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terça-feira, 26 de julho de 2016

MOTEL RASHÔMON





        Há muitos anos a atriz Raquel Anastásia acalentava o sonho de levar à cena uma adaptação do conto Dentro do Bosque de Ryûnosuke Akutagawa (1892-1927) que originou Rashomon, o famoso filme de Akira Kurosawa (1910-1998) de 1950. Foram leituras, muitas versões da adaptação, várias pessoas envolvidas e ensaios abertos. Finalmente em 2016 sua Cia. Santa Cacilda teve o projeto de encenação contemplado pelo ProacSP. Raquel agregou profissionais de alto nível ao seu projeto na autoria (Marcos Gomes), na direção (Roberto Audi), na cenografia, adereços e figurinos (Telumi Hellen), no desenho de luz (Melissa Guimarães), na composição da trilha (Ricardo Severo) e, é claro, no elenco (Tertulina Lima, Alessandro Hernandez, Ernandes Araújo e ela própria) dando origem a este Motel Rashômon que veio à luz em sua forma final no dia 10 de julho na SP Escola de Teatro.


        O texto revela um Marcos Gomes bastante maduro como dramaturgo e bastante seguro das ferramentas que usa para contar a história de político assassinado em motel onde se encontrava junto com sua amante. Preserva a ideia do conto (as várias versões de um assassinato), mas traz a ação para os bastidores políticos do Brasil de hoje.
        A encenação de Audi é bastante criativa movimentando intensamente os quatro atores que se revezam nos papéis das testemunhas, da vítima e do assassino. Em certos momentos a dramaturgia de cena parece querer suplantar a dramaturgia do texto ocasionando certa confusão na compreensão de quem é quem naquele momento.


        Os quatro atores respondem com muita garra à dinâmica exigida pelo encenador realizando interpretações dignas do melhor teatro físico. Alessandro Hernandez, depois da pungente Hysterica Passio, realiza mais um forte trabalho de interpretação, consolidando-se como mais um ótimo ator da nova geração. Tertulina Lima é ótima revelação e tem seus melhores momentos como a vulgar amante. Ernandes Araújo tem porte para os diversos papeis que representa. E a mentora, Raquel Anastásia representa com paixão e emoção a esposa do político.
        Motel Rashômon foi buscar sua inspiração no Japão medieval, mas trata do Brasil contemporâneo, com suas falcatruas e o dinheiro comandando a maioria das ações dos políticos corruptos. Só por esta denúncia já valeria a pena assistir a este forte espetáculo, mas tem muito mais...
        MOTEL RASHÔMON: Sábados às 21h. Domingos e segundas às 20h. SP Escola de Teatro. Até 29/08

Cartaz do filme de 1950 baseado no conto que deu origem à peça.



26/07/2016

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O ESPECTADOR CONDENADO À MORTE


        Entre o final de 2015 e o início de 2016 tive a oportunidade de ler todas as peças do dramaturgo romeno Matéi Visniec (1966-) publicadas pela editora É Realizações. Foram 19 peças contidas em 17 volumes. Obra instigante calcada no absurdo das situações para falar das mazelas não só da Romênia na época da ditadura, mas também daquelas que insistem em ocorrer hoje pelo mundo. Como bom espectador um dos títulos que mais me chamou a atenção foi O Espectador Condenado à Morte e a sua leitura me revelou texto muito original e rico apesar de ser um dos primeiros do autor (escrito em 1985) e de ter final não muito convincente.  
        É estimulante ver surgir companhias de teatro criadas por jovens egressos de escolas de teatro que se comprometem a fazer teatro sério com textos importantes, longe daquele único sonho de fazer parte da Malhação da TV Globo e, principalmente, com resultados muito mais que satisfatórios. Foi assim com a Quintal do Aventino (Escola Célia Helena de Teatro com Mais Quero Asno Que Me Carregue Que Cavalo Que Me Derrube), com o Teatro da Pequena Morte (Teatro Escola Macunaíma com Marat-Sade) e agora com a Companhia Teatro da Dispersão criada por formandos de 2014 do INDAC.


        A peça está em cartaz na sala menor do Viga Espaço Cênico e conta com interessante ambientação cênica de César Bento em um tribunal com características burocráticas. Os espectadores se acomodam nas 50 cadeiras disponíveis e um deles será condenado à morte. A peça tem características de metateatro, pois as personagens são também atores. E o espectador é um ator? Essa brincadeira torna o espetáculo fortemente estimulante.


        Poucas vezes pode-se testemunhar tamanha homogeneidade em elenco formado por jovens provenientes de um curso de teatro. Cada ator/atriz cria o tipo solicitado pelo texto de maneira impecável e fica difícil destacar uma ou outra interpretação. Uma única ressalva para o ator Rony Álvares (Juiz) que, nos momentos em que o personagem fica nervoso, exagera nas expressões faciais e grita demais. Isso é uma pequena observação que não invalida o belo trabalho do ator, mas que cria certo desbalanceamento no conjunto das interpretações.
        As imagens projetadas durante a apresentação têm papel bastante importante para o desenrolar da ação e uma falha na projeção pode comprometer o todo (fato que quase ocorreu na noite em que assistimos ao espetáculo).
        A direção de Thiago Ledier é eficiente e discreta e faz pequenas modificações no final enfatizando ainda mais a passividade que toma conta das massas. O espectador acusado é passivo em não reagir às acusações que lhe são proferidas, mas ao final todos somos espectadores passivos dos males cometidos com a humanidade.

        O ESPECTADOR CONDENADO À MORTE está em cartaz no Viga Espaço Cênico ás quartas e quintas às 21h até 25/08.

        NÃO PERCA! TALVEZ VOCÊ SEJA CONDENADO À MORTE!

        22/07/2016

        

domingo, 17 de julho de 2016

PEQUENOS COMENTÁRIOS PARA UMA GRANDE SEMANA CHEIA DE BONS ESPETÁCULOS.


         - Domingo,10: HOTEL JASMIM - Diálogos ágeis já de início prendem o espectador que vai se surpreendendo e se simpatizando com aqueles dois seres que vivem à margem da sociedade em um grande centro urbano. Texto bem estruturado de Claudia Barral que recebeu direção discreta de Denise Weinberg e Alexandre Tenório com ótimas interpretações de Eduardo Pelizzari e Daniel Farias. O texto foi contemplado na II Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP.


         - Segunda, 11: A ÚLTIMA DANÇA – Natalia Gonzales é ótima atriz e tem o mérito de trazer a  tona a figura de Simone Weil (1909-1943), intelectual francesa  que se tornou operária da Renault para escrever sobre o dia a dia exaustivo dentro das fábricas.A peça começa bem com Natalia explicando o motivo da encenação, mas depois torna-se tão repetitiva quanto os movimentos que a operária é obrigada a fazer nos trabalhos em máquinas de linha de produção. Digna de nota a ambientação cênica de autoria da atriz e de Flávio Tolezani.


         - Terça, 12: TÉRMINO DO AMOR – Partindo de conteúdo bastante comum (a separação de um casal), o autor francês Pascal Rambert inova na forma estruturando seu texto em dois longos monólogos.Marcantes trabalhos de interpretação de Carolina Fabri e Gabriel Miziara. Direção de Janaína Suaudeau que dribla uma eventual monotonia dos monólogos com a intervenção de uma bateria (Pedro Gongom).


         - Quarta, 13: A DAMA DA NOITE – Um bar é o cenário ideal para montar esses belíssimo texto de Caio Fernando Abreu e foi num deles (Caos) que Kiko Rieser montou seu espetáculo. André Grecco faz a dama vestido com roupas masculinas. Para mim essa personagem tem muito a ver com a “porraloquice” da Rebordosa de Angeli, só que muito mais amarga. Foi dessa “porraloquice” que senti falta na bela interpretação de André.


         - Quinta, 14 (tarde): CARTOGRAFIA DO AFETO – O encontro em um apartamento na Nove de Julho é antecedido e sucedido por longas caminhadas pelas ruas da cidade com o objetivo de vivenciar o lado andarilho do artista plástico José Leonilson. No apartamento fomos recebidos pelo simpático Ricardo Henrique que através de conversas e pequenos jogos nos remeteu à obra do artista desaparecido em 1993 em decorrência da AIDS.


         - Quinta, 14 (noite): OITO BALAS – O público é recebido em um cenário vermelho feito com caixas de embalagem de garrafas e com o casal em pose antecipando as situações que estão por vir. Trama com final impactante. Montagem expressionista de Kleber Montanheiro que também assina a coreografia dos atores, o cenário e a forte trilha sonora. Atuações de Carol Rainatto (também autora) e Homero Ligere.

         Sexta, 15: DESCANSO DA COMPANHIA, como se dizia antigamente!


         Sábado, 16: PROJETO bRASIL – Não é fácil escrever sobre esse instigante espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro (Curitiba). Trata-se de 16 cenas denominadas pelo encenador Marcio Abreu de discursos verbais e não verbais onde as mostram as mazelas desse bRASIL com letra minúscula: preconceitos, muita violência, individualismo exacerbado. A cor preta predomina nos figurinos, no geométrico e belo cenário e nas bexigas pretas que ao estourarem remetem aos tiros que matam tantos inocentes no dia a dia violento de nossas metrópoles. Para a criação do texto o grupo valeu-se de suas próprias improvisações além de discursos de Christiane Taubira (ex-ministra de Justiça da França) e de Pepe Mujica (ex-presidente do Uruguai). Marcio Abreu assina o texto final.
Rodrigo Bolzan tem um dos melhores momentos de sua sólida carreira de ator e Giovana Soar, além do imenso desgaste físico com tombos e agressões físicas, está ótima na interpretação em libras da letra da música Um Índio de Caetano Veloso e, principalmente, no emocionante monólogo (discurso 15) quase ao final da peça. Nadja Naira e Felipe Storino (músico) completam o elenco. Apesar de tudo a peça acredita no homem. Em que homem não se sabe, mas em um homem que talvez virá (Virá que eu vi). Eis as palavras com que a peça se encerra:
         - Depois do futuro, o fim como começo.
         - Há muitos mundos no mundo.
         - Sonhar outros sonhos.
         - Só o homem nu compreenderá.
         - Ele flutua.

         Essa semana tão intensa como espectador também foi marcada com a morte de Sábato Magaldi, crítico e teórico de teatro que tanto marcou a minha formação. Dedico a ele as linhas acima.



17/07/2016

sexta-feira, 8 de julho de 2016

ABNEGAÇÃO III



CENAS DA VIDA PRIVADA DE UM PAÍS À BEIRA DO CAOS.


        Em Abnegação II, as cenas dividiam-se em públicas (extremamente dinâmicas) e privadas (semi-estáticas). Nesta Abnegação III que trata basicamente da vida privada, os encenadores Clayton Mariano e Alexandre Dal Farra resolveram radicalizar optando por deixar os atores sentados com os braços estendidos ao longo do corpo, dando vida às falas das personagens apenas com suas expressões faciais e vocais. Pouquíssimas vezes e em momentos necessários para o desenvolvimento da ação eles se debruçam para frente, ficam em pé ou caem no chão. Há de se convir que tal solução cênica poderia resultar em espetáculo, no mínimo cansativo, mas os diretores, sabedores da força e do talento do seu elenco, apostaram e o resultado é surpreendentemente dinâmico e envolvente. Um emblemático panô vermelho cobre todo o fundo do palco.
        O texto de Alexandre Dal Farra, dividido em nove cenas, visita cinco famílias de várias classes econômico-sociais todas elas envolvidas, de alguma maneira, com o PT. A partir da 6ª cena as quatro primeiras voltam a aparecer em momentos diferentes, ficando a quinta (Na casa de um oficial) como um divisor entre os dois tempos ocorridos. Diálogos ágeis entremeados com longas falas (“bifões”, como se diz, na gíria teatral) dão vigoroso painel da situação do Brasil no momento em que se preconizava a agonia do PT (2014). Curiosamente, se na leitura do texto os “bifões” chegavam a incomodar, na encenação eles funcionam muito bem em função da maneira como são interpretados pelos atores.
        Poucas vezes temos a oportunidade de ver em nossos palcos elenco tão homogêneo, coeso e talentoso. Os seis atores, utilizando-se quase que apenas de seus recursos faciais e vocais passam para o público toda a emoção e o ridículo de certas situações. A ironia presente é responsável por risos nervosos e também irônicos do público.


        Ligia Oliveira tem seu melhor momento como a patética Adriana, empregada de uma família de herdeiros ricos. É difícil acreditar que seja a mesma pessoa que encarnou a espevitada perua de peruca longa em Abnegação II.
        Antonio Salvador entra para a trilogia apenas nesta última e empresta todo seu talento para as várias personagens que interpreta.
        André Capuano despoja-se das interpretações exageradas das duas primeiras “abnegações” e usa máscaras variadas para dar vida a seus personagens.
        Alexandra Tavares, parecendo muito mais jovem, com seu cabelo cortado rente, tem dicção clara e consegue parecer uma menina ou uma velha (a mãe de uma das cenas) com igual desenvoltura.
        Amanda Lyra é um vulcão em cena, sendo responsável pela maior parte das falas engraçadas da peça.
        E finalmente Vitor Vieira, ator que confirma mais uma vez (se isso fosse necessário!) seu grande talento e versatilidade.
        Muitos elogios? Pode ser, mas todos verdadeiros e muito necessários. Se houvesse algum prêmio dedicado a elenco o meu voto iria com certeza para este trabalho onde predomina a ideia de coletivo.
        Com 15 anos de existência, só tomei contacto com a Tablado de Arruar em 2012 quando assisti ao impactante Mateus 10. A partir daí surgiu Abnegação que deu origem à trilogia que ora se encerra. Trilogia corajosa onde um grupo nitidamente de esquerda faz crítica feroz do partido de esquerda que levou o país à situação ora vivida por todos nós.
        Antes do início do espetáculo, um amigo e eu comentávamos a situação dramática que ora vivemos, pelo fato de não haver perspectivas de luz no fim do túnel, pois este túnel só tem políticos corruptos e arrivistas. E essa falta de luz é muito bem metaforizada ao final do espetáculo com o black out que ocorre na casa pobre e com a ausência dos atores no palco. Soco no estômago, como Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano sabem muito bem dar!

        ABNEGAÇÃO III está em cartaz no Sesc Ipiranga só até o dia 17/07. De quinta a sábado às 21h e aos domingos às 18h. IMPERDÍVEL PARA QUEM ESTÁ INTERESSADO EM REFLETIR SOBRE A SITUAÇÂO DO NOSSO PAÍS.

08/07/2016
       



quinta-feira, 7 de julho de 2016

SACCO E VANZETTI





         Ensaio Aberto completa 23 anos neste ano de 2016. Liderada por Luiz Fernando Lobo  a companhia carioca iniciou suas atividades em 1993 com o espetáculo O Cemitério dos Vivos. O grupo declara-se empenhado em “...retomar o teatro épico no Brasil, na formulação de um pensamento de esquerda e na busca da superação do drama como forma cênica. Um teatro onde o solo do indivíduo desapareceu, onde o centro não está mais no indivíduo, mas no complexo das relações sociais”. A julgar pelo título dos espetáculos já encenados (A Mãe, o Interrogatório, Companheiros, Olga Benário-Um Breve Futuro, entre outros) e pelo atual Sacco e Vanzetti, o conjunto mantém-se fiel à sua proposta. Curiosamente a companhia é pouco conhecida em São Paulo, tendo se apresentado por aqui apenas duas vezes nesses 23 anos, com Missa dos Quilombos e Havana Café. O grupo tem sua sede no Armazém da Utopia (Armazém 6 do cais do porto do Rio de Janeiro).



        A chegada à recém-restaurada zona portuária do Rio já é um espetáculo. Um boulevard limpo e ajardinado, que margeia seis armazéns desde a Praça Mauá , nos conduz ao último, o de nº6, agora batizado de Armazém da Utopia. Ali estão a bilheteria do teatro, a lojinha que vende publicações e camisetas do Ensaio Aberto , um aconchegante café e o local onde acontece a peça.



        A saga trágica dos imigrantes italianos Nicola Sacco (1891-1927) e Bartolomeo Vanzetti (1888-1927), injustamente condenados e mortos na cadeira elétrica nos Estados Unidos, é um exemplo de intolerância e preconceito, uma vez que os mesmos eram anarquistas e imigrantes, “qualidades” que as reacionárias autoridades americanas não podiam suportar. Com o crescente aumento da intolerância e do ódio no mundo o retorno ao fato torna-se mais que oportuno.
        O texto do dramaturgo argentino Mauricio Kartun (1946) escrito em 1992 mostra um pouco da vida e do pensamento anarquista dos dois imigrantes antes do crime a que foram condenados e concentra-se nas cenas de tribunal onde eles foram julgados com os pareceres do advogado de defesa, do promotor e do juiz.
        Luiz Fernando Lobo concebeu seu espetáculo em um galpão onde a plateia em forma de U é formada por três arquibancadas que cercam o espaço cênico cenografado por J. C. Serroni. Algumas cenas acontecem nas laterais do galpão, além daquelas no palco central.


        A peça vai envolvendo o público de tal maneira que ao final do julgamento quando Vanzetti faz seu famoso e inflamado pronunciamento a emoção beira o insuportável: “O meu nome e o de Sacco serão lembrados para sempre. Quem vai lembrar-se do seu Juiz Thayer? E do seu promotor Thompson?” 



        Espetáculo épico por excelência, tem seus grandes trunfos na concepção cênica de Luiz Fernando e do afinado jovem elenco que transita com fluidez pelo amplo espaço e defende suas personagens com muita garra.  O grande destaque do elenco é Diego Diener que cria Vanzetti com muita energia e revolta. Cabe lembrar também de Gilberto Miranda (Sacco), João Raphael Alves (Thompson, advogado de defesa), Luiz Fernando Lobo (Thayer, juiz), João Rafael Schuler (Levangie, promotor) e de uma das atrizes (creio que Danielle Oliveira) que infelizmente não consegui localizar o nome no programa e que tem um emocionante pronunciamento quase ao final da peça.
        Sacco e Vanzetti é espetáculo para se guardar na memória pelo resto da vida de um espectador. Emociona na medida certa e nos faz refletir sobre situações ocorridas há quase um século e que apesar de todo o avanço  ocorrido nesse espaço de tempo parecem ocorrer com maior frequência, haja vista os crescentes ódio e intolerância desse indivíduo tão evoluído tecnologicamente.
        A peça estreou em 2014 e está em sua quarta temporada. Quem for ao Rio de Janeiro não pode perder este pungente espetáculo que dificilmente (e infelizmente!!) tem chance de cumprir temporada em São Paulo em função do numeroso elenco e da necessidade de amplo espaço para abrigá-lo.

        SACCO E VANZETTI - Armazém da Utopia: Av. Rodrigues Alves, Armazém 6. Cais do Porto. Tel: (21)2253-8726. Sextas às 20h, sábados e domingos às 19h. R$40,00. VERIFICAR SE A PEÇA CONTINUA EM CARTAZ!

05/07/2016

        

terça-feira, 5 de julho de 2016

UMA VEZ NO RIO...


        Passei uma semana no Rio curtindo em boa companhia aquela cidade que me faz muito bem. Temperatura amena, sol cálido e muita energia positiva emanando das pessoas que me hospedaram fizeram com que eu voltasse renovado para São Paulo.
        Assisti a quatro excelentes espetáculos teatrais, prova que naquela cidade também se faz bom teatro, fato que alguns críticos paulistanos insistem em negar e visitei uma belíssima exposição sobre Caio Fernando Abreu no Sesc Copacabana.



        GOTA D’ÁGUA (A SÊCO) – Versão minimalista da peça de Chico Buarque e Paulo Pontes com inserção de canções de Chico que não faziam parte do original. Dirigida pelo santista Rafael Gomes - que vem criando sólida carreira como encenador - a montagem tem seu grande trunfo na interpretação visceral de Laila Garin como Joana, muito bem acompanhada por Alejandro Claveaux como Jasão. Cinco músicos fazem o acompanhamento musical do espetáculo. A peça deverá fazer temporada em São Paulo no mês de setembro.




        SACCO E VANZETTI – Não menos que pungente espetáculo do grupo Ensaio Aberto dirigido por Luiz Fernando Lobo apresentado no Armazém da Utopia na zona portuária da cidade. Produção complexa (cenários e elenco numeroso) dificilmente chegará aos palcos paulistanos. A peça está em cartaz há mais de dois anos. Será alvo de matéria específica.




        A REUNIFICAÇÃO DAS DUAS COREIAS – A peça de Joël Pommerat (de quem São Paulo já viu Esta Criança, Ça Ira e Cinderela) dirigida por João Fonseca trata de relações, separações e “reunificações” afetivas. As duas Coreias tão antagônicas servem como metáfora para as situações dos casais. Sete atores dão conta de 47 personagens retratadas em 18 cenas curtas. No bastante afinado elenco, destaques para Louise Cardoso, Gustavo Machado e Bianca Byington. A peça tem a “cara” de São Paulo e deverá cumprir temporada por aqui.




        NÓS – Esta não é uma produção carioca. Trata-se de montagem do grupo mineiro Galpão com direção do carioca sediado em Curitiba Marcio Abreu. Incursão do Galpão em questões da atualidade como racismo, opressão e perda de liberdade de escolha. A peça é encenada no palco do teatro Sesc Ginástico para uma privilegiada plateia de 80 pessoas. Mais cem lugares são disponibilizados no balcão do teatro de onde se assiste ao espetáculo, mas sem poder participar das interatividades propostas pelos atores. A velha canção Lama de Aylce Chaves e Paulo Marques (Se eu quiser beber, eu bebo/Se eu quiser fumar eu fumo...) encaixa-se muito bem à proposta da encenação. Teuda Bara e Eduardo Moreira são os responsáveis pelos melhores momentos deste espetáculo que enfatiza: “Quem somos nós, senão os responsáveis por tudo que está aí!”. O grupo Galpão com certeza deverá fazer temporada da peça em São Paulo.

        Como já informei em outro relato, a praga colabonesca não permitiu que eu assistisse à estreia de Cais ou Da Indiferença das Embarcações que foi adiada do dia 29 para o dia 30.


04/07/2016

segunda-feira, 4 de julho de 2016

FIM DE PARTIDA e O AVESSO DO CLAUSTRO


        Ao sair de um espetáculo que lhe emociona e tira do chão a vontade é compartilhar suas sensações e recomendar o mesmo para o maior número de pessoas. É frustrante quando isso ocorre no último dia de apresentação e isso aconteceu neste fim de semana quando assisti às derradeiras apresentações de Fim de Partida (no sábado) e O Avesso do Claustro (no domingo).

Rubens Caribé e Eric Lenate

        FIM DE PARTIDA talvez seja a mais sombria e pessimista peça da sombria e pessimista obra de Samuel Beckett, sem abrir mão daquele humor sutil e clownesco também característico do dramaturgo irlandês. Eric Lenate soube captar de maneira exemplar esse universo claustrofóbico e sem perspectivas em que vivem Hamm, Clov, Negg e Nell criando um espetáculo denso e sufocante. Todos os elementos de cena (cenografia, iluminação, figurinos e adereços) são o mínimo necessário para refletir aquele mundo imaginado por Beckett. Interpretações poderosas de Rubens Caribé (Clov, criado de Hamm) e de Eric Lenate com uma prótese nos olhos simulando a cegueira de Hamm. A aparição de Miriam Rinaldi (Nell, a mãe de Hamm) é mágica e suas patéticas expressões remetem àquelas do hilário e, ao mesmo tempo triste, Harpo Marx. Ao sair incomodado daquela partida angustiante sem vencedores e sem fim (Clov fala o tempo inteiro que vai deixar Hamm, mas no último momento volta a colocar os guizos que o aprisionam ao seu amo) temos um gosto amargo na boca que nos faz refletir sobre o absurdo mundo em que vivemos.

Karen Menatti/Dinho Lima Flor/Rodrigo Mercadante/Lilian de Lima

        O AVESSO DO CLAUSTRO é uma celebração em torno de Dom Helder Câmara (1909-1999) realizada pela Cia. do Tijolo. Dom Helder foi grande defensor dos direitos humanos e denunciou com muita veemência a tortura que se praticava no Brasil durante os anos de chumbo da ditadura militar. O espetáculo dirigido por Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante que se define como “missa profana, espiritual e profana” é muito bonito cenicamente e vem embalado pela Missa Luba (missa africana) e por belas canções criadas por Caíque Botkay e Jonathan Silva. Sopa e vinho, símbolos de congraçamento, são compartilhados com o público. Fica clara na montagem a posição do grupo contra os dogmas de qualquer religião. Cinco músicos fazem parte do espetáculo e quatro atores dão conta das interpretações (os diretores e as excelentes Lilian de Lima e Karen Menatti); Flávio Barollo circula incansavelmente pelo espaço exibindo imagens nos lugares mais surpreendentes. A apoteótica cena final traz um boneco gigante de Dom Helder, muito bem acompanhado por Paulo Freire, Garcia Lorca e Patativa do Assaré, personalidades que fizeram parte de montagens anteriores da Cia. do Tijolo. Espetáculo solar, apesar do tema tratado.
        E assim o fim de semana assistiu ao desencanto do universo sombrio beckettiano temperado com a esperança solar de Dom Helder Câmara. VIVA O TEATRO!

04/07/2016