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sexta-feira, 31 de março de 2017

UMA PEÇA POR OUTRA

Foto de Claudinei Nakasone

        Há exatos trinta anos (1987) fui ao Teatro Aliança Francesa junto com alguém (que não lembro quem!) para assistir à nova montagem do Grupo Tapa, Uma Peça Por Outra. O grupo começava a se fixar em São Paulo e sempre sob a direção de Eduardo Tolentino já havia apresentado por aqui duas muito bem sucedidas montagens (O Tempo e os Conways e Viúva, Porém Honesta). Meus ingressos davam direito às poltronas D1 e D3.
        30 de março de 2017. Novamente me dirigi ao Teatro Aliança Francesa para assistir à nova encenação da peça de Jean Tardieu (1903-1995) desta vez produzida pelo Grupo das Dores e dirigida por Brian Penido Ross e Guilherme Sant’Anna (que fizeram parte da primeira montagem). Ao pegar meus convites com a sempre gentil Lívia Carmona, a surpresa: poltronas D1 e D3, ou seja, trinta anos depois assisti à mesma peça, no mesmo teatro e, pasmem, na mesma poltrona!! Outra manobra de Dionísio na mesma semana. O fato virou assunto no coquetel após o espetáculo e até rendeu uma bela foto com a querida Clara Carvalho que também está presente na atual montagem.


        Os esquetes de Jean Tardieu continuam a ser delícia pura. Brincando com as palavras e os jogos teatrais o autor oferece ao público momentos absurdamente divertidos. Os diretores souberam aproveitar o absurdo das situações criando espetáculo leve onde os esquetes são costurados pela bela presença da atriz/cantora Ana Lys que em números de cortina canta canções e introduz a cena que vem a seguir cujo cenário é preparado enquanto a cortina está fechada. Os cenários e figurinos da montagem são assinados por Ana Lys.

Foto de Claudinei Nakasone

        O elenco tem ótimo tempo de comédia como se pode comprovar nos movimentos que remetem ao cinema mudo na cena Uma Palavra Por Outra (Camila Czerkes, Lara Hassum, Paulo Marcos e Felipe Souza), nas mudanças de personagem e trocas de figurinos à Irma Vap com Clara Carvalho pândega como a criada portuguesa no suspense Havia Uma Multidão no Solar (Dalton Vigh e Clara Carvalho), na linguagem propositalmente confusa em peça de teatro que faz questão de ser incomunicável em Só Eles o Sabem (Clara Carvalho, Dalton Vigh, Paulo Marcos, Lara Hassum e Ana Lys como a incrédula espectadora que tenta entender o que está acontecendo em cena), no interessante... em Para Bom Entendedor Meia... (Camila Czerkes, Dalton Vigh e Lara Hassum) e, principalmente, na cena final Conversação Sinfonieta (todo o elenco). O instante nostálgico fica por conta de Oswaldo e Zenaide onde Clara Carvalho e Brian Penido recriam a cena de 1987, com a participação de Paulo Marcos como o pai de Zenaide.

Foto da montagem de 1987 (crédito desconhecido)

            Os músicos Ricardo Augusto (na noite da estreia) e Jonatan Harold (durante a temporada) nos teclados e Bráulio Vidile no acordeão também fazem parte do espetáculo, assim como o ator José Lucas Bello em Conversação Sinfonieta. 
        No melhor estilo do teatro do absurdo de Ionesco a peça faz rir, mas também faz refletir sobre a falta de comunicação entre as pessoas, fato ainda mais grave hoje do que quando o autor a escreveu (entre 1955 e 1975) e o Tapa a montou (1987).

        UMA PEÇA POR OUTRA está em cartaz no Teatro Aliança Francesa de quinta a sábado às 20h30 e aos domingos às 19h até 28/05. NÃO PERCA!

31/03/2017


terça-feira, 28 de março de 2017

NÃO SOMOS AMIGAS

   

        “Inimigas íntimas”, poderia ser outro título da “peça enigma” de Michelle Ferreira recém-estreada no Espaço Beta do Sesc Consolação. Quem são aquelas mulheres se duelando verbalmente? Qual a relação entre elas? A trama bem engendrada conduz o espectador por caminhos sinuosos fazendo-o ficar em suspense na ponta da poltrona durante toda a hora que dura a peça. Os diálogos ágeis e cortantes de amor e ódio entre as personagens são mais um mérito do texto da autora. Escrevendo mais sobre a história corre-se o risco de estragar o prazer do espectador com o surpreendente final.
        Para completar o time feminino, a direção também coube a uma mulher (Maria Maya) notando-se pouquíssima participação masculina na ficha técnica. É o universo feminino muito bem representado na cenografia (Amanda Vieira), nos figurinos que têm papel importante nos detalhes da história (Tatiana Brescia/Danielle Tereza), na luz (Aline Santini) e na sonoplastia (Aline Meyer). Como se nota, pouco sobrou para o assim chamado sexo forte.
        Sabiamente a encenadora concentrou seu foco na direção das duas atrizes Lulu Pavarin e Sabrina Greve, ambas em momento iluminado de suas importantes carreiras. Sabrina tem cenas magníficas como a mulher fragilizada fisicamente, mas dotada de energia e ódio que beiram o insuportável (o movimento de suas mãos frágeis e deficientes pode se inscrever em qualquer antologia de gestus teatral). Lulu faz o contraponto com muita garra sendo dona de domínio cênico raro em nossos palcos. Torna-se imperdível para quem aprecia teatro assistir ao trabalho visceral dessas duas excelentes atrizes.
        Para completar o time feminino só faltou a visão do espetáculo de uma espectadora que com certeza seria muito distinta desta que escrevo.
        NÃO SOMOS AMIGAS fica em cartaz apenas até 18/04 no Sesc Consolação às segundas e terças às 20h. Mulheres e homens não devem perder!

28/03/2017

sábado, 25 de março de 2017

PAGLIACCI


        No meu modo de ver o teatro é o refúgio da esperança e da utopia. Não se trata de refúgio escapista e alienante, mas de um templo onde, nestes dias tão obscuros, se pode vislumbrar uma esperança e onde também se reflete sobre formas de lutar para atingir a utopia, não aquela descrita por Thomas More, mas a “utopia possível” conclamada por Ariane Mnouchkine.
        Maior exemplo disso está em Pagliacci a que tive oportunidade de assistir a ensaio aberto e que estreia na próxima semana no teatro do Centro Cultural FIESP. Uma alegria emocionada – aquele riso acompanhado de lágrimas nos olhos – invade o coração do espectador ao acompanhar a trajetória daquela trupe circense que vai encenar um drama que tem por origem a trama da ópera de Leoncavallo.
        Numa feliz junção dos talentos de Luís Alberto de Abreu (autor), do Grupo Galpão na pessoa de Chico Pelúcio (diretor) e da Cia. LaMínima cujo maior expoente é o inigualável Fernando Sampaio, a montagem resulta, desde já, em um dos mais bem realizados espetáculos do ano. Tudo funciona para a felicidade do espectador: elenco primoroso, trilha sonora criativa, belo cenário remetendo aos telões das óperas e com significativa homenagem a palhaços importantes no telão central. O centro desse telão ostenta o rosto de Domingos Montagner, o grande ausente desta encenação.


        A peça tem tantos momentos antológicos que fica difícil enumerá-los, mas Fernando Sampaio tocando Vesti la Giubba (Ridi, Pagliaccio) no acordeão em miniatura e o grupo tocando trecho de La Traviata no casamento, usando cornetas, bumbos, serrote e garrafas são cenas que não vão se apagar tão cedo da mente e do coração dos espectadores.

Fernando Sampaio

        Tudo está em harmonia na encenação de Chico Pelúcio: a trilha sonora de Marcelo Pellegrini faz perfeita união de músicas gravadas com interpretações do grupo (incluindo até uma canção popular brasileira lindamente interpretada por Keila Bueno); o cenário já citado acima de Marcio Medina é complementado pelos figurinos de Inês Sacay e lindamente iluminado por Wagner Freire e, é claro, o elenco que atua com garra e alegria: o destaque natural é Fernando Sampaio, muito bem acompanhado por Fernando Paz (que narra com muito brilho os acontecimentos), Filipe Bregantim (boa presença cênica), Alexandre Roit (na difícil tarefa de fazer a personagem que seria de Domingos Montagner), Keila Bueno (presença graciosa como a mocinha da trupe) e Carla Candiotto (sua personagem histriônica é responsável por boas risadas do público).


        A montagem comemora com muito brilho os 20 anos da LaMínima estando previstas durante a temporada na FIESP as apresentações de alguns trabalhos significativos do grupo.
        A alegria de se assistir a Pagliacci tem que ser compartilhada. A peça cumpre temporada na FIESP de 27/03 a 02/07 de quarta a domingo às 20h com ingressos gratuitos e deverá fazer muito sucesso junto ao público do local que inclui não só aquele habituado a ir ao teatro, mas também jovens que se iniciam nessa arte tão sofrida, mas que sempre renasce das cinzas. Tenho certeza que esse espetáculo vai fazer esses iniciantes exclamarem: QUERO MAIS!

25/03/2017
       

        

quarta-feira, 22 de março de 2017

4ª MITsp – BALANÇO


         Encerra-se a 4ª MITsp que aconteceu de 14 a 21 de março de 2017 sem o brilho das edições anteriores. No meu modo de ver não houve nenhum espetáculo que causasse os impactos provocados por Sobre o Conceito de Rosto no Filho de Deus, Cineastas (MIT 2014), A Gaivota, Woyzeck, Opus nº 7 (MIT 2015), Still Life, An Old Monk e, principalmente, Ça Ira (MIT 2016).
         Essa observação inicial não invalida de maneira nenhuma a importância e a necessidade do evento deste ano organizado com muita garra por Antônio Araújo e Guilherme Marques.
         Não tive oportunidade de acompanhar, como nos anos anteriores, os eventos paralelos, restringindo-me aos espetáculos. Por falta de agenda deixei de assistir a A Missão em Fragmentos, esperando fazê-lo na temporada que será realizada em abril no Centro Cultural São Paulo.

         Do ponto de vista puramente pessoal faço alguns comentários sobre os espetáculos na minha ordem de preferência:


         - MATELUNA – (Chile) – Dramaturgia e direção de Guillermo Calderón. Lúcido espetáculo de teatro documentário com consistente construção dramatúrgica que prende a atenção do espectador do início ao fim. Emociona e faz refletir sobre a ação dos grupos de luta armada, dos desmandos da polícia e da justiça e da força do teatro em fazer denúncias. Foi o grande momento desta MITsp.


         - BLACK OFF – (África do Sul) – Dramaturgia, direção e atuação de Ntando Cele. A performance de Ntando Cele é não menos que arrasadora quer na primeira parte onde interpreta com ironia uma branca preconceituosa, quer na segunda onde faz um violento libelo contra as classes dominantes que são predominantemente brancas.

         - REVOLUÇÃO EM PIXELS – (Líbano) – Direção e atuação de Rabih Mroué. Definida por Mroué como palestra acadêmica trata-se da exposição de interessantíssimo material sobre a situação sírio-libanesa, formas de filmar uma manifestação e os aterradores vídeos truncados pelas armas de franco atiradores. Mais um grande exemplo de teatro documentário. Muito simples na forma, mas riquíssimo no conteúdo.

         - CAVALGANDO NUVENS – (Libano) – Dramaturgia e direção de Rabih Mroué. A mais poética e palatável peça da trilogia Mroué. Por meio de slides e vídeos a peça conta a vida de Yasser Mroué, irmão do diretor, que aos 17 anos foi atingido pela bala de um franco atirador, teve sérios danos cerebrais e tem seu lado direito paralisado. Yasser é uma simpática presença em cena, cantando e declamando poesias.

         - PARA QUE O CÉU NÃO CAIA (Brasil) – Criação e direção de Lia Rodrigues. Espetáculo ritualístico, sem palavras com nove excelentes bailarinos. Afiado como uma faca e muito forte.

         - TÃO POUCO TEMPO (Líbano) – Dramaturgia e direção de Rabih Mroué. Trata-se de uma contação de histórias feita pela esposa de Mroué, Lina Majdalanie. A trama lembra aquela de O Berço do Herói de Dias Gomes. Precisa na primeira parte, torna-se cansativa na segunda.

         - POR QUE O SR. R ENLOUQUECEU? – (Alemanha) – Direção de Susanne Kennedy. A premissa da encenação é promissora: para mostrar a vida vazia e tediosa do Sr. R, ele e as figuras com quem convive usam máscaras que não mostram os movimentos faciais que poderiam indicar sentimentos, movem-se como autômatos e têm suas vozes pré gravadas. Isenção total de pulsação. O cenário (excelente) confina-se em uma caixa montada no centro do palco. A novidade funciona nos primeiros dez minutos, mas depois se torna tão tediosa quanto a vida do Sr. R. O filme de Fassbinder ia mais direto ao ponto apresentando o mesmo resultado.

         - AVANTE, MARCHE! – (Bélgica) – Direção de Frank Van Laecke e Alain Platel, composição e direção musical de Steven Prengels. Quase um show, o espetáculo demora a engrenar com as gracinhas irritantes de Wim Opbrouck, a segunda parte tem belos números de dança, a presença dos músicos brasileiros e ótimos momentos de Opbrouck.

         - BRANCO – (Brasil) – Texto de Alexandre Dal Farra e direção do autor e Janaína Leite. Um equívoco na forma e no conteúdo: texto e montagem (figurinos, cenário, adereços) confusos fizeram desta a pior experiência da 4ª MITsp. Alexandre Dal Farra tem uma brilhante trajetória que vem desde Mateus, 10, passando pela excelente trilogia Abnegação, mas desta vez o caldo entornou e o resultado de Branco é decepcionante. Conhecendo o autor , posso afirmar que ABSOLUTAMENTE ele não é racista, mas a peça é tão confusa que algumas pessoas chegaram a taxá-lo como tal. Uma pena!
         
         Finda a quarta, já vamos nos preparando para a quinta MITsp que ocorrerá de 01 a 11 de março de 2018. Mais uma vez São Paulo agradece Antônio Araújo e Guilherme Marques pela realização desse fundamental evento para o nosso teatro.


22/03/2017

segunda-feira, 20 de março de 2017

IRACEMA VIA IRACEMA





        Quantas Iracemas viajam naquele ônibus que tem ponto na Praça Roosevelt? Quantas daquela Iracema você já encontrou e até desprezou pelas ruas da cidade? Ela mesma pergunta “Perdeu alguém parecido comigo?”.
        A pesquisa conjunta das companhias Agrupamento Andar 7 e Trupe Sinhá Zózima resultou nesse espetáculo que tem forte interpretação de Luciana Ramin e direção de Anderson Maurício a partir do texto de Suzy Lins de Almeida.
        A encenação é composta de vários flashes da vida dessa mulher marginalizada e semi analfabeta, mas dona de muita coragem e perspicácia para enfrentar os inimigos que encontra pela sua sofrida vida. Apesar de se ressentir de mais forte amarração entre esses flashes, a peça flui de maneira vigorosa em função do trabalho da atriz e dos detalhes da encenação: o ônibus como personagem, os adereços de cena, a iluminação cenográfica de Tomate Saraiva, os figurinos e a trilha sonora com canções que emolduram os vários momentos da vida de Iracema, incluindo até uma bonita versão de India, cantada pela própria atriz, na cena em que a personagem vai a um programa de rádio.


        Luciana Ramin tem porte e talento e entrega-se com muita coragem à sua personagem, despindo-se de qualquer pudor para personificar a sua Iracema. A atriz sabe interagir com o público, além de contornar muito bem certas interferências de algum espectador mais afoito.
        Desta vez o encenador Anderson Maurício optou por manter o ônibus da Sinhá Zózima parado durante a apresentação. A meu ver, solução cênica correta, pois a interação com o cenário externo torna-se mais forte como as investidas de Iracema junto aos passantes e também com o surpreendente momento final.

        IRACEMA VIA IRACEMA está em cartaz até 29 de abril às quintas, sextas e sábados às 21h na Praça Roosevelt, 210 (o ônibus está estacionado em frente à SP Escola de Teatro). Ingressos gratuitos disponíveis uma hora antes do espetáculo. Chegue cedo porque são apenas 24 lugares.

20/03/2017
        

quarta-feira, 15 de março de 2017

4ª MITsp- ABERTURA




NOITE HISTÓRICA DE ABERTURA da 4ª MITsp NO THEATRO MUNICIPAL

        No icônico espaço de cultura que é o nosso Theatro Municipal teve lugar a abertura da 4ª edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Tendo a atriz Georgette Fadel como mestre de cerimônias o evento foi bem enquanto discursaram Guilherme Marques, um dos organizadores do evento junto com Antonio Araújo; Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural e Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. A situação começou a esquentar quando foi chamada a representante da Secretaria Municipal da Cultura. Debaixo de muitas vaias e ao som de “Descongela a Cultura” a moça conseguiu fazer os seus agradecimentos,  no mesmo clima o representante da Secretaria Estadual da Cultura disse o seu obrigado, mas a situação pegou fogo quando foi chamada a representante do Ministério da Cultura; ao som de muitas vaias e de “Fora Temer” ela quis enfrentar o público e então o teatro parecia que ia vir abaixo, houve ainda a infeliz interferência de uma representante da Funarte que só fez aumentar a fúria dos presentes. Foi uma gloriosa manifestação da indignação que pesa em cada um de nós com os descalabros desse governo que diz nos representar. É claro que os ocupantes desses cargos não compareceram mandando esses representantes para serem devorados como boi que cai em rio habitado por furiosas piranhas.




        Após intervalo de dez minutos para acalmar os ânimos, teve início Avante, Marche (que título significativo!) da companhia belga lês ballets C de la B/NTGent. Misturando teatro, dança, música e o virtuosismo do ator Wim Opbrouck a peça faz uma alegoria da sociedade contemporânea por meio das relações de membros de uma orquestra de sopros (algo semelhante ao memorável filme de Fellini, Ensaio de Orquestra). Elenco afinado que canta, toca, dança e representa muito bem. A encenação conta com a participação de músicos brasileiros.


        Nos agradecimentos os músicos brasileiros levantaram uma faixa com os dizeres “SOS BANDA SINFÔNICA” (a banda foi desfeita pelo governo do Estado). A seguir várias pessoas subiram ao palco com faixas: “Cultura não congela, Teatro não se fecha”, “Fomento é direito, queremos respeito”, “Descongela a cultura já!”, sob os aplausos do público.
        E assim essa noite tão significativa para a nossa cultura transformou-se em importante manifestação política cuja repercussão espera-se que ultrapasse o vale do Anhangabaú.

        Obrigado Tó e Guilherme por nos proporcionar a 4ª Mitsp.

        Em tempo: Guilherme Marques informou as datas de realização da 5ª MITsp: de 01 a 11 de março de 2018. EVOÉ!


15/03/2017 

terça-feira, 14 de março de 2017

PONTO MORTO


        O texto de Helio Sussekind parte de uma premissa beckettiana, em especial aquela de Esperando Godot, onde dois homens perambulam continuamente por florestas e cidades sem destino certo. Esses homens são pai e um filho adulto portador de deficiência mental. O filho age como uma criança de três anos de idade, falando frases desconexas, repetindo coisas e perguntando muito ao pai que suporta esse fardo há muito tempo e está no limite de sua paciência.
        As personagens dão margem a duas interpretações magníficas e Marat Descartes (o filho) e Luciano Chirolli (o pai) agarram essa oportunidade e nos oferecem dois trabalhos antológicos. A composição de Marat Descartes é impressionante no falar e no gestual, sendo que o ator não sai da personagem em nenhum momento, parecendo desconcertado até nos agradecimentos finais. A personagem do pai serve de escada para as ações do filho, mas como disse um amigo presente no dia: “Chirolli é escada sim, mas uma magnífica escada de mármore!”.


        O sóbrio e belo cenário de Chris Aizner iluminado por Wagner Pinto e a marcante trilha de Tunica Teixeira são excelentes suportes para a direção conjunta de Camilo Bevilacqua e Denise Weinberg cujo maior mérito é dar vazão às incríveis performances de Marat e Chirolli.
        É lastimável que próximo ao final o texto procure explicar as razões daquela situação resvalando para um realismo piegas que desemboca em inverossímil happy end.

        Pelas interpretações e pela direção, Ponto Morto é espetáculo obrigatório. NÃO DEIXE DE VER.

        PONTO MORTO está em cartaz no Tucarena às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h até 02/04.

14/03/2017


sexta-feira, 10 de março de 2017

ÁGUAS DE MARÇO


        São as águas de março levando e trazendo bons espetáculos para os palcos paulistanos.

Daniel Tavares, Tiago Real, Andrea Dupré, Renata Calmon

        Levaram o ótimo EIGENGRAU – NO ESCURO que esteve em cartaz até domingo, dia 05, na Funarte. O engenhoso texto de Penélope Skinner tem as características da excelente dramaturgia contemporânea inglesa: personagens consistentes, narrativa fragmentada com boa trama e ótimos e ágeis diálogos. Nelson Baskerville faz uma leitura nervosa do texto enfatizando a relação das personagens com as neuroses de uma cidade grande. São dois homens e duas mulheres que se relacionam de maneira inusitada e surpreendente criando a eterna ciranda: A quer B, mas B se interessa por C e D (por quem ninguém se interessa) acaba se interessando por A. Essas figuras são interpretadas de forma naturalista e convincente por quatro ótimos atores: Andrea Dupré, Renata Calmon, Tiago Real (o gordinho e tímido Tomás – o D da ciranda - que abre e fecha a peça dialogando com as cinzas da avó) e Daniel Tavares. Espetáculo simples na aparência, delicioso de se assistir e que merece uma segunda temporada na cidade.

        Trouxeram dois monólogos (tendência crescente como já apontei em outra matéria) e uma peça húngara, fato quase inédito na cena da cidade:


        HAMLET – PROCESSO DE REVELAÇÃO - O Coletivo Irmãos Guimarães que já ofereceu excelentes leituras da obra de Beckett traz essa reflexão do ator Emanuel Aragão sobre o mais famoso e complexo texto de Shakespeare. Ele narra e interpreta cenas da peça de forma surpreendente enfatizando a relação de Hamlet e Horácio e sumariamente tirando Ofélia da história. A trama é permeada com declarações pessoais do ator e com abertura de diálogo com a plateia, podendo provocar - como foi o caso na sessão em que assisti ao espetáculo – reações de alguém do público que quer brilhar mais que o ator que está em cena! Ao meu modo de ver essa interatividade (sinal de contemporaneidade!) só atrapalha a fruição de trabalho tão sólido e bem realizado. Cartaz do Sesc Ipiranga até 26/03 às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h. O ator informa que a peça pode durar entre 2 e 3 horas, dependendo da reação da plateia.


        QUARTO 19 – A atriz Amanda Lyra traduziu e adaptou o conto homônimo de Doris Lessing sobre uma mulher bem realizada na profissão que casa com o homem que ama, tem três belos filhos, abandona o trabalho para cuidar dos pequenos e acaba tornando-se o que se convencionou chamar de “do lar”. Acredita que quando os filhos crescerem possa retornar a uma vida mais ativa, mas aí já é tarde demais... Só lhe resta o quarto19! Amanda defende essa personagem tão parecida com tantas mulheres que se anulam em função da sociedade machista em que vivem; ela narra para a plateia de forma muito natural as fases da vida dessa mulher, interpretando-a em certos momentos, sempre com muito brilho e vigor. A direção limpa de Leonardo Moreira coloca todo o foco no trabalho da atriz. Mais um monólogo de fôlego a se juntar a outros que estiveram ou estão em cartaz na cidade. No Sesc Pinheiros de 09/03 a 15/04 de quinta a sábado às 20h30.


        O PLANETA TÁ UM LUGAR PERIGOSO – Peça húngara contemporânea de László Garaczi montada por iniciativa da também atriz Frida Takáts. A peça é veículo para um surpreendente trabalho de Leonardo Miggiorin que interpreta uma personagem dos sete aos setenta anos (o psicólogo do menino lhe faz uma hipnose progressiva fazendo-o vivenciar o futuro em várias idades até a sua morte). Com esse mote a peça procura levantar questões relativas ao mundo líquido e fugaz em que vivemos, nem sempre sendo clara em suas intenções. Com a ajuda de ótima trilha de André Abujamra e da iluminação de Adriana Dham, Kiko Marques faz uma direção discreta com ênfase no trabalho do elenco que conta, além dos já citados, com João Bourbonnais e Andrea Tedesco. Temporada de 08/03 a 27/04 no Teatro Augusta, ás quartas e quintas às 21h.

        As águas de março trazem também a 4ª MITsp que inicia no dia 14 além de muitas estreias. Viva o nosso teatro que mostra com sua vitalidade e coragem como enfrentar com brio os terríveis momentos que nosso país atravessa.


10/03/2017



sexta-feira, 3 de março de 2017

MATERIAL BOND


        Uma breve pesquisa sobre a vida e obra de Edward Bond (dramaturgo, diretor, poeta e teórico inglês nascido em 1934) nos mostra que ele é autor de mais de 50 peças de teatro, tendo escrito longos prefácios para essas peças, além de textos teóricos com suas reflexões sobre capitalismo, violência, tecnologia e pós-modernismo.
        Curiosamente é um autor pouquíssimo encenado no Brasil. Em São Paulo, sua peça mais famosa Salva (Saved) foi montada em 1975 por iniciativa de Miriam Mehler e dirigida por Ademar Guerra e depois disso outra peça sua foi montada por Fernando Kinas em 2001 (informação constante do programa de Material Bond). E é só! A biografia de Bond comenta que apesar de ser um dos maiores dramaturgos ingleses, ele e sua obra continuam a ser bastante controversos devido à violência mostrada em suas peças, o radicalismo de sua postura em relação ao teatro moderno e suas teorias sobre o drama.
        Em função disso tudo é extremamente bem vinda esta montagem da Kiwi Companhia de Teatro onde o encenador Fernando Kinas faz colagem dos textos teóricos e das fábulas (histórias muito parecidas àquelas criadas por Brecht, tanto na forma como no conteúdo) de Bond, sempre denunciando as desumanidades geradas pelo capitalismo e pela ânsia por dinheiro, além dos horrores das guerras provocadas por tiranos e ditadores. A encenação tem grande suporte nos slides apresentados em grande tela onde prisioneiros de campos de concentração são mesclados com jovens apanhando das tropas de choque nas ruas brasileiras quando da realização de alguma manifestação e Hitler se apresenta ao lado de Alexandre Moraes revistando uma tropa. O espetáculo deixa claro que qualquer semelhança não é mera coincidência. A montagem busca a compreensão da realidade pela razão, mas não deixa de emocionar ao escancarar os desmandos aonde nossa pobre civilização chegou e ao clamar por justiça e liberdade. Busca também contemplar a questão estética com bem equilibrado espaço cênico criado por Júlio Dojcsar e iluminado por Clébio Souza.
        Fernanda Azevedo tem porte e talento para conduzir o espetáculo com a ótima colaboração do músico/ator Eduardo Contrera.
        Não podemos nos permitir as condições do caramujo que tem interrupções dos sentidos por três segundos. Alerta, sempre! Como dizia Caetano em Divino Maravilhoso: “É preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte”
                MATERIAL BOND é espetáculo obrigatório para os dias em que vivemos. Está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade de 02/03 a 25/03. Quintas e sextas às 20h e sábados às 18h. Grátis.


03/03/2017