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sexta-feira, 29 de julho de 2022

BATA ANTES DE ENTRAR

 

Foto de Ronaldo Gutierrez

São inúmeros os exemplos de peças dentro da dramaturgia contemporânea que têm em sua trama familiares ou amigos que se juntam por algum motivo em um encontro que começa suavemente, mas, aos poucos, verdades e traumas antigos vão se revelando e a reunião se torna uma verdadeira lavagem de roupa suja com revelações surpreendentes por parte de todos os presentes e geração de muitos conflitos.

Closer (Patrick Marber), Jantar Entre Amigos (Donald Margulies), Agosto (Tracy Letts), Deus da Carnificina (Yasmina Reza), Qual o Nome do Bebê? (Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière) são alguns títulos que têm esse enredo, todos eles tendo como matriz Quem Tem Medo de Virginia Woolf de Edward Albee, escrita em 1962.

No cinema, um bom exemplo é Parente É Serpente de Mario Monicelli.

Eis que no cenário paulistano surgem, quase simultaneamente, duas peças de autores brasileiros tratando do tema por caminhos diametralmente opostos: enquanto Dan Rosseto explora o humor mais explícito com Feliz Dias Mães, Paola Prestes envereda por caminhos mais sofisticados com seu Bata Antes de Entrar.

A ação se passa no apartamento de Tereza, um dia após o seu pai se suicidar. Em uma longa cena inicial ela conversa com a filha Beatriz sobre os relacionamentos de ambas. Tomam vinho e Tereza prepara sanduiches. A chegada do ex-marido Jaime, que está prestes a se casar novamente, desencadeia todos os conflitos. Mais tarde o filho caçula Kiko chega e novas verdades vêm à tona até o final relativamente feliz e conciliador onde Tereza sonha em ir para Veneza.

A encenação de Eduardo Tolentino de Araújo recria no novo Espaço LAB do Teatro Aliança Francesa, a sala e a cozinha do apartamento de Tereza e a proximidade do público com a cena faz com que o mesmo se sinta testemunha do que está acontecendo; as interpretações naturalistas do elenco colaboram para que essa fusão aconteça.

Victor Hugo Sorrentino tem uma pequena, mas correta participação como Kiko e Karen Coelho interpreta Beatriz, chamando a atenção mesmo quando, sem estar falando, reage às discussões de seus pais.

Norival Rizzo está muito à vontade como Jaime e Clara Carvalho tem mais um grande momento de sua brilhante carreira como Tereza.

Se a trama da peça de Paola Prestes não traz novidades, por outro lado vale ressaltar a riqueza e a agilidade de seus diálogos, fato ainda mais surpreendente quando se sabe que é sua primeira incursão em um texto teatral.

Bom texto contado criativamente por um excelente elenco: marca registrada das encenações de Tolentino. Está instaurada a magia do teatro.

BATA ANTES DE ENTRAR está em cartaz no Espaço LAB do Teatro Aliança Francesa até 28/08/2022 de quinta a sábado às 20h30 e domingos ás 18h30.

FELIZ DIA DAS MÃES está em cartaz no Teatro Morumbi Shopping às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h até 28/08/2022 

29/07/2022

 

quinta-feira, 28 de julho de 2022

INDICAÇÕES DO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2022 - PRÊMIO APCA – TEATRO

 

ATOR:

- ODILON WAGNER – A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD

- PAULO MARCELLO – O FAZEDOR DE TEATRO

- ROGERIO BRITO – UM INIMIGO DO POVO

ATRIZ:

- ANA LUCIA TORRE – LONGA JORNADA NOITE ADENTRO

- ANDREZZA MASSEI – SWEENEY TODD – O CRUEL BARBEIRO DA RUA FLEET

- SARA ANTUNES – ANJO DE PEDRA

DIREÇÃO

- KLEBER MONTANHEIRO – TATUAGEM

- MIGUEL ROCHA – CÁRCERE ou PORQUE AS MULHERES VIRAM BÚFALOS

- MIKA LINS – PLAY BECKETT

DRAMATURGIA

- CLARICE NISKIER – A ESPERANÇA NA CAIXA DE CHICLETES PING PONG

- DIONE CARLOS – CÁRCERE ou PORQUE AS MULHERES VIRAM BÚFALOS

- MARIA CLARA MATTOS - LYGIA

ESPETÁCULO

- BRENDA LEE E O PALÁCIO DAS PRINCESAS

- JACKSONS DO PANDEIRO

- SEM PALAVRAS




Críticos votantes: Celso Curi, Edgar Olimpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Ferdinando Martins, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, , Marcio Aquiles, Miguel Arcanjo Prado e Vinicio Angelici.

 

27/07/2022

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

MACACOS

 

Se o impacto foi grande ao assistir a Macacos virtualmente em agosto do ano passado na Mostra de Teatro de Heliópolis, o mesmo ampliou-se sobremaneira neste julho de 2022 ao ver o espetáculo presencialmente.

Tenho sempre um prazer enorme em testemunhar o trabalho de jovens artistas. Com apenas 33 anos, Clayton Nascimento revela surpreendente maturidade ao escrever, dirigir e interpretar um espetáculo que beira a perfeição.

Inspirado no fato do jogador Aranha que foi xingado de macaco pela torcida gaúcha em 2014 e partindo do caso de Eduardo, filho de Dona Terezinha, mais um menino negro assassinado nas barrancas da periferia, passando pela morte de Bessie Smith que não pode ser atendida em um hospital de brancos após sofrer um acidente, Clayton vai do micro ao macro fazendo precioso levantamento histórico sobre as causas e os resultados da escravidão no Brasil.

Vestindo apenas uma bermuda confeccionada, segundo ele, com o mesmo tecido do século XVI usado pelas realezas africanas e sangrando seu corpo com marcas de batom o ator vai contando de maneira visceral a saga da raça negra no país. Clayton o faz em tom de forte denúncia, sem, porém, agredir o público presente na plateia, como costuma acontecer em alguns espetáculos realizados por movimentos negros. E essa mensagem antirracista atinge em cheio a todos, fazendo cada um refletir sobre o quanto é racista, mesmo que de forma inconsciente.

A mescla em dosagem certa de fatos históricos com fatos atuais ou imaginados é uma das preciosidades da dramaturgia que começou a ser escrita em 2015 a partir de profunda pesquisa realizada pelo autor. Como encenador, Clayton teve o cuidado de contar com as importantes colaborações de Ailton Graça como provocador cênico e de Aninha Maria Miranda que assina a criativa direção de movimento. E finalmente, como ator, Clayton Nascimento nos oferece um dos trabalhos mais ricos e pungentes vistos nos palcos paulistanos nos últimos tempos.

Macacos é uma criação da Cia do Sal, fundada por Clayton, que assim também mostra seu lado de produtor.

A montagem saiu consagrada do último Festival Teatro do Kaos (Cubatão), tendo recebido os prêmios de melhor espetáculo e de melhor ator pela comissão julgadora (da qual fiz parte) e de melhor espetáculo pelo júri popular.

Se para alguns parecer exagero todos os elogios que compõem esta matéria, sugiro fortemente que vão conferir o espetáculo em cartaz, gratuitamente, de quinta a sábado às 20h e domingo às 19h no Centro Cultural São Paulo, só até 31/07/2022.

Na sessão da próxima sexta feira, 29, será lançado o livro com a dramaturgia da peça. 

25/07/2022

 

 

 

 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

LONGA JORNADA NOITE ADENTRO

 

Sabe-se que Longa Jornada Noite Adentro é uma peça autobiográfica e que o autor, o dramaturgo norte americano Eugene O’Neill (1888-1953), é nela retratado por meio do personagem Edmund, o filho caçula dos Tyrone; por isso é muito significativa e interessante a ideia do diretor Sergio Módena de abrir o espetáculo com Edmund lendo a mensagem que O’Neill escreveu para sua esposa Carlota, dedicando a peça a ela no dia em que comemoraram o décimo segundo aniversário de casamento. Em seguida o ator retira lentamente o véu que cobre o cenário para desvendar para o público o o doloroso passado da família Tyrone. Emocionante demais.

Por ser tão linda e esclarecedora, reproduzo aqui a dedicatória: “Carlota, minha querida, entrego-lhe os originais desta obra de velho sofrimento, escrita com lágrimas e sangue. Dom este que parece tristemente inadequado num dia em que só se deveria comemorar a felicidade. Mas você compreenderá. Quero que seja ele uma homenagem ao seu amor e à sua ternura, que me restituíram a fé no amor, o que permitiu finalmente afrontar os meus mortos e escrever este drama...escrevê-lo com profunda piedade, compreensão e perdão para os quatro angustiados Tyrone

Quem assistir a esse gigante da dramaturgia mundial nessa leitura cênica apaixonada de Sergio Módena compreenderá cada palavra dessa dedicatória.

Não há deslizes nem arestas na encenação.

Em primeiro lugar cumpre notar o excelente aproveitamento do espaço cênico do Tucarena (talvez o melhor até hoje), os atores deslocam-se para todos os lados e realizam várias falas de perfil, contemplando o ouvir e o ver de todo o público. Para tanto contribui o belo cenário de André Cortez. A iluminação de Aline Santini é de uma beleza ímpar, reforçando a emoção de cada cena. Some-se a isso os figurinos bonitos e discretos assinados por Fabio Namatame.

O original de O’Neill tem quatro atos que vão desde a manhã até a meia noite de um mesmo dia. A encenação de Módena é corrida, sem intervalos, e não deixa clara a passagem do tempo.

Um elenco harmonioso e mais que talentoso desloca-se nesse ambiente para contar o que ocorre nesse dia da trágica família Tyrone.

Em pequena, mas significativa intervenção, Mariana Rosa interpreta Cathleen, a empregada da família.

Gustavo Wabner tem estilo e presença como o filho mais velho Jamie.

Uma excelente surpresa é Bruno Sigrist que amplia a importância de seu personagem Edmund. Há uma cena memorável entre ele e o pai no início do quarto ato, onde Edmund inclusive rememora seus tempos de vivência no mar (referência clara à realidade do autor que rendeu várias peças curtas do chamado ciclo do mar).

Surpresa nenhuma é o talento de Luciano Chirolli. Interpreta o patriarca James Tyrone com muita energia, sem deixar de transparecer a fragilidade e a insegurança da personagem: um velho ator frustrado e incapaz de enfrentar os dramas de sua família.

Com toda admiração que tenho por Ana Lucia Torre (sou testemunha de sua brilhante estreia no teatro em 1965 como a “Mulher da Janela” em Morte e Vida Severina) estava temeroso em relação à sua Mary Tyrone; afinal eu havia assistido à memorável interpretação de Cleyde Yaconis em 2003 e sabia da imensa dificuldade de interpretar essa que é uma das personagens mais complexas da dramaturgia mundial. Pois, Ana Lucia Torre está, nada mais, nada menos, que ARREBATADORA. Sua Mary exala a solidão, a melancolia, a fragilidade e a humanidade exigidas pela personagem. Mesmo quando não está falando, fica difícil desviar o olhar de suas expressões de reação à fala das outras personagens. Um grande momento de uma grande atriz que, com certeza, entra para a história do nosso teatro.

Toda essa harmonia cênica deve-se à brilhante direção de Sergio Módena, outro grande trunfo desse emocionante e imperdível espetáculo.

A produção impecável é da Morente Forte, cujo único e imperdoável deslize é disponibilizar o belo e elucidativo programa apenas por meio dos deploráveis QR codes. 

LONGA JORNADA NOITE ADENTRO está em cartaz no Tucarena até 28 de agosto, com sessões às sextas e aos sábados às 20h30 e aos domingos às 18h30.

18/07/2022

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O SUICÍDIO MAIS BONITO DO MUNDO

 

O que leva uma pessoa a se suicidar ou a “ser suicidada”?

- Evelyn McHale, aos 24 anos, atirou-se do 86º andar do Empire State Building de Nova York em maio de 1947. Após 170 metros de queda livre, caiu sobre uma limusine. O semblante suave e a aparência e a posição do corpo sobre o carro fizeram com que seu ato, eternizado em uma foto de Robert Wiles, fosse chamado de o suicídio mais bonito do mundo. Não existem evidências das razões que levaram Evelyn a cometer o suicídio.

- Elena Andrade foi encontrada morta aos 20 anos pela sua mãe no seu apartamento também em Nova York em 1990.

- Mariana Nunes em 2022, entremeia as ações dessas duas suicidas com memórias pessoais para compor a dramaturgia de um dos mais comoventes espetáculos vistos em nossos palcos nos últimos tempos.

A representação da queda de Evelyn é mostrada em três momentos da peça, sendo talvez a mais pungente aquela em que a atriz manipula um boneco. O espetáculo inicia e termina com Mariana no chão na mesma posição em que Evelyn foi encontrada. Na cena final também é mostrada a icônica foto de Robert Wiles projetada ao fundo do palco sobre as caixas de papelão que compõem o cenário.


Dirigida com mão de mestre por Fabiano Di Melo, Mariana realiza verdadeiro tour de force manipulando objetos de cena e microfones, realizando belíssimas coreografias e, principalmente, interpretando as várias facetas exigidas pelo seu complexo e belo texto.

Tudo funciona nesse excelente trabalho da dupla Mariana/Fabiano: dramaturgia, direção, atuação, assim como cenografia, figurino e iluminação. Destaque para as significativas pinturas de Welton Salles que têm papel importante em alguns momentos do espetáculo. A notar também a trilha sonora, em grande parte com músicas de Philip Glass que se encaixam como luvas nas ações apresentadas.

A peça não responde à pergunta que abre esta matéria, mas nos faz refletir sobre como olhar mais atentamente para nossos pais, nossos filhos, nossos amigos, nossos vizinhos e para nós mesmos. Convenhamos que isso não é pouco. 

O SUICÍDIO MAIS BONITO DO MUNDO faz sua última apresentação hoje, dia 14/07, no Teatro de Contêiner Mungunzá, dentro da mostra SOLO DE MULHERES.

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL. 

14/07/2022

quarta-feira, 13 de julho de 2022

ATÉ QUE TU TE TORNES VERDE

 

Conforme previsto Até Que Tu Te Tornes Verde encerrou no último domingo, 10 de julho de 2022, o muito bem sucedido 7º Fest Kaos (Festival Teatro Kaos) que consagrou Macacos de Clayton Nascimento, premiado como melhor espetáculo tanto pelo júri popular como pela comissão julgadora.

Até Que Tu Te Tornes Verde é uma produção do Teatro Kaos escrita por Cícero Gilmar Lopes, a partir das memórias afetivas de Lourimar Vieira, que contemplam a vivência com seu avô, o coronel Liberato, na caatinga do Piauí. Por se tratar de memórias afetivas, o texto se exime de maiores críticas negativas normalmente atribuídas a um coronel nordestino (não se sabe se seria o caso do coronel Liberato).

A peça inicia de forma bastante dinâmica com parte do elenco misturado ao público, enquanto no palco vê-se o músico que acompanha a encenação (bela participação de Daniel Meirelles) e o coronel Liberato majestosamente sentado em seu “trono” contemplando passivamente a situação.

Lourimar Vieira encarrega-se da figura do coronel, enquanto Mariana Nunes, Levi Tavares e Fabiano di Melo revezam-se em várias personagens. Elenco bastante homogêneo e talentoso, mas não há como não destacar as intervenções de Fabiano di Melo, dono de voz e presença cênica marcantes.

Os atores circulam pelo cenário simples, mas bastante funcional de Zé Valdir Albuquerque e a iluminação é de Thiago Varella.

Fogem à minha compreensão o que fazem no sertão nordestino as unhas esmaltadas dos atores, a excessiva maquiagem, os figurinos (principalmente aquele do neto) e mesmo o título da peça que, segundo a sinopse dada pelo grupo, “guarda metáforas ao avesso” (?).

Fernando Neves assina a direção do espetáculo.

 

13/07/2022

 

domingo, 3 de julho de 2022

PETER BROOK

 

MEMÓRIAS DE UM ESPECTADOR

PETER BROOK (21-03-1925/02/07/2022)

No ano de 1967 eu era um jovem estudante de engenharia que aproveitava avidamente as horas vagas para ir ao teatro e não me alienar numa profissão que já se mostrava sufocante.

Acredito que eu gostava de teatro desde a tenra idade quando assisti E a Faustina Derrapou, minha primeira peça de circo-teatro, no circo do Piolin, no final dos anos 1950.        

Minha jornada como espectador de verdade começou no ano de 1964 e, eu diria, que começou muito bem pois até 1967 eu já havia assistido a Pequenos Burgueses no Teatro Oficina; Depois da Queda de Arthur Miller com Maria Della Costa e Paulo Autran; Quem Tem Medo de Virginia Woolf com Cacilda Becker, Walmor Chagas. Lilian Lemmertz e Fulvio Stefanini; Morte e Vida Severina no recém criado TUCA; Diário de Um Louco com Rubens Corrêa; A Megera Domada (meu primeiro Antunes Filho!); Arena Conta Zumbi; A Alma Boa de Set-Suan (o primeiro Brecht); Opinião e Liberdade, Liberdade. Esse repertório de ouro foi meu batismo de fogo como espectador, mas ainda havia (e ainda há) muito a aprender.

Em 1967 acontece um dos grandes impactos que a vivência como espectador me trouxe: A Perseguição e o Assassinato de Jean-Paul Marat Conforme Foram Encenados Pelos Enfermos do Hospício de Charenton, Sob a Direção do Marques de Sade, popularmente conhecida como Marat-Sade. A peça de Peter Weiss dirigida por Ademar Guerra foi um dos grandes acontecimentos daquele ano sombrio, junto com Navalha na Carne, O Homem do Princípio ao Fim (a primeira Fernanda Montenegro) e, é claro, O Rei da Vela.

Após assistir a Marat-Sade várias vezes, tomei conhecimento do filme do mesmo nome, dirigido pelo encenador inglês Peter Brook. Outro impacto e a comprovação que a encenação brasileira bebia em muitas das soluções cênicas adotadas por Brook.

   Aguçada a curiosidade comecei a procurar mais coisas sobre ele e no início do ano de 1970 é lançado no Brasil o livro O Teatro e Seu Espaço (The Empty Space). Nessa época eu estava envolvido com um grupo de teatro universitário, escrevendo, atuando e dirigindo e o meu interesse pelo pensamento de Brook tornou-se ainda maior. Devorei o livro e olhando hoje para suas páginas amareladas vejo as marcas que nele deixei com observações e marcas nos trechos que mais me interessavam. O quanto utilizei de seus sábios relatos nesses trabalhos, eu não sei avaliar, mas de uma lição jamais vou esquecer: “A play is play, uma peça é um jogo, representar é uma brincadeira”, frase icônica que fecha o livro.

No ano de 1975, em visita a Paris, tive o privilégio de assistir Timon de Atenas, dirigido por Brook, no recém inaugurado Théâtre des Bouffes du Nord (na verdade, um espaço em ruínas abandonado há mais de 25 anos, restaurado para abrigar a companhia de Brook). Na noite em que a Vera e eu assistimos ao espetáculo, um simpático e acessível Brook (na época avaliei que ele devia ter aproximadamente 50 anos e acertei em cheio!).

Nunca mais voltei a fazer teatro, mas minha vida de espectador só aumentou e o interesse pela obra de Brook continuou cada vez maior lendo seus inúmeros escritos, assistindo a seus filmes e às suas montagens, que por obra e graça do SESC chegaram até nós: A Tragédia de Hamlet (2002), Tierno Bokar (2004), Sizwe Banzi Est Mort (2006) e Fragments (2008).





Sabemos que ninguém fica para semente, mas há certas personalidades que nos parecem eternas e era assim que eu imaginava o quase centenário homem de teatro, mas ele não quis chegar aos cem e nos deixou aos 97 anos no dia 02 de julho de 2022. A vida material se vai, mas fica a obra e o pensamento de Peter Brook. Depois dele o teatro nunca mais foi o mesmo. 

03/07/2022

sábado, 2 de julho de 2022

BALANÇO TEATRAL DO 1º SEMESTRE DE 2022


Os espetáculos presenciais voltaram com muito fôlego nos primeiros meses de 2022. O movimento ascendente começou em setembro do ano passado, ao mesmo tempo em que as estreias virtuais começaram a declinar.

Na época se comentava que, independentemente dos presenciais, os espetáculos online iriam continuar, mas não foi o que aconteceu. Atualmente são raros os espetáculos realizados de forma virtual, por outro lado tivemos cerca de 200 espetáculos presentes nos palcos paulistanos no semestre, sendo 157 de autores brasileiros.

Assisti a 94 espetáculos neste primeiro semestre, sendo apenas três virtuais e a grande maioria da única maneira que o verdadeiro teatro acontece: público e elenco face a face respirando o mesmo ar.

 Escrevi sobre 50 espetáculos dos 94 a que assisti o que atesta o grau de satisfação deste espectador diante das montagens da temporada, uma vez que, como todos sabem, só escrevo sobre espetáculos que me dizem alguma coisa e me surpreendam. 

Fato marcante foi a presença de grandes nomes da dramaturgia universal em nossos palcos: Thomas Bernhard (O Náufrago e O Fazedor de Teatro), Molière (Escola das Mulheres), Matei Visniec (Com os Bolsos Cheios de Pão), Tennessee Williams (O Anjo de Pedra), Samuel Beckett (Esperando Godot e Play Beckett), Strindberg (O Pai), Stephen Sondheim (Sweeney Todd), Pirandello (Henrique IV), Ibsen (Um Inimigo do Povo), Büchner (Woyzeck), Brecht (Terra de Matadouros) e Sófocles (Tebas). 

Quanto à dramaturgia brasileira, curiosamente, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos não estiveram presentes nos nossos palcos. Dos clássicos, apenas Oduvaldo Vianna Filho (Papa Highirte), Oswald de Andrade (A Morta), João Cabral de Mello Neto (Morte e Vida Severina), Guimarães Rosa (Riobaldo) e Clarice Lispector (em várias adaptações de suas obras). 

O jovem Luccas Papp compareceu com três espetáculos (O Ovo de Ouro, Men.U e O Anjo de Cristal). Também com três obras tivemos a presença de Clarice Niskier (a longeva A Alma Imoral, Coração de Campanha e a verdadeira obra-prima A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong). A dupla Fernanda Maia/Zé Henrique de Paula foi responsável por três significativos e muito bem sucedidos espetáculos musicais (Sweeney Todd, Cabaret dos Bichos e Brenda Lee e o Palácio das Princesas). Tatuagem, que foi obra prima no cinema, também foi um dos melhores espetáculos do semestre a partir do roteiro do filme de Hilton Lacerda com direção de Kleber Montanheiro. 

Na categoria espetáculos eu destacaria: Língua Brasileira (direção de Felipe Hirsch), Sem Palavras (direção de Marcio Abreu), Anjo de Pedra (direção de Nelson Baskerville), Encantado (direção de Lia Rodrigues), Pérsia (direção de Sandra Vargas e Luiz André Cherubini), A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong (direção de Clarice Niskier), Um Inimigo do Povo (direção de José Fernando Azevedo), Tatuagem (direção de Kleber Montanheiro), Play Beckett (direção de Mika Lins), O Fazedor de Teatro (direção de Marcio Aurelio), Jacksons do Pandeiro (direção de Duda Maia), Cabaret dos Bichos e Brenda Lee e o Palácio das Princesas (direção de Zé Henrique de Paula), Tebas (direção de Marcelo Lazzaratto).

Poder citar 14 espetáculos tão significativos como os melhores de tão curto período de tempo é um verdadeiro privilégio e motivo de alegria para este espectador apaixonado. Parabéns aos nossos profissionais de teatro pelo esforço, pela garra e pelo talento demonstrados.

Se eu tenho que escolher o melhor dos melhores do semestre, não vacilo um segundo para escrever que esse lugar de honra cabe a Jacksons do Pandeiro de Braulio Tavares e Eduardo Rios com a maravilhosa Barca dos Corações Partidos e direção de Duda Maia.

Um impactante espetáculo de dança teatro de Lia Rodrigues (Encantados) também ocupa lugar bastante importante nos melhores do período. 

No campo da interpretação cito:

- Atores: Luciano Chirolli (O Náufrago), Brian Penido Ross (Escola de Mulheres), Antonio Petrin (A Pane), Vitor Vieira (Nossos Ossos), Caca Carvalho (Leonardo da Vinci – A Obra Oculta), Donizete Mazonas (Com os Bolsos Cheios de Pão), Odilon Wagner (A Última Sessão de Freud), Marcos Damigo (O Pai), Dudu Galvão (Morte e Vida Severina), Rogerio Brito (Um Inimigo do Povo), Cleomácio Inácio e André Torquato (Tatuagem), Paulo Marcello (O Fazedor de Teatro), Zécarlos Machado (Papa Highirte), Marcelo Lazzaratto (Tebas) 

- Atrizes: Amanda Lyra (Língua Brasileira), Kenya Dias e Giovana Soar (Sem Palavras), Emmanuele Araújo (Chicago), Laila Garin (A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa), Sara Antunes (Anjo de Pedra), Dalma Régia (Cárcere ou Por que as Mulheres Viram Búfalos), Clarice Niskier (A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong), Liliane Xavier (Pinóquio). 

Não vou nominar, mas quero lembrar de todos os profissionais envolvidos com tradução, adaptação de textos, cenografia, coreografia, iluminação, som, figurino, fotografia, visagismo, contrarregragem, camareira e produção. Personagens invisíveis que sem elas a magia do teatro não aconteceria. 

Outros destaques:

         - A realização da 8ª edição da MITsp em formato menor, mas marcando necessárias presença e sobrevivência.

         - O retorno do projeto Prêt-à-Porter pelo Centro de Pesquisa Teatral do SESC (CPT), agora sob a supervisão de Emerson Danesi.

         - E um destaque negativo: A prática utilizada no semestre por várias entidades de eliminar o programa impresso, colocando o acesso ao material através de QRcode. Tal prática é, a meu ver, sinal de desrespeito à memória do teatro e a seus realizadores, uma vez que a ficha técnica dos espetáculos provavelmente estará indisponível aos futuros pesquisadores. Ao que parece os programas impressos aos poucos estão voltando, para alegria deste “Arauto da defesa do programa impresso”.

         Que o segundo semestre de 2022 seja tão ou mais rico do que o primeiro, para dor de cabeça dos críticos que terão de optar por poucos nomes como os premiados do ano.

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTES

VIVA O TEATRO!

         02/07/2022