TIO VÂNIA, QUEM DIRIA, ACABOU NA ILHA DE SACALINA!
O espetáculo A Máquina Tchekhov oferece leituras distintas para quatro tipos de
público:
1 - Aquele que está indo pela primeira
vez ao teatro por curiosidade ou para acompanhar uma amiga.
2 - Aquele que frequenta teatro,
conhece sua linguagem, mas não está familiarizado com a obra de Anton Tchekhov
(1860-1904).
3 - Aquele que conhece a obra do autor
russo, assim como as personagens de suas peças.
4 - Aquele que além de conhecer a obra
de Tchekhov já leu também a peça do dramaturgo romeno Matéi Visniec (1956-).
Pelas qualidades do texto e da tradução
cênica realizada pelas atrizes, agora diretoras, Clara Carvalho e Denise Weinberg
arrisco afirmar que qualquer que seja o caso o prazer do espectador está
garantido.
A
primeira vez a que assisti ao espetáculo eu me incluía no grupo 3 e foi uma
delícia jogar o quebra cabeças de descobrir qual personagem de qual peça
tratava determinada cena. Instigado pela criativa encenação fui em busca do
texto que sorvi numa golada incluindo o glossário no final que dá algumas
informações sobre as personagens. Tudo “parcialmente” decifrado voltei ontem ao
Instituto Capobianco para rever a primorosa montagem de Clara e Denise.
Visniec demonstra conhecer plenamente a
obra de Tchekhov colocando em cena as personagens do russo em ações que sucedem
aquelas das peças. O melhor exemplo é aquele em que Tchekhov em sua viagem à
ilha de Sacalina encontra com Tio Vânia que após o término da peça da qual é
protagonista realizou o sonho de assassinar Serebriakov, viúvo de sua irmã e
casado com a bela Helena. Pelo crime Tio Vânia é levado para Sacalina, local de
envio dos criminosos russos sobre o qual Tchekhov escreveu um livro quase
científico. Outro instigante momento é aquele em que os médicos de três peças
distintas velam o corpo de Tchekhov (esta é a cena 7 do original, mas as
encenadoras sabiamente a transferiram para o início do espetáculo introduzindo o público no universo do absurdo de Visniec). Visniec se propõe até a colocar
uma aula de dramaturgia dada por Tchekhov ao frágil e inseguro candidato a
dramaturgo Treplev de A Gaivota.
Movidas por suas sensibilidades e pelos
seus plenos conhecimentos do fazer teatral Clara e Denise realizaram espetáculo
maduro que enriquece o texto de Visniec. Elementos essenciais de cena criados
pelo talento de Chris Aizner e personagens vagantes são banhados pela belíssima
iluminação de Wagner Pinto.
Mariana Muniz que já foi Nina na inesquecível
montagem de Lago 21 realizada em 1988
por Jorge Takla tem momentos preciosos como a empregada Anfissa (de As Três Irmãs) que aqui assiste ao
próprio Tchekhov e, principalmente, como Liuba (O Jardim das Cerejeiras)
quase ao final da peça. Emmilio Moreira brilha como o dócil Tio Vânia não
arrependido do crime que cometeu. Brian Penido interpreta Tchekhov frágil à
beira da morte, mais “doente” do que “médico”. Muito bonita a participação de Fernando
Poli como Firs, o criado esquecido de O
Jardim das Cerejeiras. Michel Waisman compõe com delicadeza o andarilho em
busca de novos caminhos talvez representando a revolução russa que estava para
chegar. Ariana Silva, Dinah Feldman e Fernando Rocha completam o homogêneo
elenco.
A lamentar apenas a não inclusão da
cena onde Tchekhov morto visita sua casa em Ialta, agora um museu que é cuidado
por Bobik que nem aparece em As Três
Irmãs, mas é apenas citado pela personagem Solioni (Se esse menino fosse meu, eu o fritaria numa frigideira e o comeria).
Esta é a cena final do original que, segundo as diretoras, por razões técnicas,
não foi incluída na montagem.
Espetáculo intimista para apenas 50
privilegiados com apenas duas sessões semanais só pôde ser realizado pelo fato
do projeto ter sido aprovado pelo Prêmio Zé Renato. É triste constatar que
terminado o patrocínio espetáculo tão belo e importante não consiga se manter
em cartaz. “Teatro, esse enjeitado”, como já dizia Oswald de Andrade. Pobre
cultura brasileira!
A
MÁQUINA TCHEKHOV está em cartaz no Instituto Capobianco aos sábados (21h) e
aos domingos (19h) apenas até o dia 25/10. Como já escrevi no início desta
matéria o espetáculo é IMPERDÍVEL para qualquer tipo de público... agora, se
você ama e/ou faz teatro é INCONCEBÍVEL perdê-lo!
04/10/2015
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