Por coincidência, em torno da semana santa assisti a dois
espetáculos muito distintos um do outro que tratam dos expoentes máximos da
mitologia cristã: Deus e Jesus Cristo. Segue um breve comentário sobre cada um
deles:
MEU DEUS
Desiludido com as ações de suas criaturas, O Criador
entra em depressão e resolve descer à terra e se consultar com uma terapeuta
que é ateia. Partindo dessa interessante premissa a dramaturga israelense Anat
Gov escreveu a peça Meu Deus que está
em cartaz na FAAP com direção de Elias Andreato. Apesar de tocar em alguns
pontos que merecem reflexão (o individualismo do homem contemporâneo, as
guerras, a luta pelo poder a qualquer custo), no todo a peça é bastante
inofensiva não passando de um bom espetáculo comercial fadado a fazer sucesso
entre o grande público, mas tem qualidades como a construção dos ótimos
diálogos. O grande diferencial, porém, é
o trabalho dos atores: Dan Stulbach está ótimo como o Deus que perdeu o rumo e
deseja acabar com a sua criação e Irene Ravache desempenha a incrédula
terapeuta de maneira espontânea num trabalho que já pode ser considerado como
um dos melhores do ano: é um prazer
imenso ver o seu desempenho, tendo-se a impressão que ela faz aquilo com a
maior facilidade. Pelo mote da peça e pelo desempenho dos atores, vale a pena
assistir a Meu Deus.
JESUS CRISTO
SUPERSTAR
Após 42 anos está de volta o musical de Tim Rice(letra) e
Andrew Lloyd Webber(música) que junto com Evita
reputo como os melhores trabalhos da
carreira da dupla. Após Evita ambos
seguiram caminhos separados e a trajetória de Webber apesar de muito bem
sucedida (vide O Fantasma da Ópera), nunca mais teve uma dramaturgia consistente
para acompanhar suas belas canções.
Jesus Cristo
Superstar foi montada no Brasil em 1972 por Altair Lima após o enorme
sucesso (artístico e comercial) de Hair;
a montagem, porém, não teve a mesma repercussão, em grande parte pela direção
equivocada do próprio produtor. A curiosidade fica por conta de que a versão
das letras era assinada por Vinicius de Moraes.
Capa do LP original e do programa da montagem de 1972
E agora chegou a vez do Jesus Cristo Superstar 2014 na bela encenação de Jorge Takla, em
cartaz no Teatro do Complexo Ohtake Cultural. O cenário é formado por
estruturas metálicas flexíveis que se adéquam aos vários ambientes da ação da
peça. As músicas são lindas e muito bem interpretadas tanto pela orquestra como
pelo homogêneo elenco. No primeiro ato o Cristo de Igor Rickli, apesar do
físico apropriado para o papel e a bela voz, parece deslocado do todo, mas
adquire força no segundo ato. Alírio Netto
(Judas) tem presença cênica e voz
poderosa. Negra Li tem voz adequada para as canções mais suaves da
ópera-rock. Rogério Guedes (Caifás) e Julio Mancini (Annas) são responsáveis
por uma ótima cena (Jesus vai morrer).
O ponto culminante do musical de elevada carga dramática (Pilatos e Cristo e as 39
chibatadas) reafirma o grande talento de Fred Silveira (que já havia se destacado como Tony em West Side Story e como Che Guevara em Evita), fazendo dele o
grande destaque do elenco.