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domingo, 9 de outubro de 2016

UM BERÇO DE PEDRA


TURBILHÃO DE EMOÇÕES

Foto de Marcos Frutig

        Há muito tempo que não se via um espetáculo com carga emocional tão intensa como Um Berço de Pedra. O clima solene e trágico é prenunciado antes da peça começar com o som da lamentosa Sinfonia nº 3 do compositor polonês Henrik Górecki (cujo tema é a maternidade e a separação de entes queridos provocada pela guerra) e a visão de um campo de areia inóspito que será o cenário da peça.
        São cinco histórias de Newton Moreno todas elas envolvendo mães sempre em condições no limite da dramaticidade: uma procura os restos mortais do filho morto e enterrado no jardim da casa daquele que o torturou; outra, grávida, visita seu estuprador na cadeia; uma Medeia contemporânea destila seu ódio na prisão onde se encontra, junto com outras mulheres que assassinaram suas crias; duas mulheres de países inimigos se encontram (uma procura o filho que desapareceu e a outra busca um lugar seguro para parir seu filho) e assim por diante. A peça se iguala em clima e potencial dramático a outras pungentes obras como o poema Sobre o Infanticídio de Maria Farrar de Bertolt Brecht, a peça Incêndios do dramaturgo libanês Wadji Mouawad, o filme Duas Mulheres (La Ciociara) de Vittorio de Sica e a música Uma Canção Desnaturada (Curuminha) de Chico Buarque. Pode-se dizer que o texto de Moreno e a encenação de William Pereira não dão um minuto de trégua ao espectador. A tensão se instala antes da peça começar e segue até o dramático final onde um homem desesperadamente clama por sua mãe. As histórias são entremeadas por cenas de cortina onde uma atriz em êxodo permanente carrega uma mala e alinhava as tramas.

Lilian Blanc/Agnes Zuliani/Luciana Lyra/Eucir de Souza/Débora Duboc/Cristina Cavalcanti - Foto de Marcos Frutig

        O elenco é formado por cinco mulheres e um homem, todos excelentes. Cristina Cavalcanti tem seu grande momento ao interpretar a desesperada mulher grávida do homem que a violentou e certa hora, de joelhos, remete à Sophia Loren do já citado Duas Mulheres, quando esta se desespera por ela e sua filha terem sido estupradas por soldados inimigos. Inconscientemente o gestus se repete, pois as situações são idênticas. Pena não haver uma foto de Cristina na mesma posição para ser comparada com a de Sophia reproduzida abaixo.


         A Medeia de Luciana Lyra é visceral e é penoso acompanhar o seu monólogo tão violento e devastador. Lilian Blanc e Agnes Zuliani dão ares de tragédia às suas falas no jardim do torturador. Débora Duboc faz solenemente as cenas intermediárias e tem seu grande momento nas últimas cenas quando procura o filho desaparecido. Eucir de Souza vai da violência do estuprador à perplexidade quando uma mulher tenta vender o seu filho. Seu grito final por uma mãe que pode ser qualquer uma daquelas apresentadas é de tal força que vai ecoar por muito tempo na cabeça do público.
        Tanta tragédia é mostrada de forma lúdica tanto pela beleza poética do texto de Newton Moreno como pela encenação em tom operístico de William Pereira que também assina a cenografia, composta de areia e poucos adereços de cena, e a trilha sonora com obras de Villa Lobos. Os figurinos de Cristina Cavalcanti ajudam a completar a beleza do cenário.
        Um Berço de Pedra não é espetáculo para quem busca mero entretenimento. Trata de assuntos presentes na violência do mundo contemporâneo e, repito, não dá trégua ao espectador, fazendo-o se emocionar e refletir sobre as barbáries do nosso cotidiano. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL PARA QUEM ACREDITA NO TEATRO COMO ARTE E REPÓRTER DO NOSSO TEMPO.
        Cartaz do Centro Cultural São Paulo às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 20h até 06/11.


09/10/2016

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