Que pena! Hoje não
teremos nem Dostoiévski (1821-1881), nem Nelson Rodrigues (1912-1980) para nos
atormentar e nos tirar da zona de conforto.
Enquanto um escreveu
sua obra na gelada Rússia e até na inóspita Sibéria, o outro o fez sob o
escaldante sol do Rio de Janeiro, mas ambos enfrentaram os conflitos e a
complexidade da alma humana e os reproduziram em suas obras. A influência do escritor
russo na obra do brasileiro pode ser comprovada nas palavras do próprio Nelson:
“Certa vez, um
erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: ‘O que é que você leu?’.
Respondi: ‘Dostoiévski’. Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil
volumes. Insistiu: ‘Que mais?’. E eu: ‘Dostoiévski’. Teimou: ‘Só?’. Repeti:
‘Dostoiévski’. O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não
entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro
de Dostoiévski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema
não sei de quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode
haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante,
mais novo, mais abismal do que a releitura”.
Esses dois gênios estiveram presentes na última semana em nosso teatro
virtual em dois importantes eventos.
Nelson Rodrigues no Primeiro
Festival da Tragédia Brasileira, organizado pela Cia.
Repertório Rodriguiana, dirigida por Marco Antonio
Braz. Um elenco multe estelar realizou leitura dramática de cinco peças e de dois
contos do dramaturgo. Vide matéria no blog:
http://palcopaulistano.blogspot.com/2021/04/toda-nudez-sera-castigada-e-o-festival.html
Idealizado por Marlene Salgado e Elena Vássina o evento Abismos de
Dostoiévski foi transmitido pelo canal do YouTube
do Centro Cultural São Paulo. Foram seis surpreendentes apresentações de alto
valor artístico, todas elas a partir da obra do escritor russo e cada uma delas
na visão artística de vários encenadores e elencos, o que proporcionou uma bem
vinda diversidade.
Celso Frateschi abriu o evento dirigido por Vivien Buckup fazendo uma
emocionante leitura de O Sonho de
Raskólnikov contido no romance Crime Castigo, onde uma eguinha é açoitada até a morte pelo seu dono.
A Dócil, dirigida criativamente por Ondina Clais e Ruy Cortez revelou a potente, hipnotizante e realmente surpreendente interpretação de Marina Nogaeva Tenório. Vide matéria no blog:
https://palcopaulistano.blogspot.com/2021/04/quando-arte-me-tira-do-chao.html
Luah Guimarãez mostrou todo seu talento e versatilidade na
interpretação do demoníaco Stavrôguin e da menina Matriôcha em Stavrôguin - Eu
Mesmo, retirado do romance Os Demônios, com direção de Vadim Nikitin.
Donizeti Mazonas e Wellington Duarte realizaram belo trabalho de
teatro-dança em Em Teu Nome, transposto de O Grande
Inquisidor, capítulo fantástico do
romance Os Irmãos Karamázov.
Mais uma interpretação surpreendente veio de Rômulo Braga em O Veredicto que contou com a direção de Yara de Novaes e Clarissa Campolina que
mesclou narrativas teatral e cinematográfica.
Matheus Nachtergaele e Cibele Forjaz fecharam com chave de ouro o
evento com a apresentação de O Sonho de Um
Homem Ridículo, onde o autor russo nos dá um
pouco de esperança, mesmo que seja em sonho, haja vista a diferença do conteúdo
deste sonho com aquele de Raskólnikov.
Todas as apresentações foram seguidas de debates com os artistas envolvidos, tendo uma deliciosa e significativa mediação de Elena Vássina, que pronuncia “Dostoiévski” como nenhum de nós brasileiros consegue fazê-lo..
Muitas louvações para essas iniciativas de Marlene Salgado e Elena
Vássina e de Marco Antônio Braz. Que venham muitas outras, pois não nos faltam
grandes autores para isso: Shakespeare, Jorge Andrade, os trágicos gregos, Tchekhóv,
Martins Pena (por que não??),Molière, Plínio Marcos e tantos outros.
27/04/2021
Realmente uma pena. Fica um vazio hoje.E obrigado pelas falas!
ResponderExcluirMuito bom!!!
ResponderExcluirQuerido José Cetra, certeiro e afiado como sempre. Nelson ficaria muito feliz de ler suas palavras com certeza ! Um grande beijo, estamos retransmitindo até 09/05 as experiências todas juntas. GRACIAS, luah
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