TURBILHÃO DE EMOÇÕES
Foto de Marcos Frutig
Há
muito tempo que não se via um espetáculo com carga emocional tão intensa como Um Berço de Pedra. O clima solene e
trágico é prenunciado antes da peça começar com o som da lamentosa Sinfonia nº 3 do compositor polonês Henrik Górecki (cujo tema é a maternidade e a separação de entes queridos provocada pela guerra) e a visão de um campo de areia inóspito que
será o cenário da peça.
São
cinco histórias de Newton Moreno todas elas envolvendo mães sempre em condições
no limite da dramaticidade: uma procura os restos mortais do filho morto e
enterrado no jardim da casa daquele que o torturou; outra, grávida, visita seu
estuprador na cadeia; uma Medeia contemporânea destila seu ódio na prisão onde
se encontra, junto com outras mulheres que assassinaram suas crias; duas
mulheres de países inimigos se encontram (uma procura o filho que desapareceu e
a outra busca um lugar seguro para parir seu filho) e assim por diante. A peça
se iguala em clima e potencial dramático a outras pungentes obras como o poema Sobre o Infanticídio de Maria Farrar de
Bertolt Brecht, a peça Incêndios do
dramaturgo libanês Wadji Mouawad, o filme Duas
Mulheres (La Ciociara) de Vittorio de Sica e a música Uma Canção Desnaturada (Curuminha)
de Chico Buarque. Pode-se dizer que o texto de Moreno e a encenação de William
Pereira não dão um minuto de trégua ao espectador. A tensão se instala antes da
peça começar e segue até o dramático final onde um homem desesperadamente clama
por sua mãe. As histórias são entremeadas por cenas de cortina onde uma atriz
em êxodo permanente carrega uma mala e alinhava as tramas.
Lilian Blanc/Agnes Zuliani/Luciana Lyra/Eucir de Souza/Débora Duboc/Cristina Cavalcanti - Foto de Marcos Frutig
O
elenco é formado por cinco mulheres e um homem, todos excelentes. Cristina
Cavalcanti tem seu grande momento ao interpretar a desesperada mulher grávida
do homem que a violentou e certa hora, de joelhos, remete à Sophia Loren do já
citado Duas Mulheres, quando esta se
desespera por ela e sua filha terem sido estupradas por soldados inimigos.
Inconscientemente o gestus se repete,
pois as situações são idênticas. Pena não haver uma foto de Cristina na mesma
posição para ser comparada com a de Sophia reproduzida abaixo.
A Medeia de Luciana Lyra é visceral e é penoso
acompanhar o seu monólogo tão violento e devastador. Lilian Blanc e Agnes
Zuliani dão ares de tragédia às suas falas no jardim do torturador. Débora
Duboc faz solenemente as cenas intermediárias e tem seu grande momento nas
últimas cenas quando procura o filho desaparecido. Eucir de Souza vai da
violência do estuprador à perplexidade quando uma mulher tenta vender o seu
filho. Seu grito final por uma mãe que pode ser qualquer uma daquelas
apresentadas é de tal força que vai ecoar por muito tempo na cabeça do público.
Tanta
tragédia é mostrada de forma lúdica tanto pela beleza poética do texto de
Newton Moreno como pela encenação em tom operístico de William Pereira que
também assina a cenografia, composta de areia e poucos adereços de cena, e a
trilha sonora com obras de Villa Lobos. Os figurinos de Cristina Cavalcanti
ajudam a completar a beleza do cenário.
Um Berço de Pedra não é espetáculo para
quem busca mero entretenimento. Trata de assuntos presentes na violência do
mundo contemporâneo e, repito, não dá trégua ao espectador, fazendo-o se
emocionar e refletir sobre as barbáries do nosso cotidiano. ABSOLUTAMENTE
IMPERDÍVEL PARA QUEM ACREDITA NO TEATRO COMO ARTE E REPÓRTER DO NOSSO TEMPO.
Cartaz
do Centro Cultural São Paulo às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 20h
até 06/11.
09/10/2016
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