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quarta-feira, 23 de abril de 2014

O PAI E O FILHO DO PAI



     Por coincidência, em torno da semana santa assisti a dois espetáculos muito distintos um do outro que tratam dos expoentes máximos da mitologia cristã: Deus e Jesus Cristo. Segue um breve comentário sobre cada um deles:
     MEU DEUS
 
 
     Desiludido com as ações de suas criaturas, O Criador entra em depressão e resolve descer à terra e se consultar com uma terapeuta que é ateia. Partindo dessa interessante premissa a dramaturga israelense Anat Gov escreveu a peça Meu Deus que está em cartaz na FAAP com direção de Elias Andreato. Apesar de tocar em alguns pontos que merecem reflexão (o individualismo do homem contemporâneo, as guerras, a luta pelo poder a qualquer custo), no todo a peça é bastante inofensiva não passando de um bom espetáculo comercial fadado a fazer sucesso entre o grande público, mas tem qualidades como a construção dos ótimos diálogos.  O grande diferencial, porém, é o trabalho dos atores: Dan Stulbach está ótimo como o Deus que perdeu o rumo e deseja acabar com a sua criação e Irene Ravache desempenha a incrédula terapeuta de maneira espontânea num trabalho que já pode ser considerado como um dos melhores do ano: é  um prazer imenso ver o seu desempenho, tendo-se a impressão que ela faz aquilo com a maior facilidade. Pelo mote da peça e pelo desempenho dos atores, vale a pena assistir a Meu Deus.
 
 
     JESUS CRISTO SUPERSTAR
 
 
     Após 42 anos está de volta o musical de Tim Rice(letra) e Andrew Lloyd Webber(música) que junto com Evita reputo como os  melhores trabalhos da carreira da dupla. Após Evita ambos seguiram caminhos separados e a trajetória de Webber apesar de muito bem sucedida (vide O Fantasma da Ópera), nunca mais teve uma dramaturgia consistente para acompanhar suas belas canções.
     Jesus Cristo Superstar foi montada no Brasil em 1972 por Altair Lima após o enorme sucesso (artístico e comercial) de Hair; a montagem, porém, não teve a mesma repercussão, em grande parte pela direção equivocada do próprio produtor. A curiosidade fica por conta de que a versão das letras era assinada por Vinicius de Moraes.
 
Capa do LP original e do programa da montagem de 1972
 
     E agora chegou a vez do Jesus Cristo Superstar 2014 na bela encenação de Jorge Takla, em cartaz no Teatro do Complexo Ohtake Cultural. O cenário é formado por estruturas metálicas flexíveis que se adéquam aos vários ambientes da ação da peça. As músicas são lindas e muito bem interpretadas tanto pela orquestra como pelo homogêneo elenco. No primeiro ato o Cristo de Igor Rickli, apesar do físico apropriado para o papel e a bela voz, parece deslocado do todo, mas adquire força no segundo ato. Alírio Netto  (Judas) tem presença cênica e voz  poderosa. Negra Li tem voz adequada para as canções mais suaves da ópera-rock. Rogério Guedes (Caifás) e Julio Mancini (Annas) são responsáveis por uma ótima cena (Jesus vai morrer). O ponto culminante do musical de elevada carga dramática (Pilatos e Cristo e as 39 chibatadas) reafirma o grande talento de Fred Silveira (que já havia se destacado como Tony em West Side Story e como Che Guevara em Evita), fazendo dele o grande destaque do elenco. 
 
Fred Silveira
 
Alírio Netto e elenco

 
     Meu Deus e Jesus Cristo Superstar são dois bem sucedidos espetáculos comerciais que vão agradar a quem espera do teatro algo mais do que diversão inconsequente.

terça-feira, 22 de abril de 2014

MAGILUTH CONTA "VIÚVA , PORÉM HONESTA"


 
     Nelson Rodrigues chamou a sua peça de 1957, Viúva, Porém Honesta de “farsa irresponsável em três atos” e Pedro Vilela, diretor do grupo pernambucano Magiluth, levou - com muita responsabilidade - ao pé da letra essa classificação, montando com bastante irreverência esse delicioso texto do dramaturgo.
Nelson Rodrigues (1912-1980)
Pedro Vilela, diretor
     Contando com o talento, a histrionice e o carisma de seu grupo (agora enriquecido com o ótimo Mário Sérgio Cabral), Vilela mostra as aventuras da agora viúva Ivonete com muito escracho e deboche fazendo os cinco atores “rodopiarem” por todas as personagens da peça. O espetáculo é divertidíssimo e dá margem a ótimos momentos para todos os atores: Giordano Castro rouba a cena como a jovem Ivonete brincando com as bonecas, assim como o pândego Mário Sérgio na cena em que ela vai ao ginecologista e Pedro Wagner cria uma viúva antológica. A interação entre os atores é perfeita e percebe-se que eles se divertem tanto quanto o público durante toda a representação. Além de fazer a sonoplastia, Pedro Vilela intervém com muita naturalidade em alguns momentos orquestrando com muita garra aquele aparente e engraçado caos.
 
Giordano Castro
 
Mário Sérgio Cabral
 
Pedro Wagner
 
Lucas Torres, Erivaldo Oliveira, Pedro Wagner
 
     J.B., Pardal, Madame Cricri, Diabo da Fonseca, Dorothy Dalton, Ivonete e todas as outras personagens nunca mais serão as mesmas após esta deliciosa reconstrução do Magiluth. E resta a pergunta: como Nelson Rodrigues veria o tratamento dado à sua peça? A meu ver creio que ele adoraria.
 
     Na noite em que assisti ao espetáculo, Rita Cadillac estava na plateia e foi homenageada pelo grupo com um ramalhete de flores e com uma tatuagem de seu nome na bunda do Mário Sérgio Cabral. Delicioso arremate, compatível com o clima descontraído da montagem.
     Este divertido e imperdível espetáculo foi apresentado no Itaú Cultural de 15 a 20 de abril sempre com lotação esgotada e volta a ser apresentado na FUNARTE de 23 a 26 de abril às 20h e 27 às 19h com entrada gratuita. CORRA PARA GARANTIR SEU INGRESSO E NÃO RIA SE FOR CAPAZ!

OH OS BELOS DIAS – MOMENTO ILUMINADO DE UMA GRANDE ATRIZ



     Sandra Dani é uma atriz gaúcha praticamente desconhecida pelo público paulistano, mas consagrada em sua terra natal com um vasto currículo tanto acadêmico como teatral. Sob a direção do paulista Rubens Rusche (especialista em Samuel Beckett) a atriz está interpretando Oh Os Belos Dias texto do autor irlandês em cartaz no Sesc Santana. Essa montagem estreou em 2013 em Porto Alegre e no mesmo ano fez algumas poucas apresentações em São Paulo no Cultura Inglesa Festival. Com o título de Dias Felizes essa peça teve uma montagem dirigida por Jacqueline Laurence em 1996 tendo Fernanda Montenegro como protagonista e em 2010 foi a vez de Norma Bengell interpretar a personagem, dirigida por Emílio Di Biasi.
 
Fernanda Montenegro na montagem de 1996
 
     Oh Os Belos Dias mostra a personagem Winnie “curtindo seus belos dias” enterrada até a cintura no primeiro ato e até o pescoço no segundo. Tudo é pretexto para ela preencher o seu tempo: a leitura de frases inscritas na escova de dente, o tira e põe de objetos de uma sacola e a tentativa de se comunicar com o seu companheiro Willie que está dentro de um buraco. Winnie fala continuamente durante as quase duas horas do espetáculo e suas palavras adquirem tons melancólicos, tristes e muitas vezes engraçados pelo absurdo da situação. A cena hipnotizante (centrada na figura de Winnie que não se movimenta em cena) e o texto árido tornam o espetáculo um exercício árduo para o espectador, mas o esforço é recompensado pelo resultado final que nos apresenta mais perguntas do que respostas sobre a condição humana.
 
Samuel Beckett (1906-1989)
 
     Sandra Dani domina totalmente a cena com extrema versatilidade nas entonações de voz e nas  expressões faciais. Interpreta uma Winnie intensa que nos emociona e até nos faz rir. Trata-se de momento iluminado de uma grande atriz que precisa ser testemunhado por quem ama teatro e principalmente pelos atores que o fazem.
 
Willie (Luiz Paulo Vasconcellos) e Winnie (Sandra Dani)
 
     A direção de Rubens Rusche - extremamente fiel ao texto e às marcações de Beckett  - é discreta, deixando o espaço livre para Sandra Dani brilhar. O cenário de Ulisses Cohn apresenta um bonito recorte da montanha em que Winnie está enterrada e a iluminação minimalista de Wagner Freire é pontual e precisa.
 
 
 
     Oh Os Belos Dias é um espetáculo obrigatório para os amantes de teatro e pode ser visto no Sesc Santana às sextas e sábados às 21h e domingos às 18h de 12/04 a 18/05.
 
     NOTA: O título Oh Os Belos Dias refere-se àquele em francês Oh Les Beaux Jours, já o título Dias Felizes acompanha aquele em inglês Happy Days, língua em que o texto foi escrito.
 
 
 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

A VIOLAÇÃO DE LUCRECIA - NOITE DE MUITA EMOÇÃO

 
     O belíssimo poema A Violação de Lucrécia (The Rape of Lucrece) escrito por Shakespeare em 1594, trazido para o Festival de Curitiba pela Royal Shakespeare Company e apresentado no último fim de semana no Sesc Pinheiros constitui-se desde já num dos melhores espetáculos  teatrais apresentados nos palcos paulistanos neste  ano de 2014. Antes do início da peça eu comentava como são importantes para mim esses minutos que antecedem o apagar das luzes da plateia: neles sempre me preparo para assistir a um dos melhores espetáculos de minha vida, fato raramente concretizado. Nessa noite vivi um desses momentos mágicos que só o teatro pode proporcionar.
     Ambientado na Roma antiga, o texto do bardo conta como o nobre Tarquínio, obcecado pelo que ouviu de Colatino sobre as virtudes de sua esposa Lucrécia, encontra um meio de ir visitá-la na ausência do marido e usando de seu prestígio e da confiança que nele depositam ficar para pernoitar na residência. Enquanto urde o ataque pondera sobre as consequências do mesmo, mas o desejo é mais forte e ele consuma a violação nos aposentos da incrédula Lucrécia. Sentindo-se desonrada a infeliz mulher pede que seu marido e seu pai retornem ao lar, conta-lhes o sucedido e suicida-se enterrando uma faca no peito. Após um inflamado discurso do pai diante da filha morta, Colatino promete vingança. Tarquínio é deportado, sendo o seu maior castigo passar o resto de seus dias com o remorso de ter destruído não só uma família, mas também uma vida.

     Essa trágica história é contada pela atriz/cantora irlandesa Camille O’Sullivan que passa de maneira muito sutil (uma mudança no tom de voz, no gestual ou no figurino) da narração dos fatos para a interpretação das personagens (Tarquínio, Lucrécia e o pai). Em vários momentos ela canta com uma belíssima voz trechos do poema que foram musicados por Feargal Murray que também a acompanha ao piano. Os momentos emocionantes da montagem atingem o seu ápice na lamentação do pai diante da filha morta. As últimas cenas têm muito a ver com o desfecho de várias outras tragédias de Shakespeare.

     O espetáculo dirigido por Elisabeth Freestone conjuga o desempenho da atriz, com o pianista, com cenários, figurinos, iluminação e objetos de cena (alvos pares de sapato de Lucrécia numa extremidade e pesadas botas pretas de Tarquínio na outra), resultando num todo harmonioso, belo e muito emocionante. Com os olhos marejados o público ovacionou a atriz ao final. Caroline O’Sullivan , além de seu imenso talento como atriz e cantora, é simpaticíssima, sorridente e muito bonita.
     Apresentado em São Paulo para poucos privilegiados apenas por três dias, este é mais um daqueles espetáculos da série “QUEM VIU, VIU...”.

sábado, 12 de abril de 2014

A VERDADE... ONDE ESTÁ A VERDADE?


 
     No ano de 1985 eu não fui ao Rio de Janeiro! No entanto tenho, não só o programa da peça Assim É Se Lhe Parece como o canhoto do ingresso no Teatro dos 4, datado de 09 de novembro de 1985; mais ainda: folheando o programa chego a rememorar cenas da peça com a inesquecível Yara Amaral como a Senhora Amália Agazzi e com Nathalia Timberg ( Senhora Frola), sem falar no José Wilker (Senhor Ponza) e no Sergio Brito (Laudisi). E eu não fui ao Rio de Janeiro em 1985! Com certeza também não assisti à lendária montagem do TBC dirigida por Adolfo Celi em 1953, pois eu tinha apenas nove anos, mas não me é difícil visualizar Cleyde Yaconis como a Senhora Frola. Tenho mais recordações dessas montagens do que daquela a que realmente assisti em 1972 em São Paulo dirigida por Flavio Rangel tendo Paulo Autran, Madalena Nicol e Helio Ary nos papéis principais. Aqui também a Senhora Agazzi teve o privilégio de ser interpretada pela não menos inesquecível Myrian Muniz. Quais os mecanismos da memória ? Algo muito sonhado ou idealizado acaba tornando-se realidade? Mas o que é realidade? O que é verdade? Por mais incrível que possa parecer é assim e não me peça explicações lógicas porque se assim me parece, assim é!
 
 
1953 - TBC - Paulo Autran e Cleyde Yaconis

1972 - Madalena Nicol e Paulo Autran

1985 - Rio de Janeiro (com o canhoto do ingresso no canto inferior esquerdo)


     Todo esse pensamento me veio à luz depois de assistir ontem à noite, à nova montagem desse intrigante texto escrito há quase um século (1917) por Luigi Pirandello e que como bom clássico continua muito atual. A abordagem de Marco Antônio Pâmio é bastante interessante e dá destaque especial para a personagem de Laudisi que é defendida bravamente por Rubens Caribé. Laudisi é o porta voz do autor e é através dele que temos a ponderação do que se fala nos dois núcleos da peça: de um lado os vizinhos bisbilhoteiros querendo saber mais da vida dos outros do que de suas próprias e do outro o mistério dos novos vizinhos: a Senhora Frola , o seu genro Senhor Ponza e sua esposa.
 
 
The Gossips
 
     Pâmio articulou uma dinâmica movimentação dos 12 atores em cena, abrindo o espetáculo com uma bonita representação da fofoca que remete ao famoso quadro The Gossips de Norman Rockwell. Auxiliado por uma inspirada iluminação de Caetano Vilela (que pontua as ações com cores diversas), pelo despojado cenário de Fabio Namatame (cujas cortinas vão sendo desvendadas na mesma medida que o mistério sobre os novos vizinhos) e por uma adequada trilha sonora escolhida pelo próprio encenador, Pâmio realiza um espetáculo dinâmico, engraçado na medida certa e fazendo refletir sobre os perigos das verdades absolutas.
 
     Talvez pela tradição do “papel de galã”, aquele do Senhor Ponza sempre foi o escolhido pelos atores mais famosos do momento (Paulo Autran por duas vezes e José Wilker), no entanto a personagem que oferece as melhores oportunidades para um ator é Laudisi e como já citei Rubens Caribé aproveitou e cria um dos melhores trabalhos de sua carreira. Bete Dorgan depois de fazer uma série de personagens histriônicas nos brinda com uma humana Senhora Frola e a sua entrada em cena na primeira visita aos Agazzi é algo para se guardar na memória. O restante do elenco cumpre o seu papel sendo justo destacar a energia de Joca Andreazza como o Senhor Agazzi. Na estreia o ator Nicolas Trevijano pareceu ter problemas com a voz nas cenas em que necessita da mesma num tom mais elevado.
 
     Depois de duas horas de espetáculo os vizinhos e nós público estamos ansiosos para saber quem é louco, o Senhor Ponza ou a Senhora Frola. Uma mulher encoberta com um véu preto é chamada para nos revelar a verdade. Mas onde está verdade?
 
     Além de excelente ator, Pâmio nos apresenta aqui um refinado trabalho de direção numa montagem que merece ser vista.
 
     Assim É (Se Lhe Parece) está em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana de 11/04/2014 a 18/05/2014. Sexta s e sábados às 21h e domingos às 18h.