domingo, 20 de agosto de 2023

A FALECIDA

 


 

“Eu sou a morta que pode ser despida...

Vizinhas, me dispam...”

(Zulmira)

É muito privilégio para o espectador paulistano ter à disposição simultaneamente em seus palcos, dois baluartes da obra de Nelson Rodrigues: Vestido de Noiva no CCBB com direção de Ione de Medeiros e A Falecida no SESC Santo Amaro com direção de Sergio Módena. Assisti às duas montagens no último fim de semana e assistir a obras de Nelson Rodrigues bem montadas é um prazer sempre renovado.

A Falecida é a primeira das tragédias cariocas escrita pelo dramaturgo e estreada no Rio de Janeiro exatos dez anos após a estreia de Vestido de Noiva em 1943. O frescor do texto permanece intacto depois de 70 anos, algo típico de uma obra clássica.

A saga de Zulmira - uma moça, assim, assim - suburbana, desinteressante, mal casada com Tuninho, também desinteressante, e com uma única paixão na vida que é ser torcedor do Vasco, poderia resultar em uma peça igualmente desinteressante, no entanto pelas mãos de Nelson, tornou-se umas das obras mais importantes da dramaturgia brasileira com sequencias e frases absolutamente instigantes e tão características do dramaturgo.

Sem tirar seu brilho, nem sua originalidade, a concepção de Sergio Modena parece render homenagem àquela de Antunes Filho que fez parte do antológico Paraíso Zona Norte (1989), no que tange à movimentação expressionista do elenco e a certas cenas como aquela, antológica, em que Zulmira está na funerária e toma contato com o caixão de luxo que embalou Nanci, a filha do bicheiro Anacleto.

Contando com a cenografia de André Cortez lindamente iluminada por Renato Machado (até a enigmática Glorinha tem uma luz própria!), Módena nos conta a história de Zulmira de maneira envolvente, sabendo tirar partido das situações tragicômicas que o texto apresenta. Para tanto conta com excelente elenco onde todos os personagens, inclusive os secundários, têm seu momento de glória.

A Casa Funerária São Geraldo é muito bem representada por Alan Ribeiro, Thiago Marinho e Gustavo Wabner que interpreta com muita garra Timbira, o chefe da Casa, inseguro e frustrado em relação às mulheres.

Alcemar Vieira aparece na pele do cafajeste Pimentel e brilha em sua entrada em cena.

Seja como Madame Crisálida, seja como membro da igreja teofilista, ou ainda como a mãe de Zulmira, Stella Freitas ilumina o palco cada vez que aparece com seu imenso talento e sua poderosa voz.

Camila Morgado imprime verdade na interpretação de Zulmira, mostrando desde seu lado frustrado e desinteressante, como seu lado sensual quando se vê na presença de um homem que não seja seu marido, aquele que lava as mãos depois do ato sexual e que toma sorvete enquanto ela se diverte com Pimentel no banheiro da sorveteria.

Thelmo Fernandes tem tipo físico (ele até lembra o Luis Melo!) e imenso talento para o papel de Tuninho e junto com Camila Morgado é responsável por momentos marcantes dessa emblemática peça de Nelson Rodrigues, para mim uma das grandes obras primas da dramaturgia brasileira.

Fotos de Victor Hugo Cecatto

A FALECIDA está em cartaz no SESC Santo Amaro de 18/08/2023 a 01/10/2023 às sextas às 21h, aos sábados às 20h e aos domingos às 18h.

NÃO DEIXE DE VER! 

20/08/2023

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