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domingo, 28 de novembro de 2021

HUMILHADOS E OFENDIDOS

 

INTRODUÇÃO 

Não há como não lembrar do romance de Dostoievski ao chegar no Teatro Cemitério de Automóveis. É muito triste testemunhar a agonia final do espaço com as portas semicerradas, o bar, antes cheio de vida e de cerveja, agora fechado e as instalações literalmente caindo aos pedaços, por descaso do síndico e de alguns moradores do prédio. Fui carinhosamente recebido pelo Lucas Mayor que me relatou parte das humilhações sofridas por Mário Bortolotto e o grupo.

Em qualquer país onde a cultura tem importância, Bortolotto seria personagem cultuada por sua importância como autor, ator e incansável batalhador pelos direitos humanos, tema sempre presente em suas obras. Não é por certa marginalidade à sociedade proposta pelo autor tanto em sua obra como em sua vida que ele deveria ser tratado assim.

Dessa maneira aquele espaço que durante mais de dez anos abrigou o grupo Cemitério de Automóveis fecha suas portas para dar lugar a mais um mercadinho. Teatro, música e outras obras de arte trocadas por pimentões, bananas, mandiopans e muita Coca Cola.

O espetáculo que fecha esse ciclo do Cemitério de Automóveis sugestivamente tem a humilhação como tema. 

HUMILHAÇÃO – O ESPETÁCULO 

Este espetáculo segue o mesmo esquema de Corpo, também dirigido por Lucas Mayor e Marcos Gomes no início de 2020.  São cenas curtas com dois atores tratando de um mesmo tema, neste caso a humilhação, a partir de um ensaio do norte americano Wayne Koestenbaum.

Aqui se comprova na plenitude a característica que só o teatro tem: basta um ator, um espectador e uma boa história e a magia se realiza. Não há um adereço em cena! Recursos básicos de iluminação e uma trilha sonora discreta complementam a atuação das atrizes e atores que compõem o homogêneo e talentoso elenco.

Lucas Mayor é o autor da primeira cena onde um pai é linchado virtualmente por ter deixado a filha Manu sozinha em um parque enquanto tomava um café. Texto sutil que vai se construindo aos poucos nas interpretações de Vanessa Bruno (a mãe) e Ernani Sanchez (o pai).

Na segunda cena, escrita por Carla Kinzo, uma tímida mulher (Maura Hayas) se candidata a um emprego onde é submetida a um vexatório procedimento pela contratante (Daniela Schitini).

A curta terceira cena é de Claudia Barral e mostra um escritor (Walmir Pavam) que tem o lançamento de seu livro dependente de seu ex-caso (Pablo Perosa) que o humilha e o abandona.

A quarta e última cena é assinada por Marcos Gomes que também atua ao lado de Andrea Tedesco. A cena é impactante é mostra todo o processo de humilhação e vergonha sofrido pelo grupo com a destruição do espaço Cemitério de Automóveis maquiavelicamente programada pelo síndico do prédio. Vazamentos de água, de urina e de detritos fecais estão sendo uma constante na vida do grupo, com danificação de equipamentos, infiltrações e a triste sensação de que “estão cagando nas nossas cabeças”.

Há uma fala memorável de Andrea durante a cena onde ela diz mais ou menos o seguinte: “Tanta humilhação serviu, pelo menos, para que fizemos esta peça”.

Será que um dia este país vai deixar de ser subdesenvolvido?

Humilhação é um espetáculo potente e urgente. De uma maneira (especulação imobiliária) ou de outra (quase um despejo de um inquilino indesejado) nossa cidade vai perdendo seus espaços culturais como aconteceu recentemente com o Viga Espaço Cênico e agora com o Cemitério de Automóveis.

A torcida é que, qual Fênix, eles renasçam em outro lugar.

E VIVA O MÁRIO BORTOLOTTO!! 

29/11/2021

  

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