Os
fãs incondicionais de Peter Brook que me desculpem, mas ao meu modo de ver, o
belo espetáculo O Terno é, em certo aspecto, equivocado.
Um
cenário simples e geométrico formado por cadeiras coloridas, algumas molduras e
o terno do título é bastante promissor. A seguir um acordeonista entra em cena
tocando uma melancólica serenata de Schubert remetendo a cenas fellinianas.
Neste momento um ator narrador entra cena para situar a ação da peça inspirada
no conto homônimo do sul-africano Can Themba (1924-1968).
A
trama é forte: na África do Sul segregacionista (História com H maiúsculo)
acontece um drama familiar de adultério (história com h minúsculo, visto que
cotidiana) que reflete o ambiente maior: ao descobrir que a mulher o trai um
homem a obriga (e a ele também) a conviver com o terno abandonado pelo amante
na hora da fuga. Situação opressiva e de alta tortura psicológica para a mulher
que acaba morrendo em função disso. Tudo isso é mostrado com muita delicadeza,
com certa dose de humor e com canções que permeiam a ação e naquilo que para maioria
do público reside a qualidade maior da encenação para mim está o equívoco
citado acima. Canções, piadinhas com os músicos e até uma cena onde o público é
convidado a participar provocando as risadinhas e os aplausos de praxe nesse
tipo de intervenção diluem a ação dramática resultando num espetáculo sem a
carga dramática e política que o tema merece. A exceção fica por conta da cena
onde o amigo (Makalepha ?) conta a Philomen (o marido) o caso de um cantor que
teve suas mãos decepadas pelos soldados e ao ser desafiado a tocar a sua guitarra
sem as mãos acha ainda forças para cantar uma canção. Esse fato é claramente
inspirado no que aconteceu com Victor Jara em 1973 quando do golpe militar no
Chile. Na peça a canção escolhida é Strange
Fruits, libelo antirracista do compositor americano Lewis Allan
imortalizado por Billie Holiday. Este é o único momento onde a segregação
racial e a violência são mostradas da maneira que deveria ser a tônica geral do
espetáculo.
Os
dois atores masculinos são excelentes tanto na parte narrada quanto na
interpretação das personagens. A atriz que interpreta a esposa Matilda tem uma
bela voz e empolga o público quando canta as canções, mas é inexpressiva como a
mulher que sofre tamanha pressão moral e aqui reside mais um ponto fraco da
peça.
Os
músicos são ótimos e até bons atores, mas se perdem nas gracinhas feitas a
pedido do encenador.
Peter
Brook realiza este trabalho aos 90 anos. Tenho curiosidade em saber qual a
linha que ele adotou na montagem anterior que não era musical e onde sua visão
do mundo era outra. Acredito que a montagem era bem mais cruel do que esta e
com certeza estaria mais de acordo com o que o tema sugere.
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