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quinta-feira, 29 de setembro de 2022

MASTER CLASS – POÉTICAS DA ATUAÇÃO

 

Lee Taylor, ainda como Thalor, teve carreira brilhante como ator junto ao Grupo Macunaíma dirigido por Antunes Filho onde estreou em 2006 já como o protagonista Quaderna no memorável As Pedras do Reino. Reforce-se que suas participações nos espetáculos de Antunes foram todas memoráveis: Misael em Senhora dos Afogados (2008), Malandro em Foi Carmen (2008), Tuninho em A Falecida Vapt Vupt (2009), culminando com a antológica interpretação do papel título de Policarpo Quaresma (2010). Para este espetáculo Lee insistiu com Antunes para que em determinado momento o personagem sapateasse ao som do Hino Nacional. A princípio o diretor resistiu à ideia. Lee ensaiou bastante a cena e volta e meia a apresentava a Antunes nos ensaios, até que este concordou em incorporá-la à peça, sendo que a mesma se tornou um momento mágico, onde Lee era aplaudido em cena aberta em todas as apresentações. Já reproduzi a foto acima em outra matéria deste blog, mas nunca é demais estampá-la mais uma vez por seu valor histórico e pelo símbolo do que é uma atuação participativa e criativa, assunto da presente série.

O Núcleo de Artes Cênicas (NAC) foi criado em 2013 por Lee, que agora grafa seu sobrenome com Taylor.

Com a criação do NAC, Lee se afasta por um tempo da atuação atuando como líder do grupo, dirigindo e ministrando aulas de interpretação.

Volta à interpretação apenas em 2016 sob a direção de Cibele Forjaz como Garga em Na Selva das Cidades e em 2022 está no elenco de Rodeio, ainda em início de processo de montagem pelo Teatro da Vertigem.

O grande ator faz falta em nossos palcos e um retorno a eles é sempre bem-vindo, mas Lee não se acomoda à frente do NAC e prova disso é a realização dessas palestras reunidas com o título de Master Class-Poéticas da Atuação, onde figuras icônicas do nosso teatro como Zé Celso Martinez Corrêa, Maria Thaís, Cacá Carvalho, Alexandre Mate, Marcio Abreu e Antônio Januzelli discorrem livremente durante cerca de uma hora sobre o tema proposto.

Na noite de ontem assisti à palestra de Alexandre Mate, meu Mestre, meu orientador e meu grande amigo! Com a erudição e a sofisticação sem afetação sempre presentes em suas falas, Mate deu uma saborosa aula para aqueles que fazem e/ou amam o fazer teatral.


Por questões de agenda só poderei assistir à fala do também querido Janô, mas não deixarei de assistir às outras palestras que, segundo Lee, logo mais estarão disponíveis on line.

A série está sendo apresentada nesta semana no  Cine Bijou que em boa hora volta a estar em atividade graças aos esforços dos Satyros Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral.

29/09/2022

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

VERÃO – GRUPO GATTU

 

No ano de 2017 ao listar os premiados com o virtual Zescar, criei uma categoria especial de ACOLHIMENTO para destacar a maneira carinhosa e gentil como o espectador era recebido no Teatro do Sol, aconchegante espaço localizado no bairro de Santana, sede do Grupo Gattu. Retornei várias vezes ao Teatro do Sol sempre recebido com muito afeto por todos, desde o pessoal de apoio até o elenco.

E mais uma vez foi assim no domingo, dia 25 de setembro de 2022, quando fui assistir à última apresentação de Verão com texto, direção e interpretação da guerreira Eloisa Vitz. Acolhimento tão simpático predispõe o espectador a melhor fruir o espetáculo a que vai assistir.

Incansável, Eloisa vem escrevendo uma tetralogia considerando as quatro estações do ano. Verão era para ter estreado na estação que lhe corresponde, mas os atrasos devido à pandemia mudaram os rumos e a peça acabou vindo à cena tempos depois, em pleno inverno de 2022.

Verão é uma comédia gostosa com uma série de peripécias envolvendo funcionários e hóspedes de um hotel de luxo. No versátil cenário criado por Heron Medeiros, o elenco se movimenta e nas entre cenas se desloca mudando objetos e paredes de lugar em uma coreografia muito bem realizada e com muita sincronia. Essas entre cenas realizadas na penumbra são tão interessantes quanto a trama em si envolvendo todas as personagens.

Todo o elenco está muito à vontade em cena. Eloisa Vitz como a enigmática Julia, personagem propulsora de toda a trama, tem a firmeza necessária para o papel. A bela Mariana Fidelis tem o tipo físico ideal para Antônia, a pintora. Lilian Peres esbanja energia como a engraçada Teodora. Daniel Gonzales empresta o seu talento para o engraçado Rodolfo, nordestino, chefe de cozinha do hotel. Isaque Patrício e sua forte presença cênica é Jonas, o “metido” a sensual barman do local. E por último, não há como não destacar a presença luminosa da camaleônica Miriam Jardim como a sensível e engraçada Marcela, hostess do hotel; Miriam tem aquele poder de desviar o olhar do espectador mesmo quando seu personagem não é o centro da ação.

Destaque para os figurinos assinados por Heron Medeiros e pela seleção musical que compõe a trilha sonora da peça escolhida por Eloisa Vitz.

Coroando o já citado acolhimento, houve um delicioso encontro após o término da peça, regado a champanhe e muita afetividade, entre o elenco, outros elementos do Gattu e os espectadores.

Uma noite em todos os sentidos MEMORÁVEL!

SALVE O GRUPO GATTU!

SALVE O TEATRO!

26/09/2022

sábado, 24 de setembro de 2022

CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA

 

 

1.   UM POUCO DE SERGIO BLANCO EM NOSSOS PALCOS.

Meu primeiro contato com a obra de Sergio Blanco foi em 2016 no Festival de Curitiba com Tebas Land, um original exercício de metalinguagem escrito em 2012 que me chamou a atenção para o autor. Direção do autor.

No ano seguinte o inominável que liderava o Club Noir fez uma montagem equivocada (principalmente nas interpretações) de Kiev, um dos primeiros textos de Blanco, escrito em 2003.

Mas foi em 2018 sob a direção de Yara de Novaes e com uma grande interpretação de Gilberto Gawronski que Sergio Blanco morreu pela primeira vez entre nós (ele já havia morrido em 2014, quando escreveu a obra). “Eu é um outro”, frase de Arthur Rimbaud, era uma das chaves da trama. Ao final do espetáculo era entregue “santinho” ao público do tipo que se fazia antigamente nas missas de defunto com foto de Gawronski/Blanco e as datas de nascimento e morte do autor.

A obra prima El Bramido de Dusseldorf, escrita em 2016 foi apresentada no MIRADA 2018 e ali era o pai do dramaturgo que morria na cidade alemã, enquanto ele circulava entre uma exposição sobre Peter Kurten o chamado vampiro de Dusseldorf, um set de produção de filmes pornográficos e consultas a um rabino com a tentativa de se converter ao judaísmo. Direção do autor

Em 2019, o monólogo Tráfico de 2018, ocupou o palco do teatro do SESC Vila Mariana por apenas dois dias, vindo do Festival de Curitiba. Blanco não aparece em cena, mas é citado como o Francês na narrativa de Alex, garoto de programa/matador de aluguel interpretado visceralmente pelo ator colombiano Wilderman Garcia Buitrago. Direção do autor.

Nesse mesmo ano houve uma montagem brasileira de Tebas Land dirigida por Victor Garcia Peralta que não alcançou o mesmo impacto da montagem original.

Ainda em 2019 Blanco se apresentou no SESC Santana com sua saborosa “conferência” As Flores do Mal – A Celebração da Violência, concebida em 2017.

E agora chegou a vez de Cuando Pases Sobre Mi Tumba, escrita em 2016, mesmo ano de El Bramido de Dusseldorf.


2.   CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA

Em El Bramido de Dusseldorf o elenco fazia de conta que cantava e tocava Losing My Religion do REM no início do espetáculo, aqui ele faz o mesmo com Another Love de Joe Ordell enquanto o público se acomoda em seus lugares. Isso é coisa do encenador e dramaturgo uruguaio Sergio Blanco que volta a nos surpreender com essa instigante trama sobre seu suicídio assistido em Genebra para a seguir ser devorado por um necrófilo iraniano em Londres.

E assim ele volta a morrer entre nós. Essa insistência em sua obra no tema da morte pode ser compreendida com frase contida no verso do “santinho” citado acima que era distribuído em A Ira de Narciso: “Não apenas os poetas têm medo da morte. Também todos aqueles que enfrentam a criação. Estou convencido de que uma das funções da arte é suspender ao menos por alguns instantes, esse medo que todos temos e que é o que afinal nos faz belamente humanos”.

São muitas as leituras/interpretações desse instigante texto de Blanco que cita Shakespeare, Lord Byron. Mary Shelley, Daniel Defoe, Freud e, principalmente, ele mesmo em mais um radical exercício de auto ficção que lhe é tão caro e tão característico.

Assisti à peça no MIRADA e voltei a vê-la ontem à noite na Extensão MIRADA que o SESC trouxe a São Paulo, fato que me deu a oportunidade de perceber mais nuances desse instigante texto de Blanco que além do tema da morte, tem alto teor de erotismo no desejo que, enquanto vivo, Blanco tem por Khadel, o jovem e belo necrófilo e o desejo de Khadel por ele, só quando o mesmo estiver morto.

A conclusão de Blanco é que somos apreciadores de coisas mortas, afinal o David de Michelangelo não passa de uma peça estática de mármore e As Senhoritas de Avignon permanecerão para sempre imóveis na posição que Picasso as concebeu!

Acrescento que a grande diferença é que o teatro, assim como a dança, é a arte das coisas vivas que só acontece quando estão em movimento tanto os criadores como os receptores.

VIVA O TEATRO!

 

CONCLUSÃO

 

Segundo a página de Blanco, ele já escreveu mais quatro peças após Tráfico de 2018. São elas: Zoo (2018), Memento Mori (2019), COVID – 451 (2020) e Divina Invención (2021), todas muito bem-vindas aos nossos palcos.

 

24/09/2022

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – EXTENSÃO – TEATRO AMAZONAS

Teatro Amazonas é uma aula da história não oficial do Brasil e das violências sofridas tanto pela natureza como pelas pessoas na Amazonia a partir de importante pesquisa realizada pela coreógrafa espanhola Laida Azkona Goñi e o videoartista chileno Txalo Toloza-Fernández. Enquanto isso muitos dos dramaturgos brasileiros insistem em continuar escrevendo voltados para o próprio umbigo, mas essa é uma outra história que fica para uma outra vez!

O impacto que Azkona e Toloza sentiram ao ler a carta que os povos indígenas Aruak, Baniwa e Apurinã enviaram em 2019 ao recém empossado presidente da república brasileiro (do qual me nego a escrever o nome) fizeram com que viajassem para a região amazônica e realizassem pesquisas e gravações com habitantes locais. Esse material e uma pesquisa histórica resultaram neste pungente espetáculo teatral.

Usando a técnica verbatim eles reproduzem em cena não só relatos gravados durante a viagem nos estados do Amazonas e do Pará, mas também antigas falas/depoimentos de figuras como Chico Mendes, Marina Silva e até Getúlio Vargas. Essas cenas são permeadas por importantes dados históricos que vão sendo projetados em um telão enquanto o casal vai preenchendo o espaço cênico com aquilo que representaria a imensa e devastada região amazônica.

Assim, de maneira bastante lúdica e nada didática, o espectador vai recebendo essas notícias aterradoras de como desde o início dos tempos, ou melhor, desde o momento em que os colonizadores aqui chegaram, essa região foi explorada com fins apenas econômicos e os povos indígenas foram agredidos e muitos deles dizimados.

O mais terrível é que tudo isso continua a acontecer e como diz uma indígena em um dos relatos “... e nós não fizemos nada!”.

A cena final com a destruição do Teatro Amazonas e a invasão da poderosa natureza em suas ruínas é impactante e de imenso valor poético e metafórico.

Teatro Amazonas é uma verdadeira lição e deveria fazer parte do currículo de nossas escolas para ser mostrada ao jovem brasileiro que pouco sabe de nossa verdadeira história e muito menos da violência praticada na região amazônica.

O espetáculo datado de 2020 é a terceira parte da Trilogia Pacífico realizada por Azkona e Toloza que inclui Extraños Mares Arden de 2014 e Tierras del Sud de 2018.

O espetáculo faz uma última apresentação nesta sexta feira, dia 23/09 no Teatro Antunes Filho do SESC Vila Mariana. O teatro é grande e deve ainda haver ingressos disponíveis.

Garanto que é IMPERDÍVEL! 

23/09/2022

 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – BALANÇO

 

INTRODUÇÃO 

De 09 a 18 de setembro de 2022 aconteceu a sexta edição do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, realização bienal do SESC na cidade de Santos, evento mais conhecido com o significativo nome de Mirada.

O Mirada é um dos mais importantes festivais brasileiros de teatro e deve muito dessa importância à alta qualidade dos espetáculos apresentados, vindos de países da América Latina, Portugal e Espanha.

 A curadoria desta edição; creditada ao quarteto Adriele Duran Silva, Emerson Pirola, Rani Bacil Fuzetto e Tommy Ferrari Della Pietra, assistentes para artes cênicas do SESC São Paulo; contemplou 36 espetáculos vindos de diversos países: Argentina (3), Bolívia/Brasil (1), Brasil (10), Brasil/Argentina (1), Chile (2), Colômbia (1), Cuba (1), Equador (1), Espanha (2), México (1), Peru(2), Portugal (8), Portugal/Chile (1), Uruguai (1), Venezuela/Espanha/Brasil (1). Pode-se contestar/criticar/gostar este ou aquele espetáculo, mas é inegável a importância e o nível de profissionalismo de cada um deles.

Em cada edição um país é homenageado e tem um numero maior de espetáculos apresentados. Em 2022 foi a vez de Portugal. Nas edições anteriores os homenageados foram: Argentina (2010), México (2012), Chile (2014), Espanha (2016), Colômbia (2018).

Em 2020 o Mirada não aconteceu devido à pandemia da Covid 19 e em 2021 foi realizada de forma basicamente digital a Ocupação Mirada 2021.

Nem bem terminado, o Mirada já deve estar se preparando para 2024.


BALANÇO 2022 

Dos 36 espetáculos disponíveis me foi possível assistir a 20, em função da sobreposição de horário de espetáculos (com poucas exceções, cada montagem foi apresentada apenas duas vezes). Como eu já havia assistido em São Paulo a seis dos 36 espetáculos apresentados, restaram dez que não pude ver, entre eles Hamlet (Peru), Vila Parisi (Brasil), Quimera (Equador), Cosmos (Portugal) e Teatro Amazonas (Espanha), sendo que esses dois últimos tenho a oportunidade de assistir na Extensão Mirada que acontece nesta semana em São Paulo.

Fica difícil classificar os espetáculos na ordem de minha preferência, portanto o faço por grupos. 

Espetáculos mais impactantes/conceituais/transgressores:

- CHÃO (Brasil/Argentina)

- FUCK ME (Argentina)

- ORGIA, PASOLINI (Portugal

Espetáculos relevantes pelo seu conteúdo sócio-político:

- ESTREITO (Portugal/Chile)

- DISCURSO DE PROMOCIÓN (Peru)

- CÁRCERE ou PORQUE AS MULHERES VIRAM BÚFALOS (Brasil)

- TIJUANA (México)

Espetáculos relevantes por seu conteúdo social:

- LA MUJER QUE SOY (Argentina)

- CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA (Uruguai)

- HAY QUE TIRAR LAS VACAS POR EL BARRANCO - (Venezuela/Espanha/Brasil)

Espetáculos relevantes por sua delicadeza:

- A CAMINHADA DOS ELEFANTES (Portugal)

- ... I LES IDEES VOLEN (Espanha)

- REMINISCÊNCIA (Chile)

Espetáculos que não atingiram a plenitude dos anteriores, isto no modo de ver deste espectador:

- DRAGÓN (Chile) - Sobre o qual eu tinha imensa expectativa devido à importância do dramaturgo Guillermo Calderón.

- VIAGEM A PORTUGAL (Portugal) - Dramaturgia e concepção cênica confusa, apesar da importância histórica dos temas apresentados.

- LA LUNA EM LA AMAZONAS (Colômbia) - Muita forma para conteúdo confuso e prolixo.

- BAQUESTRIBOIS (Cuba) – Performance agressiva/escatológica com pretensão de denúncia que não se realiza.

- FRONTE[I]RA - FRACAS[S]O (Bolívia/Brasil) – Espetáculo sofreu no dia da estreia por uma má organização do (muito) longo prólogo realizado ao ar livre, provocando um desinteresse da minha parte pela parte mais importante realizada internamente.

- ERASE (Argentina) – O equívoco do Festival em minha modesta opinião. 

Não incluo nesta lista os seis espetáculos que eu já havia visto em São Paulo: anonimato, Festa de Inauguração, Língua Brasileira, O Que Meu Corpo Nu Te Conta?, Tebas e Um Inimigo do Povo. Todos eles dignos de muitos elogios. 

Além dos espetáculos o Mirada teve importantes atividades formativas que incluiu a apresentação da abertura do processo da nova montagem do Teatro da Vertigem (Rodeio) e um ótimo bate papo sobre Ruth Escobar e Sérgio Mamberti com seus biógrafos Alvaro Machado e Sérgio Mamberti, respectivamente.

Um ganho também muito importante deste Mirada foi a troca entre os presentes (atrizes, atores, diretores, dramaturgos, produtores, críticos, assessores de imprensa, espectadores) sobre o fazer teatral na área de convivência e na comedoria do SESC Santos, assim como em cada canto onde o Mirada esteve presente.

VIVA O MIRADA!

VIVA O TEATRO! 

20/09/2022

domingo, 18 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – ÚLTIMA JORNADA

 

O último dia sempre representa despedida e tem um ar de nostalgia e de saudade antecipada no ar.

Não foi diferente com este excelente MIRADA. A área de convivência cheia de gente indo e vindo, a comedoria lotada com o burburinho das pessoas alimentando o corpo com a boa comida do SESC e a alma com os bate papos e discussões sobre os espetáculos assistidos e sobre teatro em geral, o movimento das vans transportando o pessoal para os diversos teatros onde ocorreram os espetáculos; tudo isso substituído pelos espaços vazios e silenciosos.

Foram dez dias de teatro de alto nível. Dos 36 espetáculos apresentados eu já havia assistido a sete em São Paulo e assisti a 20 no MIRADA, sendo que um deles (Cárcere) foi uma revisão.

Os espetáculos do último dia:

...I LES IDEES VOLEN – Espanha – O resultado deste delicioso espetáculo da companhia Animal Religion depende muito de como e em que grau as crianças aderem aos estímulos oferecidos pelo excelente ator/contorcionista Quim Girón seja através de objetos ou de movimentos ou ainda de efeitos de luz.

Na apresentação a que assisti as crianças a princípio tímidas diante de um microfone foram aos poucos se soltando até a linda parte final onde o ator sai da cena deixando o espaço só para os pequenos que a essa altura já se sentem donos do mesmo.


DRAGÓN – Chile – Vinte mesas e oitenta cadeiras representando um restaurante fazem parte desta peça do consagrado dramaturgo chileno Guillermo Calderón que também dirige a montagem.

Três personagens se encontram nesse cenário para planejar a realização de um projeto que poderá ficar comprometido pela má conduta/traição de uma delas.

O bom elenco desenvolve a ação que tem reviravoltas que sob meu ponto de vista nem sempre são bem resolvidas. Dono de currículo invejável cuja obra prima é Neva, Calderón marca aqui mais um tento em sua carreira.

MIRADA 2022 – PENÚLTIMA JORNADA

 

BAQUESTRIBOIS – Cuba – O trabalho da Osikan – Vivero de Creación com dramaturgia e direção de José Ramón Hernández é uma performance sem palavras interpretada por três atores nus (diga-se de passagem, que o nu masculino esteve presente em muitos dos espetáculos deste MIRADA) que procura ilustrar a violência a que estão sujeitos os prostitutos masculinos em Cuba (e em qualquer parte do mundo).

Uma constante provocação física entre os homens que inclui violenta ingestão  de bananas e chuva de pedras, termina em aparente confraternização com todos literalmente lambuzados de Coca Cola e de uma mistura de clara de ovo e açúcar preparada no colo de um deles.

Essas cenas são permeadas por relatos gravados de prostitutos masculinos (áudio) e de prostitutas trans (vídeo) - para mim a parte mais interessante e potente da encenação -, por elucidativa participação de um advogado mostrando como a lei cubana trata esses seres e finalmente por uma trans brasileira que se declara “puta muito bem sucedida”, declaração otimista que contrasta com o mundo cruel apresentado em cena.

sábado, 17 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – OITAVA JORNADA

Tenho feito pequenas matérias sobre os espetáculos assistidos nesta verdadeira maratona chamada MIRADA, que infelizmente chega ao fim amanhã. Na sexta-feira, dia 16 de setembro, assisti a três diferentes - e todos ótimos - espetáculos:

- DISCURSO DE PROMOCIÓN – Peru – O espetáculo do Grupo Cultural Yuyachkani transita sobre as heranças culturais do país por meio de uma festa organizada por elementos de uma escola onde não faltam os números musicais (realizados no hall de entrada do espaço) e as cenas, ilustradas com adereços simples confeccionados de forma artesanal, mas muito significativos e ilustrativos das tramas em que aparecem. O preconceito com as mulheres e o abuso sofrido por elas, as ditaduras latino americanas e muitos dos problemas que afetam o lado de baixo da América, conhecido como terceiro mundo, onde estão presentes tanto o Peru como o Brasil, são alguns dos temas tratados com seriedade e certa irreverência e é por essa razão que o espetáculo atingiu em cheio o grande público presente no espaço Herval 33 na tarde de sexta-feira. O grande elenco é formado por pessoas de várias idades e todos desempenham com muita garra e vitalidade. A encenação termina com um emocionante cortejo em torno de todos os adereços usados durante a peça, onde se celebra a paz e o amor.

MUY LINDO!!!


- FUCK ME – Argentina – Há a seguinte frase inscrita em um tapete da peça mexicana Tijuana:La verdade también se inventa” e isto poderia se aplicar perfeitamente a este belíssimo trabalho da coreógrafa e dançarina Marina Otero. Muito debilitada por lesões ocasionadas por suas atividades na dança e passando por lenta recuperação após uma cirurgia recente, Marina comenta sua trajetória ilustrando-a com coreografias interpretadas magnificamente por cinco Pablos nus. Por suas condições físicas ela está impedida de dançar, no entanto após o término do espetáculo e os aplausos, a dançarina rodopia infinitamente pelo palco.

 Verdade, onde está a verdade?


- CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA – Uruguai – E Sergio Blanco volta a morrer neste seu mais recente trabalho!

O criativo dramaturgo franco-uruguaio mais uma vez é a personagem de uma de suas incursões na auto ficção; desta vez ele programa sua morte por meio de suicídio assistido em uma clínica em Genebra para que em seguida seu corpo seja trasladado para Londres onde deverá ser devorado por um belo necrófilo internado em hospital psiquiátrico na capital inglesa. Os diálogos ágeis e inteligentes são ditos por atores que interpretam a si mesmos e ao doutor da clínica (Gustavo Saffores), ao necrófilo (Felipe Ipar) e, é claro, ao próprio Sergio Blanco (Sebastián Serantes, excelente).

Todo o elenco morreu em 2022.

Mais uma vez, a verdade também se inventa!

 

 

 

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – SÉTIMA JORNADA

 

- RUTH ESCOBAR E SÉRGIO MAMBERTI – Uma delícia ouvir Alvaro Machado e Dirceu Alves Jr. discorrerem sobre seus biografados, verdadeiros ícones do nosso teatro. Uma lástima que tive de abandonar o bate-papo antes do seu término para me dirigir a um espetáculo que começaria em seguida. Correrias de Festival!

- chãO – Brasil/Argentina. IMPACTANTE! DESBUNDANTE! HIPNOTIZANTE! Seriam precisos muitos outros adjetivos terminados em ANTE para demonstrar todas as sensações e a surpresa que esse espetáculo de dança me causou; aquela surpresa – verdadeira arte – que nos deslumbra e nos tira do chão, como tão bem definiu Ferreira Gullar.

Segundo a sinopse “... os artistas partem do trítono, intervalo dissonante...” e a minha curiosidade levou a uma pesquisa sobre esse tal de “trítono”, som que obviamente eu conhecia, mas não sabia de suas características matemáticas, nem de sua fama de “som do diabo”.  

 De qualquer maneira, sob esse som diabólico executado por Martim Gueller no teclado e por Alexei Henriques, que se esconde no meio do público, no violino e na percussão, os dançarinos Lucas Fonseca, Tamires Costa e Washington Silva fazem seus movimentos coreográficos precisos e propositalmente repetitivos, enquanto o outro ator (do qual não consegui identificar o nome) se arrasta pelo chão de joelhos durante toda a apresentação proferindo frases também repetitivas.

Desse todo Marcela Levi, brasileira e Lucía Russo, argentina, criaram uma coreografia estonteante (olha o ANTE de novo) que deslumbra muitos e irrita outro tantos, pois trata-se de espetáculo do tipo “ame-o ou deixe-o”, radical no melhor sentido da palavra.

Para mim, o momento mais surpreendente do MIRADA!


- FRONTE[I]RA – FRACAS[S]O – Bolívia/Brasil. O prólogo interminável que acontece ao ar livre no pátio do Arcos do Valongo inclui músicas tocadas ao vivo, textos difíceis de se ver e de se escutar devido ao acúmulo de público em torno dos artistas e até pulação de corda com participação do público. Desse início festivo e em tom alegre parte-se para o interior do espaço, onde se desenrola a trama em si da qual nessa altura dos acontecimentos eu já havia perdido o interesse. Uma pena, pois o tema fronteiras/demarcação de espaços é extremamente importante e me interessa muito.

Tenho muita admiração pelo trabalho de Fernando Yamamoto e seu Clowns de Shakespeare, mas este trabalho em parceria com o grupo boliviano Teatro de los Andes não me entusiasmou. 

16/09/2022

 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – SEXTA JORNADA

 


RODEIO – Brasil – Abertura do processo de montagem do espetáculo do Teatro da Vertigem. Antônio Araújo já havia experimentado a estética da paródia e do deboche em trechos do bem sucedido espetáculo Apocalipse 1,11 (2000). Agora a crítica aparece de forma mais virulenta ao abordar o universo do agro negócio e dos sertanejos que habitam esse universo. Tudo e todos personagens são propositalmente caricaturais e ridículos, mas vejo certo perigo ao tentar envolver o público fazendo-o aplaudir e mexer os braços querendo talvez demonstrar o quanto é sedutor esse mundo alvo da crítica proposta.

O espetáculo será compreendido e aplaudido por aqueles que também criticam e conhecem o tema, mas qual será a reação dos que apoiam ou desconhecem esse universo?

Um elenco de primeira que conta com a presença luminosa de Lee Taylor defendeu com garra esta apresentação que com certeza será bastante lapidada até chegar a um espetáculo com a marca inconfundível do Teatro da Vertigem.

O espetáculo conta com a colaboração de Marcelino Freire na elaboração da dramaturgia.

Houve uma troca de ideias com o público ao final da apresentação mediada por Amilton Azevedo.


TIJUANA – México – O espetáculo do grupo que tem o curioso nome Lagartijas Tiradas al Sol, é um solo interpretado e dirigido por Lázaro Gabino Rodríguez que retrata sua experiência ao incorporar outro nome durante seis meses vivendo e sobrevivendo como operário em uma fábrica na cidade de Tijuana ganhando salário mínimo. Os poucos elementos cênicos que o ator dispõe para construir a história e mostrar os locais onde morou e por onde circulou são, porém, suficientes para a compreensão da narrativa que demonstra por A mais B que no México mal e mal se sobrevive ganhando salário mínimo.

   Verdade, né Brasil? 

15/09/2022

 

 

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – QUINTA JORNADA


REMINISCÊNCIA – Chile – O jovem Malicho Vaca Valenzuela da Compañía Le Insolente Teatre, reuniu imagens do Google Earth e de sua família para conceber esta palestra/teatro onde circula pelo macro (seu país, o Chile e sua cidade, Santiago) e pelo micro (a residência onde nasceu e sua relação com os “abuelos”, sendo que a avó padece do mal de Alzheimer).

Realizada de forma intimista e com muita delicadeza, a apresentação escrita, dirigida e interpretada por Malicho o mantém sentado o tempo todo diante do notebook, de onde comenta sobre as imagens que aparecem na tela.

A emoção do intérprete parece contagiar boa parte do público presente que até chega a cantar Sin Ti junto com ele e com o Trio Los Panchos:

“Sin ti
No podré vivir jamás
Y pensar que nunca más
Estarás junto a mí”
 

E o importante é que nossa emoção sobreviva!


LA LUNA EM EL AMAZONAS – Colômbia – Espetáculo do Mapa Teatro concebido e dirigido por Heidi Abderhalden e Rolf Abderhalden com sofisticado, belo e complexo projeto visual e cenográfico assinado por Rolf. A cenografia consiste de um imenso painel metálico que recebe imagens belíssimas, além de ser modificado quase de maneira imperceptível criando grande impacto visual.

A dramaturgia do espetáculo tem como base o isolamento tanto de comunidades indígenas que voluntariamente se isolam na Amazonia colombiana, como dos astronautas que foram à lua e também aquele isolamento forçado que obrigou a humanidade a se recolher durante a pandemia da Covid 19. Outros elementos se misturam à trama, como a transformação do homem em jaguar e o trabalho de um artesão com parafusos, tornando o todo um pouco confuso.

Grandiloquente tanto na cenografia como nos figurinos, no meu ponto de vista o espetáculo ganha na forma, mas perde no conteúdo.

14/09/2022

 

 

 

terça-feira, 13 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – QUARTA JORNADA

 

Na segunda feira, dia 12 de setembro assisti a mais dois espetáculos:

LA MUJER QUE SOY – Argentina – As grandes atrações desse delicioso trabalho do Teatro Bombón, escrito e dirigido por Nelson Valente são a encenação que se passa na sala de dois apartamentos e no hall de distribuição de um hotel (no caso do Mirada, o Atlântico, icônico hotel santista) e a interpretação soberba das atrizes com grande destaque para Maiamar Abrodos (Mercedes) e a fabulosa e muito engraçada Silvia Villazur (Martha, a mãe), além de Mayra Homar (Cecília, a filha) e Daniela Pal (Lucia). O público visita os apartamentos de Martha e da misteriosa Mercedes testemunhando no tête-à-tête o que acontece quando a filha chega na casa da mãe com uma nova namorada.

A trama é bastante simples, mas as interpretações são tão envolventes que o público vive a ação junto com as personagens e sai do espaço encantado e discutindo sobre o que acabou de ver: Estaria Lucia realmente apaixonada por Cecília ou ela é uma pilantra? Tudo acaba bem quando as personagens saem da sala e vão para o quarto? Ou não? As delícias de um trabalho tão bem realizado.

Mais um grande momento do Mirada 2022.

ORGIA, PASOLINI – Portugal – Esta excelente realização da companhia Teatro Nacional 21 é espetáculo árido e denso que exige muita atenção e sensibilidade do espectador.

O grupo define o espetáculo como “um teatro de palavras conjugadas pela carne”, no entanto a fruição do mesmo pode ficar comprometida por algumas razões: 1. A pouca visibilidade devido à penumbra em que a ação acontece e principalmente pelo fato que em muitas cenas o elenco representa deitado e a inclinação da plateia não é suficiente para permitir a visão do espectador/2. Mais que um texto dramático, Orgia é um poema do cineasta Pier Paolo Pasolini onde a palavra tem valor peculiar e a dificuldade de ouvir/entender plenamente aquilo que é falado pode  obrigar o espectador a recorrer às legendas em castelhano, o que faz o sentido poético do texto ficar comprometido.

Produzido com muito esmero o espetáculo tem seu ponto alto na instigante cenografia com muito barro e lama criada por Ivana Sehic, na belíssima iluminação assinada por Rui Monteiro, na trilha sonora e nas interpretações de Albano Jerónimo e Beatriz Batarda. Tudo isso regido com muito rigor por Nuno M. Cardoso. 

13/09/2022

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

MIRADA 2022 – MAIS TRÊS ESPETÁCULOS

 

Formando espectadores...

ERASE – Argentina -  O título da peça pode ser visto tanto como o verbo em inglês (to erase - apagar, no sentido de apagar os fatos reais para criar uma história oficial que contemple os valores que interessam aos poderosos) como o passado do verbo ser em castelhano (Erase una vez..). Espetáculo argentino dirigido por Gustavo Tarrío com elenco jovem cujo resultado, para este espectador, deixou a desejar. Cenas coreográficas pretensamente satíricas baseadas em musicais da Broadway e um muito longo monólogo de uma das atrizes quase ao final do espetáculo contribuíram para o desgaste que a montagem me proporcionou.


HAY QUE TIRAR LAS VACAS POR EL BARRANCO – Coprodução Venezuela, Espanha, Brasil. Espetáculo árido e muito bem realizado tratando do tema da esquizofrenia a partir de casos aparecidos no livro Las Voces del Laberinto do escritor catalão Ricard Ruiz Garzón. São cinco longos depoimentos. Dois deles de mulheres que conviveram com esquizofrênicos (interpretações pungentes de duas excelentes atrizes venezuelanas: Diana Volpe – caso do filho que se suicidou- e Haydée Faverola – com marido e irmão esquizofrênicos-).  Os outros três relatos são de esquizofrênicos, o primeiro que ouve vozes, a segunda que se julga uma princesinha e o terceiro que conta uma fábula que justifica o título da peça. Com quase duas horas a peça ganharia muito se houvesse uma redução no tempo de duração dos três últimos relatos. O desconforto dos assentos do simpático Teatro Rosinha Mastrângelo contribuiu para a não fruição total deste importante espetáculo.

CÁRCERE ou PORQUE AS MULHERES VIRAM BÚFALOS – Brasil. Muita satisfação em rever este importante espetáculo da Companhia de Teatro Heliópolis. A primorosa e criativa direção de Miguel Rocha que incorpora cada vez mais em seus trabalhos significativas cenas coreográficas e a incrível interpretação de Dalma Régia contribuíram para a ovação final vinda de uma plateia lotada. Mais informações sobre este belíssimo trabalho na matéria que escrevi sobre o mesmo por ocasião de sua estreia em São Paulo:

https://palcopaulistano.blogspot.com/2022/03/carcere-ou-porque-as-mulheres-viram.html

 

12/09/2022