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sábado, 21 de fevereiro de 2015

ARMADILHA


 

        Soluções impactantes como a que Ira Levin (1929-2007) apresenta no final do primeiro ato desta peça estreada na Broadway em 1978 surgiram muito antes tanto no teatro, como, principalmente, no cinema com As Diabólicas (1955) e Com a Maldade na Alma (1964). A real originalidade do texto de Levin está em fazer uma peça dentro da peça, um engenhoso exercício de metalinguagem, onde o espectador presencia as personagens escrevendo a peça a que ele está assistindo. A peça tem uma rigorosa divisão em dois atos com três cenas em cada ato e é uma pena que na atual montagem não se faça um intervalo entre os atos, fato que reforçaria a ideia do autor.
 
Capa do programa da montagem da Broadway (1978), cuja ilustração também foi usada na capa do programa da montagem brasileira (1979)
 

        A peça foi montada em São Paulo em 1979 com direção de Jorge Takla, tendo Walmor Chagas e Paulo Castelli nos papéis principais e virou filme dirigido por Sidney Lumet em 1982. Depois de tantos anos conserva o sabor do suspense e das surpresas provocadas pelas reviravoltas na trama.

        A montagem de estreia da Cia. Goya, apesar da produção modesta, tem resultado bastante satisfatório. A direção de Susanne Walker mantém desde as primeiras cenas, o clima de suspense exigido pelo texto e propõe uma interpretação naturalista para os atores.

        A tradução do texto realizada por Jorge Minicelli acertadamente optou por diálogos coloquiais, mas ao meu modo de ver errou ao abrasileirar o nome das personagens, fato este que cria certo distanciamento, pois a ação da peça está longe de caráter brasileiro. A versão apresentada eliminou a figura do agente do dramaturgo Porter Milgrim concentrando o desfecho em apenas uma personagem, que não vou ser desmancha prazer e revelar quem é!

        Jorge Minicelli tem ótima presença cênica e compõe com elegância a personagem do frustrado dramaturgo Sidney; André Magalhães lhe é um ótimo contraponto e realiza com leveza as nuances da sua personagem (César, o dramaturgo jovem). Marília Persoli talvez exagere nos gestos de jovem sofisticada, mas desempenha a contento a esposa de Sidney. A personagem de Helga requer uma tônica não naturalista e ela é também responsável pelos momentos cômicos da ação. Lu Grillo, com figurinos que reforçam o não naturalismo, faz uma interpretação caricatural que destoa da montagem como um todo; além disso, em certos momentos ela esquece o sotaque espanhol requerido pela personagem. O melhor momento da atriz acontece na surpreendente cena 3 do 2º ato.

        A trilha sonora, item fundamental num espetáculo de suspense, revelou-se repetitiva e muito alta, tendo em certos momentos encoberto a fala dos atores.

        Talvez por se tratar da noite de reestreia, a iluminação teve alguns problemas, piscando durante toda a apresentação.

        Armadilha é ótimo entretenimento. “Altamente comercial”, como é afirmado várias vezes durante a representação. E o “comercial” neste caso não tem sentido pejorativo, mas indica que é um espetáculo que pode agradar dignamente a largo espectro de publico.

        Armadilha está em cartaz num amplo teatro no bairro da Vila Mariana com mais de 400 lugares e merece ter esses lugares totalmente ocupados durante toda a temporada.

        De 20/02 a 29/03 no Teatro João Caetano. Sextas e sábados às 21h e domingos às 19h. Ingressos: R$10,00 (meia: R$5,00).

 

21/02/2015

       

       

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A VOLTA PARA CASA


 

        É uma boa surpresa este espetáculo que após curta temporada no MUBE no ano passado volta ao cartaz no Teatro Sergio Cardoso só até o dia 1º de março.

        O cruel e contundente texto do romeno Matéi Visniec no seu absurdo é irônico e engraçado e foi tratado dignamente na transposição cênica de Regina Duarte. São duas cenas curtas (menos de dez minutos cada) e a última um pouco mais longa que dá título à montagem. A originalidade de Visniec é tratar de assuntos escabrosos com humor e nesta cena passada dias após o término de uma guerra temos um general às voltas com grupos de cadáveres de soldados que disputam lugar na fila do desfile que os levará de volta para casa: “como traidor da pátria devo ficar na frente dos desertores; como morto por um tiro certeiro no coração sou um cadáver bonito e intacto, portanto, mereço o primeiro lugar na fila”; e por aí vai, cada um reivindicando o seu espaço. Cena muito engraçada, mas que revela todos os horrores das guerras com aqueles corpos mutilados clamando por dignidade pelo menos no cortejo que os levará de volta ao lar e daí para o cemitério. O numeroso elenco de quase 20 atores participa desta cena que é a que tem melhor rendimento.

        As duas primeiras cenas, ambas com dois atores, são muito boas, mas ficam soltas e a direção poderia ter amarrado as três cenas para dar maior unidade ao espetáculo que é muito curto e termina quando a adrenalina do público ainda está subindo (o que de certa maneira pode ser um elogio).

        O elenco é homogêneo e alcança bom rendimento tanto nos solos como nas cenas corais.

        Bastante louvável o gesto de Regina Duarte que poderia se acomodar em sua fama, mas se propõe a experimentar com um elenco jovem e desconhecido em um texto que nunca vai passar na TV Globo. Ela também assina os figurinos e o despojado e sugestivo cenário que se amplia do palco para as paredes da Sala Paschoal Carlos Magno.

        A VOLTA PARA CASA é espetáculo sério (mas, engraçado!) e necessário nestes dias de tanta belicosidade não só entre povos, mas até entre vizinhos. Em cartaz às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h.

 

14/02/2015

  

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

CHICA BOA


Foto de Ligiane Braga
 

        Paulo Magalhães parece ter sido um ativo autor de peças teatrais na década de 1940. Segundo o periódico carioca Correio da Manhã, Magalhães estrearia nada menos que seis peças em 1944, entre elas Chica Boa que a Companhia de Procópio Ferreira apresentou em primeira mão no extinto Teatro Santana em São Paulo. Chica Boa fez longa carreira entre várias companhias tendo sido rebatizada de O Solar dos Urubus em 1946 pela Companhia Déa-Cazarré em referência às vestes pretas que a ditadora dona da casa Dona Engrácia obrigava os seus familiares usarem. Com a modernização do teatro a partir do final da década de 1950 a peça caiu no ostracismo e eis que volta ao cartaz nesta segunda década do século XXI pelas mãos de Fernando Neves que vem resgatando textos de circo-teatro da primeira metade do século passado.

        A trama de Chica Boa é simples utilizando-se de tipos característicos (apesar de abrir mão da ingênua e do galã) e tendo situações que se resolvem superficialmente num piscar de olhos; na sua ingenuidade o texto é divertido e tem como objetivo as gargalhadas do público.

        A encenação de Fernando Neves complementa o projeto Baú de Arethuzza que o grupo Os Fofos Encenam apresentou em 2013 e segue as mesmas características daquelas montagens. Aqui os componentes dos Fofos participam apenas na parte técnica deixando a interpretação para alguns dos participantes da Ocupação do Riso ao Choro na Funarte.

        Para este tipo de espetáculo além da perfeita composição dos tipos, é necessário timing preciso dos atores na interpretação e na movimentação (principalmente nas entradas e saídas de cena) fato que nem sempre ocorre na atual montagem, além do que a maioria do elenco não tem a idade adequada para a personagem que representa. Apesar disso o rendimento é bastante satisfatório com destaque para Nereu Afonso como Teodoro, Guto Togniazzolo como Liberato e Juliana Gontijo como Dona Engrácia. A mudança de atitudes de Engrácia ao final do espetáculo poderia ser mais impactante para provocar uma surpresa maior no público.

        A direção de Fernando Neves é ágil e precisa focando sua atenção da atuação e movimentação dos atores. A trilha sonora selecionada por Fernando Esteves é deliciosa e ilustra bastante bem as situações da peça.

        Chica Boa é um bom espetáculo para quem quer esquecer por algumas horas as perspectivas sombrias que circundam este país sem água, sem luz e sem direção.

        VIVA O TEATRO que nos permite esses breves momentos!

        A peça está em cartaz somente até 22 de fevereiro na Sala Carlos Miranda da Funarte de quinta a sábado às 19h e aos domingos às 18h. O ingresso é gratuito. Chegue cedo para garantir o seu!

11/02/2015