Não
fui muito ao cinema neste 2018, mas tive boas surpresas com os filmes
brasileiros. Desde o excelente documentário Quando
as Luzes das Marquises Se Apagam
de Renato Brandão, fazendo um poético levantamento dos cinemas da época de ouro
da cinelândia paulistana, passando por Arábia
de Alfonso Uchôa e João Dumans, o lindo Paraíso
Perdido de Monique Gardenberg, o tenso
e bem realizado O Animal Cordial
de Gabriela Amaral, a delicadeza de Benzinho
de Gustavo Pizzi, a contundência de Alma
Clandestina de José Barahona (apresentado na Mostra de Cinema) e culminando
com esse que para mim, não é só o melhor filme nacional do ano, mas o melhor
filme a que assisti em 2018: O Beijo no
Asfalto de Murilo Benício.
Eu
já havia assistido ao filme na Mostra de
Cinema de 2017 e revê-lo só fez aumentar minha admiração por ele. Trata-se
de excelente exemplo do diálogo do cinema com o teatro que com certeza teve
como inspiração Tio Vânia em Nova York
(1994) de Louis Malle, Ricardo III – Um Ensaio
(1996) de Al Pacino e Moscou (2008/2010)
de Eduardo Coutinho, mas tem vida própria demonstrando o talento do ator Murilo
Benício como diretor (este é seu filme de estreia.
Fotografado
em deslumbrante preto e branco por Walter Carvalho, o filme tem cenas que se
passam em mesa de ensaio, em camarim onde as atrizes ensaiam seus papeis, em
cenário de um teatro onde também se avista a plateia. A direção joga com os
planos criando uma saborosa mescla de ilusão e distanciamento. Os atores
representam a si próprios e os personagens da peça de Nelson Rodrigues.
Murilo
Benício reuniu elenco de ouro para seu filme. Dá medo a escrotice do Amado
Ribeiro de Otávio Müller; ótimo também Augusto Madeira como o delegado Cunha. Com
muita dignidade Débora Falabella interpreta a esposa Selminha, papel vivido por
Fernanda Montenegro na primeira montagem da peça em 1961. Lázaro Ramos empresta
seu talento para a perplexidade do personagem Arandir, assim como Stênio Garcia
para o problemático sogro Aprígio. Boa surpresa é a atriz Luiza Tiso que
interpreta a cunhada Dália. Amir Haddad, em participação especial, faz as vezes
do diretor da peça que explica as ações e as personagens para os atores. E por
último a presença iluminada de Fernanda Montenegro como a vizinha Dona Matilde;
a cena em que ela vem contar as novidades para Selminha é antológica e chega a
ser aplaudida pelos espectadores.
Em
época de fake news, de delação e de
abuso de poder, o texto de Nelson Rodrigues mostra-se atualíssimo e sua
estrutura dramática é tão poderosa que consegue manter o suspense mesmo para
quem conhece o surpreendente desfecho da história.
As
adaptações cinematográficas dos textos do autor nunca foram muito felizes, mas
creio que ele ficaria muito satisfeito com o filme de Murilo Benício.
Grande
momento do teatro brasileiro, perdão, do cinema brasileiro, porque antes de
tudo trata-se de magnífico exemplo de tradução cinematográfica de um texto
teatral.
Cena da montagem teatral de 1961 com Oswaldo Loureiro (Arandir) e Fernanda Montenegro (Selminha)
O
filme estreou há menos de um mês e já está restrito a apenas uma sessão (21h)
no Cine Belas Artes, portanto corra para ver.
31/12/2018
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