a equipe desmanchando a cena e deixando o palco nu. 

Encenada e gravada no palco do Teatro Giostri, a peça será transmitida nos dias 11, 12, 13, 18, 19 e 20 de junho, sempre às 20h pelo canal da Veneziano Produções no YouTube. Ingressos gratuitos. 

04/06/2021

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

DE BAR EM BAR de ROGÉRIO CORRÊA

 

Uma das vantagens do teatro virtual ora praticado no Brasil devido ao isolamento social é a possibilidade de assistirmos a espetáculos de vários estados. Nesse período tive oportunidade de assistir a espetáculos, entre outros, do Rio Grande do Sul, do Espírito Santo, do Rio Grande do Norte, da Bahia e do Rio de Janeiro e de tomar conhecimento de atrizes, atores, diretores e dramaturgos de grande talento.

No início de maio assisti a Entre Homens, montagem carioca composta de duas peças curtas do dramaturgo Rogério Corrêa (que eu não conhecia) dirigidas por Cesar Augusto. Fiquei muito impressionado com a agilidade dos diálogos de Conectados, peça que trata da comunicação virtual entre gays e com a densidade dramática de Por Amor no qual um pai checheno (grande interpretação de Isaac Bernat) tem que optar entre entregar o filho gay para os campos de concentração para homossexuais onde ele será violentamente torturado e assassinado ou ele mesmo matar o filho, evitando assim a tortura antes da morte.

O autor Rogério Corrêa

Muito gentilmente o autor me enviou o link da apresentação de sua peça De Bar em Bar, dirigida por Isaac Bernat, que foi veiculada virtualmente em março deste ano.

Em 1960 o brasileiro elegeu um louco (Jânio Quadros) e deu no que deu. Ficou 30 anos sem votar para presidente e quando o fez em 1990, elegeu outro louco (Fernando Collor) e mais uma vez, deu no que deu! A irresponsabilidade chegou ao auge depois de outros 30 anos quando em 2018 elegeu o genocida (Inominável). Três das quatro personagens da peça de Corrêa muito provavelmente pertencem a esse grupo que elegeu esses paranoicos.

De Bar em Bar acontece no dia 23 de junho de 1996, dia em que PC Farias foi assassinado junto com a namorada, mas abrange um longo período que vai desde 1983 (Diretas já) e o fim da ditadura militar em 1985, passando pela famigerada era Collor.

São quatro monólogos que se entrelaçam: um garoto de programa que atua em saunas, uma dona de casa de classe média, um empresário de direita que foi casado com uma mulher de esquerda e uma cantora de axé que garante que transou com o presidente.

Em decorrência do isolamento, cada intérprete representa em seu espaço, mas a harmonia do todo é garantida pela segura direção de Isaac Bernat que concentra sua atenção no trabalho do elenco e na perfeita integração das cenas, neste caso, com a preciosa colaboração de Thiago Sacramento na direção de imagens.

Léo Wainer representa com propriedade o empresário; Thadeu Matos exibe seu físico e seu talento como o michê de sauna; Letícia Isnard exibe toda sua versatilidade como a impagável cantora de axé com sotaque nordestino que garante que “os punheteiros do Brasil a receberam de braços abertos e com a mão direita fechada” quando ela pousou nua para a Playboy e, finalmente, a excelente Angela Rebello que é responsável pela patética dona de casa que votou no Collor, mas que se arrepende até o último fio de cabelo, pois a retenção da poupança lhe rendeu o AVC do marido e a perda das economias provenientes da venda de dois imóveis. De uma maneira ou de outra todas as personagens da peça, talvez com exceção do michê, estão preocupadas com o seu umbigo, pouco se importando com os destinos do país e esse individualismo está cada vez mais presente no povo brasileiro.

O link que recebi inclui um lúcido e esclarecedor bate papo do autor com o ótimo Guilherme Terreri (Rita von Hunty). 

A peça não está disponível no momento, mas preste muita atenção em um eventual retorno, porque ela é ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL.

02/06/2021

 

 

terça-feira, 1 de junho de 2021

(IN)CONFESSÁVEIS 2


“A verdade, onde está a verdade?”, eis uma questão recorrente na obra de Luigi Pirandello (1867-1936).

Quantas caras pode ter a verdade? E qual delas é a verdadeira??!!

Essa questão já foi tema de muitos trabalhos teatrais como aquele mais recente desenvolvido pela Cia. Hiato, dirigida por Leonardo Moreira.       

Esse intricado jogo é a proposta de Marcelo Varzea com o espetáculo (In)Confessáveis 2, que segue basicamente o mesmo esquema do número 1 realizado em 2020.

Em oficinas realizadas por Varzea os jovens atores e atrizes participantes descrevem para seus parceiros experiências reais vividas ou fictícias e cada elemento se apropria de um ou mais desses relatos que podem ser:

- Algo verdadeiro vivido por ele próprio.

- Algo verdadeiro vivido por outra pessoa do grupo.

- Algo fictício.

Os textos passam pelo crivo de Varzea que também dirige as cenas, tendo três assistentes de direção (Brenda Nadler, Talita Tilieri e Vinícius Hideki). As cenas duram cerca de cinco minutos e têm dramaturgia com precisão cirúrgica, algo fundamental para o seu tempo de duração.

O elenco é separado (virtualmente) em três salas, cada uma com 12 componentes. Tudo pronto para iniciar o espetáculo! 

Do seu lado, o espectador escolhe a sala que vai acompanhar devendo ao final de cada cena votar se acredita que o relato é falso ou verdadeiro. A/O intérprete que tiver maior votação “verdadeiro” é o “vencedor” daquela sala. A situação se repete com os “vencedores” das três salas e daí sai o/a “vencedor/a” da noite. É um suposto jogo da verdade de brincadeira, bastante lúdico, mas que traz à tona situações bastante interessantes, ora engraçadas, ora bastante dramáticas. Na realidade, o que menos importa é saber se o relato é falso ou verdadeiro. 

É extremamente estimulante participar desse jogo onde jovens talentosos expõem com muito rigor situações que podem ou não serem próprias e que podem ou não serem verdadeiras. Afinal: onde está a verdade? 

NÃO DEIXE DE VER!

SERVIÇO 

(IN)CONFESSÁVEIS 2 – NOVOS ARTISTAS, NOVAS HISTÓRIAS  

Dias 01, 02, 08 e 09/06.

Terças e Quartas, às 21h.

Ingressos disponíveis no portal Sympla: www.sympla.com.br

Valor: a partir de R$20,00 

Apresentações pela plataforma Zoom

         01/06/2021