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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

OUTROS – GRUPO GALPÃO



                Indo contra orientações recebidas na academia segundo as quais se devem evitar verbos como gostar ou adorar em críticas, uma vez que as mesmas devem primar pela neutralidade, inicio esta matéria para escrever em letras garrafais que ADORO O GRUPO GALPÃO! Esta paixão vem desde que assisti a Romeu e Julieta que foi o cartão de visitas que o grupo apresentou a São Paulo. Vejo que isso aconteceu há exatos 26 anos no dia 31 de janeiro de 1993. Desde então acompanho o grupo sem perder nenhum dos seus espetáculos, incluindo uma gloriosa apresentação do mesmo Romeu e Julieta no Globe Theatre, o teatro elisabetano reconstruído em Londres no mesmo local onde Shakespeare se apresentava. Local sagrado tanto para os shakesperianos como para os amantes de teatro em geral. Com muita garra, o Galpão apresentou-se em português e fez muito sucesso não só entre os brasileiros presentes, mas entre a multidão de ingleses que delirou com a ama da fantástica Teuda Bara. Fui uma orgulhosa testemunha de como a peça foi aclamada pelos ingleses. Ao ver a bandeira brasileira tremulando no templo de Shakespeare, senti mais uma das grandes emoções que o teatro já me proporcionou.


        A diversidade de diretores é uma característica do repertório do Galpão. Já assinaram espetáculos, entre outros, Gabriel Villela (o mais assíduo, com três trabalhos), Paulo José, Cacá Carvalho, Yara de Novaes e os próprios componentes do grupo. As duas últimas montagens foram dirigidas pelo carioca sediado em Curitiba, Marcio Abreu. Enfatizo aqui que aprecio muitíssimo essa trajetória, onde com toda essa variedade de encenadores a personalidade do Grupo está sempre presente.
        Faço todo esse preâmbulo para ir contra a maré (a peça está sendo incensada por todos que têm escrito sobre ela) e dizer que tenho muitas restrições a Outros, apesar de reconhecer a ousadia e a coragem do grupo de se aventurar em outros terrenos.
        Vivemos tempos difíceis e a arte tem de estar atenta a isso, revelando sua indignação e revolta sobre o que acontece. Nós, o espetáculo anterior também dirigido por Marcio Abreu, já buscava novos caminhos para o grupo e Outros radicaliza na busca desses caminhos. Isso é extremamente louvável, mas qual a razão para tanta repetição e cenas tão longas e francamente cansativas? O “Não” e a dança de Fernanda Vianna são óbvios e intermináveis, assim como, a cena em que Lydia Del Picchia ensina os passos de dança para o grupo e também a gratuita cena final de sexo e nudez. É nítida a intenção de mostrar o desencanto com o tempo presente, mas um corte de 30 minutos não faria mal nenhum a esse objetivo.


        De qualquer maneira é um prazer imenso testemunhar a coesão e a sincronia do grupo. Duas cenas são ótimas e memoráveis: o canto de Teuda Bara e o monólogo de Antonio Edson. Os números musicais também são excelentes e é sempre um prazer ver Simone Ordones tocando o seu trombone. Lastimável a ausência de Inês Peixoto na sessão que assisti ao espetáculo, pois ela havia sido convocada para gravação televisiva.
        Com todos esses senões (apenas meu ponto de vista!), Outros é espetáculo obrigatório por sua contundência crítica e por ser trabalho honesto e corajoso de um dos mais importantes grupos teatrais do país.

        OUTROS está em cartaz no SESC Bom Retiro às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h até 03 de março.

        31/01/2019

               


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

DOGVILLE


Foto de Ale Catan

        Tudo o que o filme tinha de teatral, a peça tem de cinematográfica. Essa parece ter sido a proposta de Zé Henrique de Paula na concepção deste espetáculo. A peça é apresentada em palco italiano com uso de projeções e reprodução de cenas em vídeo. No espaço cênico quase vazio as cadeiras representam papeis muito importantes: ora são os bonequinhos de estimação da protagonista, ora são os corpos das personagens e ora são simplesmente cadeiras. Esse cenário de Bruno Anselmo contribui para o efeito de distanciamento sugerido pelo autor Lars Von Trier (sem o radicalismo que havia no filme). Os figurinos pesados em cinza e negro de João Pimenta completam o ambiente exigido pela história.

Foto de Renato Mangolim

        Como uma espécie de Chen Te de A Alma Boa de Set Suan, a protagonista Grace parece aumentar seu padecimento cada vez que procura ser melhor e mais solícita com os habitantes da cidade, os quais se mostram cordiais no início, mas à medida que sentem que ela está em suas mãos se tornam cruéis e abusivos. Ela só se torna o Chui Ta da peça de Brecht ao final da peça e o faz de forma radical. A encenação de Zé Henrique de Paula enfatiza a crueldade e o individualismo da sociedade contemporânea, deixando um gosto amargo na boca do espectador que se questiona: o que eu faria em tal situação?
        As personagens principais são Grace, a moça que chega fugitiva em Dogville; Tom, o jovem que a recepciona e protege e o narrador que faz a ligação das diversas cenas e apresenta as personagens.
        Eric Lenate tem presença imponente como o narrador e seu tom de voz colabora para a neutralidade da narrativa. Com uma mudança do lado do casaco, o ator interpreta também o pai de Grace.
        O excelente ator Rodrigo Caetano parece jovem e frágil demais para o papel de Tom e suas cenas românticas com Grace carecem de calor.
        Mel Lisboa firma-se cada vez mais como uma grande atriz e interpreta Grace de maneira solene e com certo distanciamento. Sua figura em cena chega a lembrar à de Nicole Kidman no filme.
        É muito louvável notar nomes famosos como Fabio Assunção, Bianca Byington, Chris Couto e Selma Egrei encarregando-se de pequenos, mas importantes papéis.
        A trilha de Fernanda Maia dá alguma doçura ao ambiente inóspito de Dogville.

        DOGVILLE está em cartaz no Teatro Porto Seguro às sextas e sábados (21h) e domingos (19h). Até 31/03.

        28/01/2019
       


domingo, 27 de janeiro de 2019

RIO GRANDE



        Antes de qualquer outra coisa: Ricardo Gelli vale a ida ao Teatro Sérgio Cardoso.

        Tenho reservas ao fato de entender melhor uma peça ou um filme ao ler sua sinopse do que quando a vejo no palco ou na tela. O fato se torna mais grave quando a sinopse não tem nada a ver com aquilo a que se assiste.
        A dramaturgia pós-moderna lançou mão de novas formas como a narrativa fragmentada e a múltipla ação, abrindo mão das unidades aristotélicas, além dos desfechos em aberto deixando as conclusões para o espectador. Nada contra. E já fomos testemunhas de obras primas realizadas de acordo com essa tendência, mas a obra tem de ter certo fio condutor, tênue que seja, para ao final do espetáculo provocar reflexão, ou simplesmente, divertimento no espectador.
        Ao assistir Rio Grande tentei correr atrás de um fio condutor ao tentar ligar o homem que veste a calça mais forte do mundo com aquele que desliga a webcam; essa e outras tentativas fizeram com que me perdesse no meio do caminho, o que pode ser uma deficiência puramente pessoal. O que manteve minha atenção foi a interpretação de Ricardo Gelli, que é digno representante dessa geração de atores talentosos nascidos em plena ditadura no final da década de 1970 e que hoje, por meio do teatro, lutam bravamente por um Brasil melhor.
         O personagem envolvido com homens para transar com sua mulher, com um crime e com um delegado passa a hora que dura a ação dialogando com essas duas figuras invisíveis e com o próprio público, dirigindo-se ora à direita para um paletó que representa o delegado, ora à esquerda para a webcam e ora de frente quando se dirige diretamente para o público. Gelli, propositalmente envelhecido em cena, muda gestual e tom de voz ao se dirigir aos diferentes receptores demonstrando todo seu talento e potencial de intérprete.
        O autor Sergio Mello também assina a direção valendo-se de simples, mas muito criativo cenário (dele e de Gelli) formado por  muito copos que dão especial colorido à cena quando iluminados pelas luzes criadas por Gelli. Complementam a cena os belos efeitos visuais criados por André Grynwask e Pri Argoud.
        O inusitado da obra surge desde seu título. Por que Rio Grande?
        Rio Grande não é espetáculo fácil, mas precisa ser visto, no mínimo, para testemunhar uma interpretação, que já pode se inscrever na lista das melhores do ano.

        RIO GRANDE está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso até 17/03 com sessões às sextas e sábados às 19h e aos domingos às 17h.

        27/01/2019

sábado, 26 de janeiro de 2019

TBC 70 ANOS



        A companhia Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) fundada pelo empresário italiano Franco Zampari (1898-1966) em 1948, depois de invejável trajetória artística, enfrentou graves problemas administrativos e financeiros tendo morte melancólica em 1964 com o fracasso comercial de Vereda da Salvação, sob a direção de Antunes Filho. Escrever sobre a importância e a influência que essa companhia, seus atores, diretores e equipes técnicas tiveram para o teatro brasileiro seria mera repetição do que atestam muitos livros e trabalhos acadêmicos sobre o assunto. Basta lembrar que em seus 17 anos de existência passaram pela sala do prédio da Rua Major Diogo 96 títulos produzidos pela companhia, dando média de cinco e meia produções por ano (só em 1950 16 títulos ocuparam os cartazes do teatro, todos eles com produções caprichadas).


                O que restou daquele TBC, além da já mencionada herança artística? Um prédio abandonado já há alguns anos que passou por várias mãos e hoje espera a tão merecida restauração e volta à ativa. Para relembrar a importância do TBC e para chamar a atenção para a recuperação do prédio a Associação Amigos do Teatro Brasileiro de Comédia e do Teatro Brasileiro (ATBC) organizou homenagem na Biblioteca Mário de Andrade com a leitura cênica de duas peças que foram marcantes na trajetória da companhia: Volpone (1955) e A Semente (1961).


        Cabe lembrar que a Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) concedeu em 2018 o prêmio especial 70 anos da fundação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em memória de Franco Zampari, destacando no prêmio a merecida homenagem ao muitas vezes injustiçado fundador da companhia.


        Nesta homenagem a peça Volpone de Ben Jonson teve dinâmica direção de Johana Albuquerque (a direção de 1955 foi de Ziembinski), tendo Daniel Alvim e Luciano Gatti nos papeis que foram, respectivamente, de Ziembinski e Walmor Chagas. A diretora contornou as dificuldades da leitura de texto muito longo e verborrágico com a indumentária, o visagismo e, principalmente, a movimentação do elenco. Cabe destacar a deliciosa composição que Luciano Gatti deu ao seu personagem Mosca.


        A Semente, peça emblemática de Gianfrancesco Guarnieri, teve encenação antológica de Flávio Rangel em 1961. Apesar de sua importância, a peça nunca mais foi montada e esta recriação cênica de Cibele Forjaz reveste-se da maior importância. Utilizando-se de imagens de filmes a diretora criou ambiente propício para a ação da peça, auxiliada pelo excelente elenco liderado por Denise Fraga (Rosa) e Celso Frateschi (Agileu) compondo as personagens criadas em 1961 por Cleyde Yáconis e Leonardo Vilar. Foi particularmente bonito presenciar a diretora (só pequena no tamanho) correndo pelos corredores da Biblioteca como uma maestrina, orientando entradas e saídas do elenco e orquestrando harmoniosamente a encenação. Ah! A magia do teatro!
        Dessa maneira o aniversário dos 70 anos do prédio que abrigou uma das mais emblemáticas companhias teatrais do país não passa em branco e que toda essa movimentação sirva para sensibilizar as autoridades da importância daquele espaço cultural para que ele volte a ter seus dias de glória para o bem da nossa tão negligenciada cultura.
        AMÉM.

        VIVA O TEATRO BRASILEIRO!

        26/01/2019

         

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

ABUJAMRA PRESENTE - UM TRIBUTO EXORBITANTE AO PROVOCADOR com OS FODIDOS PRIVILEGIADOS



        O nome da nossa companhia é esse pois somos Fodidos porque fazemos teatro no Brasil e somos Privilegiados porque fazemos teatro no Brasil. Mas hoje eu diria que somos Privilegiados porque fizemos teatro com Antônio Abujamra”. Esta bela frase consta do programa da peça em cartaz no SESC Ipiranga que é um tributo ao Mestre Abu, como era carinhosamente chamado o fundador do grupo e diretor do mesmo por cerca de dez anos.
        Também somos Fodidos Privilegiados! Fodidos por estarmos vivendo neste país caótico e Privilegiados por termos a oportunidade de ver no palco Guta Stresser, Rose Abdallah e Dani Barros (a inesquecível Estamira), atrizes cariocas ausentes a bom tempo dos palcos paulistanos, além de outros elementos que fizeram ou ainda fazem parte do grupo, hoje sob a direção de João Fonseca, discípulo de Abu e também presente em cena.

Guta Stresser e Rose Abdallah

        A montagem é uma festa irreverente, ousada e politicamente incorreta bem ao estilo do homenageado. Trata-se da colagem de cenas de peças que o provocador dirigiu para o grupo, além de frases do artista e supostas cenas de ensaios onde Abu dirigia aos atores irônicos, agressivos, mas no fundo carinhosos, petardos. Atrizes e atores vestem camisolas que têm  seus sobrenomes na parte traseira. (figurinos de Nello Marrese)
        São apresentadas cenas de muitos espetáculos, entre eles de O Casamento, de A Serpente e até de Tudo no Timing que não foi dirigida por Abujamra, mas que tem o seu toque (ele assinou a coreografia do espetáculo) na hilária cena Variações Sobre a Morte de Trotsky recriada com o elenco original (Denise Sant’Anna, Nello Marrese e Ricardo Souzedo).
        Como não se deliciar com a implicância que aquela mulher (divertida criação de Dani Barros) tem da Dona Célia? E com a cena do beijo de O Casamento? E com Rose Abdallah seduzindo o patrão? São tantos os momentos antológicos que é difícil citar este ou aquele.
        Ao que eu saiba este espetáculo é uma versão reduzida daquela grande homenagem a Abu realizada pelo grupo no Teatro Dulcina em 2015, ano da morte do diretor. Aqui ele complementa a abrangente exposição Rigor e Caos – Antônio Abujamra que tem curadoria da sobrinha do homenageado, Marcia Abujamra.

        O espetáculo de Os Fodidos Privilegiados fica em cartaz só até o próximo fim de semana (27/01). CORRA!!!
        A exposição e a programação a ela integrada seguem em cartaz no SESC Ipiranga até 17 de março. Não precisa correr, mas não deixe de ver!

VIVA ABU! VIVA O TEATRO BRASILEIRO!


        21/01/2019


domingo, 20 de janeiro de 2019

QUANDO ISMÁLIA ENLOUQUECEU


Joseli Rodrigues/Salete Fracarolli/Cleide Queiroz/Maria do Carmo Soares
Foto de Sillas H e Vini Poffo

       A poesia de Alphonsus de Guimarães (1870-1921) que dá título a esse delicado espetáculo é um dos mais belos exemplos da poesia simbolista brasileira. Merecidamente ela aparece por duas vezes na montagem. No início, belamente musicada por Tato Fischer, e quase ao final quando é dita por Joseli Rodrigues entremeada por outra poesia dita por Salete Fracarolli. Na sua doce loucura Ismália consegue o feito de ter o céu e o mar ao mesmo tempo. E a doce loucura do grupo As Tias consegue o feito de nos deliciar por uma hora com o que de mais belo os poetas brasileiros do final do século XIX produziram.
       Recital de poesia? Não! Por meio de criativo roteiro elaborado pelo grupo e pelo diretor Fernando Cardoso essas deliciosas quatro damas indignas interpretam, cantam e até dançam o melhor que os poetas escreveram tendo a liberdade de cantar a Canção do Exílio de Gonçalves Dias com a melodia de Torna a Surriento e até fazer uma paródica interpretação de uma música brega (A Noiva) que fez muito sucesso nos anos 1950 nas vozes de Agnaldo Rayol e Cauby Peixoto (Branca e radiante vai a noiva...).
       Com suas vastas experiências de palco Maria do Carmo Soares e Cleide Queiroz dominam a cena, muito bem acompanhadas por Salete Fracarolli e Joseli Rodrigues. A simpática figura de Tato Fischer faz o acompanhamento musical ao piano, eterna presença no palco da Biblioteca Mário de Andrade, que desta vez tem função nobre em um espetáculo.
       Quando Ismália Enlouqueceu não pretende revolucionar a cena teatral brasileira, mas é espetáculo digno e divertido que enaltece de maneira lúdica a literatura e a poesia brasileira, não caindo em momento algum no didatismo . Isso não é pouco!
       Em cartaz na Biblioteca Mário de Andrade até 17/02 aos sábados e domingos às 18h. Ingressos gratuitos.

       20/01/2019
      


sábado, 19 de janeiro de 2019

NUNCA FOMOS TÃO FELIZES


        O filão de tramas que envolvem encontro de casais ou famílias e que depois de alguns estímulos (etílicos ou não) tiram a máscara social e começam a destilar verdades com requintes de crueldade, creio que foi inaugurado na década de 1960 com A Volta ao Lar de Harold Pinter e, principalmente, Quem Tem Medo de Virginia Woolf de Edward Albee. O sucesso dessas peças gerou várias outras nas dramaturgias inglesa e norte americana das quais se pode citar algumas que chegaram até os palcos brasileiros: Closer (Patrick Marber), Jantar Entre Amigos (Donald Margulies), Deus da Carnificina (da francesa Yasmina Reza).
        Dan Rosseto retoma o filão em Nunca Fomos Tão Felizes colocando dois casais em cena que após início de conversa cordial iniciam combate verbal e até físico. A novidade é a presença do irmão do protagonista que sofre de síndrome de Tourette (bela composição do ator Luccas Papp, que emociona na última cena da peça).
        A direção de Rosseto conduz a narrativa pontuando-a com belíssima trilha sonora que inclui Nina Simone, Billie Holiday e muitas canções de Cole Porter. Essa trilha formidável por vezes atrapalha os diálogos uma vez que todo sonoplasta sabe que não é bom mesclar músicas cantadas com a fala dos atores, sob o risco do espectador ficar dividido em prestar atenção na fala ou na voz do cantor. Um reparo à interessante cenografia de Luiza Curvo formada de malas que assumem várias funções: em 1962, época em que se situa a ação, os gramofones já eram peça de museu e nunca puderam reproduzir LPs que eram a mídia da época.
        É bom e oportuno o irônico título que Rosseto escolheu para sua peça. Ele já foi usado por Murilo Salles em 1984 em triste e nada feliz filme sobre a relação de filho e pai na época da ditadura brasileira. Aqui também essas cinco figuras podem ser tudo, menos felizes.
        Os figurinos de Kleber Montanheiro reproduzem a contento a época em que se passa a peça, haja vista o “modelito” usado pela personagem Simone.


        Não há como não destacar a forte interpretação de Nicole Cordery que leva a plateia quase ao delírio. Ela personifica Simone, uma mulher de meia idade que se mostra segura de si, cruel e individualista, mas que ao longo da trama vai desmoronando e, literalmente, se desnudando dessa máscara. O melhor elogio para este trabalho é que se Cacilda Becker fosse interpretá-lo, ela faria exatamente como Nicole o faz.
        Noite de estreia é sempre complicada: não senti firmeza, nem um “à vontade” na interpretação de Mateus Monteiro que sempre se revelou excelente ator em outros trabalhos, mas creio que isso possa se resolver durante a temporada.
        Completam o elenco Larissa Ferrara e Eduardo Martini, este em papel bastante diverso daqueles que tem interpretado em comédias.
        NUNCA FOMOS TÃO FELIZES está em cartaz no Teatro Itália até 17/03. Sextas e sábados 21h e domingos 18h.

        19/01/2019
       
        

domingo, 13 de janeiro de 2019

SOB O CÉU DE RUBEM BRAGA


Bruno Cavalcanti

       O maior elogio que se pode fazer ao delicado espetáculo dirigido por Antônio Januzelli e elegantemente interpretado por Bruno Cavalcanti é que se sai da peça com enorme vontade de ir a uma livraria para adquirir e mergulhar em um livro de crônicas do escritor nascido capixaba em 1913 e morto carioca em 1990.

Rubem Braga

       Rubem Braga é reconhecido como o maior cronista brasileiro e dentre a infinidade de textos que ele escreveu o ator e o diretor escolheram meia dúzia de pérolas muito bem amarradas, com destaque para a obra prima Aula de Inglês que é responsável por delicioso momento de humor dentro da montagem.
       Cavalcanti inicia a peça fazendo breve introdução de quem foi Rubem Braga (algo bastante oportuno, pois as novas gerações talvez não o conheçam), para em seguida fazer a interpretação das crônicas iniciando por O Conde e o Passarinho que é uma das primeiras escritas por Braga e onde ele já deixa claro sua posição social desdenhando do conde industrial (trata-se do Conde Matarazzo) e enaltecendo a natureza (o passarinho).

Antônio Januzelli

       Excelente diretor de atores, Antônio Januzelli acerta mais uma vez neste belo monólogo onde todo o brilho recai no excelente trabalho de Bruno Cavalcanti que cativa o público com seu talento e simpatia.  Crédito para o pensamento da voz expressiva assinado por Mônica Montenegro.

       SOB O CÉU DE RUBEM BRAGA está em cartaz no SESC Ipiranga até 3/2. Sextas (21h30)/Sábados (19h30)/Domingos e feriados (18h30).

       13/01/2019

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O JARDIM DAS CEREJEIRAS



        No ano 2000 ao escrever sobre O Jardim das Cerejeiras dirigida por Elcio Nogueira, Mariangela Alves de Lima abria sua matéria em O Estado de S. Paulo com a seguinte frase: “Na história do teatro brasileiro, as encenações de Anton Chekhov são mais escassas do que as de tragédias gregas ou dos textos clássicos de outros períodos da história”. Uma análise rápida dos textos clássicos estrangeiros montados em São Paulo mostra que nos últimos dezoito anos esse cenário mudou e o nome de Tchekhov é bastante presente deixando, às vezes, atrás de si os clássicos gregos, Brecht, Beckett, aqueles americanos tão caros à cena paulistana (Tennessee Williams, Eugene O’Neill e Arthur Miller) e até Shakespeare! (vide o ano de 2014).

Anton Tchekhov (1860-1904)

        O desencanto presente na obra do dramaturgo russo e a passividade de seus personagens seriam algumas das razões da escolha dos nossos encenadores por sua obra nos dias de hoje? Existe interessante análise desse assunto no recém-lançado Tchekhov e os Palcos Brasileiros de Rodrigo Alves do Nascimento (Editora Perspectiva).   
        Uma comédia de Tchekhov abre a temporada teatral paulistana. Comédia? O Jardim das Cerejeiras é assim classificada pelo autor, talvez pelas interferências das personagens dos criados Duniacha, Iacha e Firs e principalmente do irmão de Liuba, Gaev que na verdade estão mais para patéticos do que para engraçados. O tema principal da peça, no entanto, não é nada cômico, pois trata da decadência da elite russa diante da ascendência de uma nova classe dona do dinheiro.
        O Grupo TAPA comemora seus 40 anos de vida com a encenação dessa que foi a última peça escrita por Tchekhov e a escolha não podia teria sido mais acertada. O belíssimo texto revela-se bastante atual, tem o perfil de seu diretor Eduardo Tolentino de Araujo e dá chance de grandes interpretações para atrizes e atores que acompanham o TAPA desde a sua fundação, assim como a outros que foram se incorporando ao grupo.
        Contando com a belíssima iluminação do constante colaborador Nelson Ferreira e com o despojado cenário cuja autoria não consta do programa, Tolentino realiza espetáculo delicado, de rara beleza e com interpretações antológicas. É particularmente belo o momento em que a contrarregragem transforma velho guarda roupa em janela na qual Liuba, Gaev e Vária ficam admirando o jardim das cerejeiras.
        Sergio Mastropasqua empresta ao seu Lopakhin toda a ambiguidade requerida pelo personagem. Natália Beukers é uma deliciosa surpresa como a criada Duniacha. Anna Cecília Junqueira tem a responsabilidade de interpretar Vária, uma das mais importantes personagens da peça, e o faz com muita dignidade. A personagem do criado Firs é feita com a habitual competência de Guilherme Sant’Anna, apesar de a barba dificultar o total entendimento de suas falas.
        Brian Penido Ross está muito à vontade como Gaev, perdido em seus sonhos e devaneios e Clara Carvalho mais uma vez empresta seu imenso talento para a personagem principal da peça que é Liuba, proprietária do cerejal que está prestes a ser destruído por conta da especulação imobiliária representada por Lopakhin. Sua belíssima interpretação soma-se a outras maravilhosas Liubas vividas no Brasil por Vanda Lacerda (1968 – RJ), Cleyde Yáconis (1982 – SP), Nathalia Timberg (1989 – RJ), Tônia Carrero (2000 – SP) e Carolina Fabri (2014 – SP).

Programas de montagens a que assisti

        O que virá após a derrubada do cerejal? Existe a esperança profetizada pelos jovens Pétia e Ânia?   Muitas perguntas, poucas respostas, mas o que sabemos é que Tchekhov antecipou em sua obra a Revolução Russa que aconteceria 13 anos após ela ter sido encenada pelo Teatro de Arte de Moscou, dirigida por Stanislavski.

        O JARDIM DAS CEREJEIRAS está em cartaz no Teatro Aliança Francesa até 24/02 com sessões de quinta a sábado às 20h30 e domingo às 19h. Além das apresentações o grupo fará, durante a temporada, ciclo de leitura de dramaturgos russos toda segunda feira às 19h.
        A peça abre com chave de ouro a temporada teatral paulistana.

IMPERDÍVEL

        11/01/2019

        
        
        
        

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A DRAMATURGIA BRASILEIRA NOS PALCOS PAULISTANOS EM 2018


Palco e plateia/Ator e espectador: As únicas coisas de que o teatro não pode abrir mão - Foto de Letícia Godoy: Cia. Mungunzá no Teatro de Contêiner

                Conforme obtido nos guias de teatro no ano de 2018 estiveram em cartaz nos palcos paulistanos 550 títulos de autores brasileiros, número que pode ser conferido no banco de dados que alimento mensalmente desde 1990. O gráfico abaixo mostra a evolução do número de peças brasileiras apresentadas em São Paulo de 1990 a 2018.


        Pode-se notar no gráfico como a tendência de crescimento aumentou após 2002, ano em que entrou em vigor a Lei do Fomento (o primeiro edital é de junho de 2002). Nota-se também que apesar de se manter em nível elevado em relação à média de anos anteriores, o número de peças em 2018 teve significativa queda de 13% em relação a 2017 (de 633 para 550), o que pode ter sido ocasionado pelas incertezas que rondam as políticas para o teatro e para a cultura de maneira geral.

        Segundo amostras coletadas nos guias de teatro, porcentagens aproximadas indicam que a cena paulistana está assim dividida:
                Dramaturgia brasileira: 45%
                Dramaturgia estrangeira: 20%
                Stand Up: 15%
                Teatro Infantil: 20%
        Considerando o número preciso de 550 para dramaturgia brasileira e usando as porcentagens acima, podemos inferir que a cena paulistana teve cerca de 1220 espetáculos em cartaz no ano de 2018, sem levar em conta os trabalhos realizados nas ruas e na periferia da cidade que não constam dos guias consultados.

        Voltando à dramaturgia brasileira que é o objeto desta matéria, segue abaixo uma análise do que ocorreu em 2018.
        Os 550 títulos podem ser tanto estreias como reestreias de espetáculos vindos do ano anterior.

        Nelson Rodrigues continua sendo o autor mais montado, comparecendo em dez montagens, seguido por Plínio Marcos e Ronaldo Ciambroni cada um deles com sete espetáculos montados. É curioso notar que das sete montagens de peças de Plínio Marcos, quatro foram da clássica Navalha na Carne.
        O único autor que teve quatro títulos montados foi Rodolfo García Vázquez, sendo que dois deles tiveram Ivam Cabral como coautor.
        14 dramaturgos tiveram três montagens de seus trabalhos. São eles: Alamo Facó, Alexandre Dal Farra, Aziz Bajur, Carol Rainatto, Hugo Possolo, Julia Spadaccini, Marcelino Freire, Márcio Azevedo, Mário Bortolotto, Paula Giannini, Pedro Fabrini, Regiana Antonini, Sérgio Roveri e Viviane Dias.
        51 dramaturgos compareceram com duas montagens.
        37 espetáculos aparecem como criação coletiva (33) ou processo colaborativo (4). Estas classificações são passíveis de crítica porque nunca aparecem de maneira explícita na ficha técnica.
        345 autores tiveram um espetáculo montado. Muitos nomes desconhecidos aparecem nesta lista e lamentavelmente é muito difícil que eles voltem a comparecer no futuro.
        É sempre estimulante ver a presença de Gianfrancesco Guarnieri (Eles Não Usam Black Tie), Jorge Andrade (A Escada), Raimundo Magalhães Júnior ( A Canção Dentro do Pão), Martins Pena (O Diletante e O Usurário), e até Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas e O Espelho) e Guimarães Rosa (O Espelho).
        Louve-se a realização da IV Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos do CCSP que entre outros tantos méritos este ano revelou o autor Jhonny Salaberg (Buraquinhos ou O Vento É Inimigo do Picumã).
        A qualidade da dramaturgia brasileira marcou presença com o já citado Buraquinhos e O Desmonte (Amarildo Felix), Pequena Ladainha 1 e 2 (Chico Carvalho), Michel III – Uma Farsa à Brasileira (Fabio Brandi Torres), Pousada Refúgio (Leonardo Cortez), Homem ao Vento (Marcos Damaceno) e Aproximando-se de A Fera na Selva (Marina Corazza).

        A maioria dos textos foi criada isoladamente pelo(s) autor(es) (495) ou foram adaptações assinadas pelo adaptador (18). Houve 33 criações coletivas e 4 processos colaborativos. Em 78 casos a obra contou com coautor.

        Em 278 trabalhos o autor exerceu outras funções como ator e/ou diretor.

        Foram 321 dramas, 116 comédias, 40 musicais e 73 que se classificam como comédia dramática, tragicomédia, comédia romântica e outras invencionices como “teatro coreográfico”, “happening gay”, “humor sombrio”, “transcendental”.

        Quanto ao número de atores houve 103 monólogos, 89 espetáculos com dois atores e 358 com três ou mais atores.

        Apenas 73 espetáculos explicitaram a ligação com um grupo/companhia.

        A cena paulistana apresentou em 2018 a média de 46 novos títulos de autores brasileiros por mês, mas o total em cartaz se manteve constante, assim se pode concluir que em média 46 títulos deixaram o cartaz a cada mês, o que significa alta rotatividade e pouco tempo de permanência em cartaz, inibindo a possibilidade de haver um dos mais eficientes meios de divulgação de um espetáculo que é o “boca a boca”.

        2019 começa com perspectivas tenebrosas para a cultura e para a liberdade de expressão, mas tenho certeza que o nosso teatro sobreviverá. As estreias de vários espetáculos já estão sendo anunciadas e pelo menos já estão confirmadas a MITsp e a Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos do CCSP.

        Muita água vai passar debaixo do rio e nós estaremos na plateia de algum templo da utopia e da esperança aplaudindo o trabalho dos corajosos homens e mulheres que fazem do teatro sua bandeira de resistência e de luta.

        VIVA O TEATRO!

        02/01/2019