“Eu sou a morta que
pode ser despida...
Vizinhas, me
dispam...”
(Zulmira)
É muito privilégio
para o espectador paulistano ter à disposição simultaneamente em seus palcos,
dois baluartes da obra de Nelson Rodrigues: Vestido de Noiva no CCBB
com direção de Ione de Medeiros e A Falecida no SESC Santo Amaro
com direção de Sergio Módena. Assisti às duas montagens no último fim de semana
e assistir a obras de Nelson Rodrigues bem montadas é um prazer sempre
renovado.
A Falecida é a primeira das
tragédias cariocas escrita pelo dramaturgo e estreada no Rio de Janeiro exatos
dez anos após a estreia de Vestido de Noiva em 1943. O frescor do texto
permanece intacto depois de 70 anos, algo típico de uma obra clássica.
A saga de Zulmira -
uma moça, assim, assim - suburbana, desinteressante, mal casada com Tuninho,
também desinteressante, e com uma única paixão na vida que é ser torcedor do
Vasco, poderia resultar em uma peça igualmente desinteressante, no entanto
pelas mãos de Nelson, tornou-se umas das obras mais importantes da dramaturgia
brasileira com sequencias e frases absolutamente instigantes e tão
características do dramaturgo.
Sem tirar seu brilho,
nem sua originalidade, a concepção de Sergio Modena parece render homenagem
àquela de Antunes Filho que fez parte do antológico Paraíso Zona Norte
(1989), no que tange à movimentação expressionista do elenco e a certas cenas
como aquela, antológica, em que Zulmira está na funerária e toma contato com o
caixão de luxo que embalou Nanci, a filha do bicheiro Anacleto.
Contando com a
cenografia de André Cortez lindamente iluminada por Renato Machado (até a
enigmática Glorinha tem uma luz própria!), Módena nos conta a história de
Zulmira de maneira envolvente, sabendo tirar partido das situações tragicômicas
que o texto apresenta. Para tanto conta com excelente elenco onde todos os
personagens, inclusive os secundários, têm seu momento de glória.
A Casa Funerária São
Geraldo é muito bem representada por Alan Ribeiro, Thiago Marinho e Gustavo
Wabner que interpreta com muita garra Timbira, o chefe da Casa, inseguro e
frustrado em relação às mulheres.
Alcemar Vieira
aparece na pele do cafajeste Pimentel e brilha em sua entrada em cena.
Seja como Madame
Crisálida, seja como membro da igreja teofilista, ou ainda como a mãe de
Zulmira, Stella Freitas ilumina o palco cada vez que aparece com seu imenso
talento e sua poderosa voz.
Camila Morgado imprime
verdade na interpretação de Zulmira, mostrando desde seu lado frustrado e
desinteressante, como seu lado sensual quando se vê na presença de um homem que
não seja seu marido, aquele que lava as mãos depois do ato sexual e que toma
sorvete enquanto ela se diverte com Pimentel no banheiro da sorveteria.
Thelmo Fernandes tem
tipo físico (ele até lembra o Luis Melo!) e imenso talento para o papel de
Tuninho e junto com Camila Morgado é responsável por momentos marcantes dessa
emblemática peça de Nelson Rodrigues, para mim uma das grandes obras primas da
dramaturgia brasileira.
A FALECIDA está em
cartaz no SESC Santo Amaro de 18/08/2023 a 01/10/2023 às sextas às 21h, aos
sábados às 20h e aos domingos às 18h.
NÃO DEIXE DE VER!
20/08/2023
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