Durante nove dias (de o8 a 16 de março), São Paulo
abrigou a 1ª Mostra Internacional de Teatro
organizada por Antonio Araújo e Guilherme Marques com o objetivo de
resgatar os inesquecíveis festivais organizados por Ruth Escobar entre os anos
1976 e 1999 e assim trazer ao público paulistano uma amostra do teatro que se faz pelo mundo (tarefa muito bem preenchida
pelo Sesc nos últimos anos).
Foram onze espetáculos, dos quais assisti a sete.
Polêmicas e pontos de vista discordantes à parte, todos os espetáculos tiveram
em comum a preocupação de discutir problemas que afligem o mundo de hoje por
meio de encenações com linguagens contemporâneas e muitas vezes inovadoras.
Público aguardando no Sesc Vila Mariana
A mostra foi um sucesso de público com predominância dos
jovens que enfrentaram horas de fila para assistir às montagens. Da maneira
como foi montada, a grade permitiu que com certo esforço, o público tivesse a
oportunidade de ir a todos os espetáculos. Numa semana com entrega do prêmio
APCA, concerto de abertura da temporada da Osesp e ópera no Municipal, ainda
tive a oportunidade de conferir sete títulos da mostra. Qualidade e não
quantidade fica como uma das maiores marcas deste retorno aos festivais
internacionais de teatro ao qual desejamos longa vida. A 2ª MITsp já está
marcada para acontecer entre 06 e 15 de março de 2015.
Auditório Ibirapuera
Segue uma lista (na ordem dos que mais gostei) dos
espetáculos e um breve relato sobre os mesmos:
- CINEASTAS - (Argentina). Para mim o mais bem sucedido
espetáculo da mostra. Fazendo de forma original a comparação entre realidade e
ficção (tema caro ao nosso grupo Hiato), o autor e diretor Mariano
Pensotti através de texto fluente e bem
humorado conta a história de quatro cineastas às voltas com seus problemas
pessoais (parte inferior do palco) e com os filmes que estão produzindo (parte
superior do palco). A peça é também uma homenagem ao cinema e à cidade de
Buenos Aires.
- SOBRE O CONCEITO DE ROSTO NO FILHO DE DEUS - (Itália).
Visualmente impactante desde o cenário extremamente branco da primeira parte
que vai aos poucos se tingindo de excremento humano, passando pela cena do
apedrejamento da imagem do rosto de Cristo e a última com a transformação da
imagem e a frase “Você (não) é o meu pastor”. A peça escrita e dirigida por
Romeo Castellucci trata dialeticamente da devoção a Jesus, símbolo do
cristianismo e do que este fez com a imagem daquele.
- ANTI-PROMETEU - (Turquia). A partir do momento em que
me parei de me preocupar em acompanhar as legendas (ilegíveis) passei a
acompanhar a encenação visual e auditivamente, conduzido pelo fio de história
conhecido (seres humanos carregando pesados fardos, presos a espaços limitados
e sem iniciativa para lutar contra essa situação). Perfeito sincronismo entre
movimentos de corpo, emissão de vozes (como se fosse um jogral), luzes e som
(estes dois últimos, comandados por três pessoas no alto do palco). De tirar o
fôlego. Um instigante espetáculo que seria mais bem fruído se não fossem
colocadas legendas, com uma breve explicação antes do início, para preparar o
público.
- NÓS SOMOS SEMELHANTES A ESSES SAPOS.../ALI (França).
Espetáculo de teatro-dança-circo francês com coreografia inventiva e em grande
parte calcada na deficiência física de um dos componentes (o ator-dançarino
Hedi Thabet não tem uma perna e dança boa parte do tempo com muletas). Tudo é
feito com equilibrada mistura de técnica e emoção interpretativa. O espetáculo
é acompanhado por um grupo de quatro músicos
que executam canções étnicas gregas e tunisianas. O trio da primeira
parte (ESSES SAPOS...) é impactante.
- GÓLGOTA PICNIC - (Espanha). Espetáculo anárquico (ao
estilo do grupo catalão La Fura Del Baus) realizado sobre um palco coberto
de pão de hambúrguer (o milagre da multiplicação dos pães, versão McDonalds). A
mercantilização da fé e os próprios gestos e falas de Jesus Cristo são tratados
de forma provocativa e em tom de deboche. Vários monólogos são ilustrados por
carne moída, vômitos e pessoas nuas. Pura adrenalina. Sem nenhum preparo, toda
essa parafernália é interrompida e um jovem entra no palco, despe-se, senta-se
num piano de cauda e por mais de uma hora executa integralmente a versão para
piano de As Sete Últimas Palavras de Cristo, obra de Joseph Haydn
(1732-1809). Está clara a intenção do diretor Rodrigo Garcia de colocar um
“momento” de espiritualidade após o caos apresentado, mas esse “momento” durou
mais de uma hora deixando o público inquieto e irritado.Nada contra a bela
música e o ótimo pianista, mas o anseio ali era outro. Desfecho frustrante para
um espetáculo de início instigante.
- ESCOLA – (Chile). O mais convencional dos espetáculos a
que assisti e também o mais diretamente político. Cinco militantes de esquerda
se reúnem para serem treinados para a luta armada. Há quase uma aula sobre
exploração, mais valia, Karl Marx; assim como, lições de como aprender a atirar
e a preparar bombas. Os atores atuam mascarados e apesar dos excelentes
diálogos, o didatismo dos mesmos, acaba os tornando cansativos e repetitivos. A
peça foi escrita e dirigida por Gui llermo Calderón (autor da notável Neva e de Diciembre, apresentadas em São Paulo em 2009). O jovem elenco além
da boa atuação, encarrega-se de cantar muito bem canções guerrilheiras dos anos
1960/1970.
- UBU E A COMISSÃO DA VERDADE – (África do Sul). A
montagem reúne atores (nos papéis de Ubu e Mãe Ubu), bonecos, desenho animado e
cenas de documentários, mesclando o texto de Alfred Jarry com situações
ocorridas na África do Sul. Destaque para o bom ator Dawid Minaar que
representa (sempre de cuecas) o amoral e grotesco Ubu.
Deixei de assistir a quatro espetáculos que também
mostraram qualidades, segundo as pessoas com quem conversei durante a mostra:
BEM VINDO A CASA (Uruguai), DE REPENTE FICA TUDO PRETO DE GENTE (Brasil/Holanda),
EU NÃO SOU BONITA (Espanha) (polêmica com o uso do cavalo em cena), HAMLET
(Lituânia).
Aguardemos a 2ª MITsp para 2015.
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