Não tenho dúvida que
estamos diante de um dos melhores espetáculos do ano. Esteticamente criativo e
belo na forma e contundente e muito necessário no conteúdo.
Nunca é demais
relembrar as consequências da colonização do Brasil pelos portugueses e quão
nociva, perversa e dolorosa foi a famigerada ditadura civil militar que
perseguiu, torturou e matou ou desapareceu com aqueles que lutaram por
liberdade e defesa dos direitos humanos.
A dramaturgia de Cesar
Ribeiro costura de forma brilhante textos de sua autoria com textos que vão
desde Pero Vaz de Caminha até Luis Fernando Veríssimo. O resultado é uma
dramaturgia consistente e poderosa que mantém o espectador grudado na poltrona
(diga-se de passagem, desconfortável) do Núcleo Experimental.
Com nítida e saudável
influência do teatro do absurdo de Samuel Beckett e da história em quadrinhos,
Ribeiro abre o espetáculo com um texto magnífico de Veríssimo onde se comenta
que é fácil tirar uma vida, o impossível é livrar-se do corpo/lixo.
Interpretado por Clara Carvalho o texto é o primeiro soco dado no estômago do
espectador.
Seguem-se cenas
memoráveis como aquela com os dois pacientes (Mariana Muniz e Pedro Conrado
ótimos) em um hospital (esta cena é repetida com poucas variações, relembrando a estrutura de Esperando
Godot); o caso do João, empregado de uma empresa, que a medida que o tempo
passa recebe como estímulo uma redução no seu salário até ficar “dezassalariado”
,Clara Carvalho puxa João acorrentado (Hélio Cícero) numa clara referência à
cena de Pozzo e Lucky em Esperando Godot; a cena com caráter épico de
Pero Vaz de Caminha é interpretada por
Helio Cícero e para completar a porrada, a peça termina com depoimentos de um
advogado defensor de presos políticos (Helio),uma jovem que foi humilhantemente
torturada (Clara, comovente) e de Dilma Roussef (Mariana). Esta última cena tem
como pano de fundo cabeças de vítimas da ditadura.
No exíguo espaço
cênico do Núcleo Experimental, J.C. Serroni criou um cenário poderoso
com chão de areia e que ao simples mover de uma cortina se transforma numa
praia do descobrimento ou nas tumbas com as cabeças dos mortos. A belíssima luz
de Domingos Quintiliano enriquece a atmosfera do espetáculo, assim como os
figurinos de Telumi Hellen e o surpreendente visagismo de Louise Helene. Para
completar o quadro é importante citar a excelente trilha sonora criada por
Cesar Ribeiro que ora reforça e ora critica a ação.
Cesar Ribeiro soube
harmonizar tantos bons elementos (dramaturgia, cenário, iluminação, figurinos,
visagismo, trilha sonora e um quarteto de intérpretes poderosos) criando um
espetáculo que apesar de ser doloroso, o espectador sai com a alma lavada e
energizado, com vontade de mudar o estado das coisas.
O título da peça já é
carregado de ironia e indignação, pois se refere ao número da lei que instituiu
a a Comissão Nacional da Verdade que, ao que tudo indica, terminou em pizza.
Ah, Brasil! De tanta
beleza e de tanta pobreza!
VOCÊ que sabe das
coisas vai novamente se indignar com o que é apresentado e VOCÊ que não
acredita que tudo aquilo aconteceu talvez vá mudar de ideia assistindo a esse
pungente espetáculo.
ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL.
Cartaz do Teatro do Núcleo Experimental até 25 de novembro às sextas, sábados e segun das às 20h e aos domingos às 19h.
19/10/2024
Cetra
ResponderExcluirQue olhar sensível para o espetáculo! E que comentário: tão importante quanto a peça!