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sábado, 9 de novembro de 2019

A VALSA DE LILI


 
        Beckett já colocou sua personagem Winnie enterrada até o pescoço em Dias Felizes e radicalizou ainda mais ao colocar apenas os lábios de uma atriz em cena, tudo isso para falar sobre o absurdo que é viver.
        Lili está presa e imóvel em uma cama de hospital por toda sua vida, mas neste caso trata-se de situação real, “absurdamente” real! Atacada pela poliomielite quando criança, Eliana Zagui ficou tetraplégica e foi praticamente abandonada pela família. Vivendo em um hospital, ela foi aprendendo a viver dentro de suas limitações tornando-se escritora, pintora e mais que isso, um exemplo de superação diante de tanto sofrimento.
        O livro Pulmão de Aço escrito por Eliana serviu de base para A Valsa de Lili, peça teatral escrita por Aimar Labaki e interpretada com grande paixão por Débora Duboc sob a direção de Débora Dubois.
        Débora Duboc está em cena com roupas brancas em um leito hospitalar coberto de lençóis também muito alvos (cenografia e “figurino objeto” de Márcio Vinicius). Só tem a cabeça para se comunicar e quando o público adentra o espaço ela se mostra muito feliz e descontraída sorrindo e cantando músicas da Rita Lee.
        O relato de Lili falando de sua infância, do cotidiano no hospital, de momentos alegres como a visita de Fabio Júnior, de outros muito tristes como o abandono da família e a morte de companheiros vizinhos de cama e ainda revelando indignação ao dizer que até para morrer depende de terceiros é muito comovente e Débora Duboc é no mínimo surpreendente na interpretação dessa figura extraordinária.
        A interpretação de Débora Duboc vem somar-se a outros não menos excelentes trabalhos femininos neste conturbado 2019 (Cássia Kiss, Esther Laccava, Juçara Marçal. Lara Córdulla, Tânia Bondezan, Analu Prestes, Virginia Buckowski, Juliana Sanches, Alejandra Sampaio, Helena Ignez, Yara de Novaes, entre tantas outras). O poder feminino é símbolo de resistência no teatro e o maior exemplo disso é a figura da grande Fernanda Montenegro do alto dos seus 90 anos de vida digna e laboriosa.
        A delicada direção de Débora Dubois está focada na interpretação de sua xará com o auxílio da cenografia e “figurino objeto” de Márcio Vinicius, tudo isso sob a iluminação sempre competentíssima de Aline Santini. Apesar do tema, em momento nenhum o espetáculo resvala para a emoção fácil, porém não há um espectador que não saia da sala enxugando as lágrimas e acenando para aquela figura imóvel que se despede dele com um sorriso nos lábios.
        Devemos essa grande demonstração de sensibilidade, humanidade e exemplo de vida a Eliana Zagui, Aimar Labaki, Débora Dubois e, é claro, a Débora Duboc em momento extraordinário de sua carreira de grande atriz. Que venham os prêmios, porque a interpretação para recebê-los já existe.
        Termino esta matéria com o dizer de Eliana Zagui: apesar do corpo imóvel, “minha alma nunca deixou de dançar”.


        A VALSA DE LILI está em cartaz no Giostri Livraria e Teatro (antigo TOP Teatro, ao lado do Teatro Sérgio Cardoso) às quintas e sextas às 21h até 13/12. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL.

 

        09/11/2019

 

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