Meu primeiro contato com Beckett foi
em 1969, com Esperando Godot dirigido por Flávio Rangel e tendo Cacilda
Becker naquele que seria seu último papel de uma carreira tragicamente
interrompida no intervalo de uma das apresentações da peça.
A partir daí muitos Estragons,
Wladimirs, Pozzos, Luckys, Winnies, Krapps, Clovs, Hamms, assim como aquelas
personagens das peças curtas, passaram pelos meus olhos de espectador sempre me
assombrando e me fazendo lembrar dos absurdos a que o ser humano está sujeito.
Agora foi a vez de Play Beckett
numa realização de Simone de Lucia e Mika Lins, tendo a primeira como atriz e a
segunda como diretora.
Diga-se em primeiro lugar que o
espetáculo de Mika Lins é esteticamente belíssimo: o cenário de Giorgia
Massetani reproduzindo o ambiente do universo caótico contido nas obras do
dramaturgo irlandês, incluindo os icônicos chapéu coco e par de botas e a
iluminação esplendorosa de Caetano Vilela que participa ativamente da ação são
dois elementos da encenação que vão entrar para qualquer antologia que trate
desses dois importantes componentes de uma representação teatral.
No caso de Play, cabe louvar o
precioso e preciso trabalho do operador de luz Guilherme Soares que, atento às
falas e aos silêncios, deve fazer verdadeiro malabarismo para acender e apagar
spots no momento certo. Só vendo!!
A pantomima Ato Sem Palavra II
e as peças curtas Play, Catástrofe e Improviso de Ohio já
foram encenadas nos palcos paulistanos por importantes diretores como Rubens
Rusche, Irmãos Guimarães e até Peter Brook e estão entre aquelas mais
representadas nas inúmeras montagens que se valem sempre de três ou quatro
desses dramatículos, mas Mika Lins soube inovar criativamente em cada uma delas
dando a impressão que as estamos vendo pela primeira vez.
O horror e o absurdo perante a solidão
e a incomunicabilidade no mundo moderno, tão presentes na obra de Beckett, aqui
comparecem, principalmente, em Ato Sem Palavras II, Improviso de Ohio e Play,
sendo que nesta última há também espaço para uma réstea do humor beckettiano.
Há até um toque político na presença do diretor tirânico em Catástrofe.
Marcos Suchara confirma seu enorme
talento em todas as suas intervenções e Simone de Lucia e Diego Machado são
duas ótimas surpresas.
Questão de gosto, mas a cena do
espetáculo que para mim, melhor representa tudo o que Beckett quis dizer com
sua vasta obra é Ato Sem Palavras II que tem as brilhantes performances
de Suchara e Machado. Fosse eu o diretor seria ela que encerraria a montagem.
As peças são apresentadas por uma voz
em off transmitida por megafone lindamente instalado no canto superior direito
do palco enquanto se ouve a potente trilha sonora original de Edson Secco.
Como se pode notar, trata-se de
montagem realizada com os maiores cuidados de produção e o resultado é de importância
e beleza ímpares.
Não se assuste com Samuel Beckett!
CORRA para assistir a essa que se inscreve como uma das melhores e mais belas leituras
do universo desse importante dramaturgo.
Louve-se também o belíssimo e
informativo programa impresso que pode se transformar em um pôster com uma
ilustração de Cris Vector que deixaria Beckett muito feliz.
PLAY BECKETT está em cartaz no Teatro Aliança Francesa até 26 de junho com sessões às quintas, sexta e sábados às 20h e aos domingos às 18h.
14/05/2022
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