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sexta-feira, 29 de abril de 2022

HENRIQUE IV

 


Foto de Arnaldo D'Ávila

Reveste-se sempre de grande expectativa a estreia de uma nova montagem de um encenador do porte de Gabriel Villela.

O sugestivo pano de boca que recepciona o público cobrindo o imenso palco do Teatro Antunes Filho no SESC Vila Mariana aguça ainda mais essa expectativa do espectador.

Toca o terceiro sinal, sobe o pano e admiramos o belo cenário de J.C. Serroni e os atores em posição estática.

Tem início o espetáculo com falas dos camareiros daquele que se acha “rei” (Artur Volpi e Breno Manfredini, brilhantes) explicando que o público irá assistir a uma representação circense de Henrique IV, não de Shakespeare, mas de Pirandello. Esse clima de ironia, humor e dualidades irá permanecer durante todo o espetáculo. Em seguida o elenco prepara-se para literalmente vestir os seus personagens.

Tudo ou “quase” tudo é perfeito na criativa encenação orquestrada por Villela: o já citado cenário de Serroni; os coloridos figurinos de autoria do encenador; o perfeito visagismo realizado por Claudinei Hidalgo; a iluminação assinada por Caetano Vilela; a maravilhosa direção musical pela não mais que excelente Babaya Moraes e por Jonatan Harold que também participa da peça acompanhando instrumentalmente o canto do elenco e; finalmente; por um elenco de sonhos liderado por Chico Carvalho e Rosana Stavis.

Foto de João Caldas

E por que, com todas essas marcantes qualidades, a peça se torna cansativa? O senhor Pirandello que me perdoe, mas o problema está no texto que, mesmo com os cortes efetuados pelo tradutor Claudio Fontana e pelo diretor, é repetitivo e verborrágico. Para sinopse tão simples (“Pirandello explora os limites entre a loucura e a lucidez a partir da estória de um homem que, após uma queda do cavalo e uma pancada na cabeça, vive (ou finge viver) o personagem que representava em uma festa de carnaval”) o dramaturgo cria uma série de situações complexas com solilóquios imensos do protagonista, dos quais, por sinal, Chico Carvalho, se sai brilhantemente.

Foto de João Caldas

Villela astuciosamente controla o ritmo da encenação introduzindo canções populares e díspares como aquelas de Nino Rota, do Supertramp, de Nancy Sinatra (momento delicioso onde Stavis interpreta Bang Bang), chegando até à melosa I Started a Joke interpretada divinamente por Artur Volpi (que já havia interpretado The Logical Song no início da peça). Se por um lado a introdução das músicas dinamiza o ritmo do espetáculo, por outro acaba o alongando ainda mais, chegando a 1h40 de duração.

É claro que, apesar desses senões puramente pessoais, recomendo vivamente mais essa direção de Villela, belíssima mais na forma do que no conteúdo. 

Henrique IV está em cartaz no Teatro Antunes Filho (SESC Vila Mariana) de 28/04/22 a 05/06/22 de quinta a sábado às 21h e domingos às 18h. 

29/04/2022

quinta-feira, 28 de abril de 2022

OS CAPULETOS E OS MONTÉQUIOS

Um mês atras escrevi que não era iniciado na linguagem de dança e que não me sentia à vontade para fazer uma análise mais detalhada de Encantado da Lia Rodrigues Cia.de Dança, mas que não podia me furtar a descrever a beleza que o espetáculo me havia proporcionado.

Volto a sentir a mesma coisa em relação à linguagem operística e à esplêndida Os Capuletos e os Montéquios, ora em cartaz no icônico e belo Theatro São Pedro.

Tudo funciona perfeitamente na montagem.

A ópera de Vincenzo Bellini (1801-1835), que eu não conhecia, composta em 1830 tem libreto original de Felice Romani (1788-1865) que difere bastante da obra de Shakespeare e a música do compositor é bela e fácil de ser absorvida, com arias e cenas corais sempre com finais retumbantes que fazem com que o público aplauda a cada dez minutos. Cabe notar que não me agrada esse costume comum nas óperas e nos musicais que, para mim, quebra o clima emocional despertado pela trama.

É sempre bem-vinda a criativa transgressão do diretor cênico Antonio Araújo que se faz presente, principalmente, na abertura da ópera, na intrigante cenografia assinada por André Cortez e Carol Bucek que divide a plateia do teatro por meio de uma cerca de arame farpado e reproduz no palco muros pichados e na condução da trama por meios bastante originais.

Na interpretação são excelentes as intervenções do coro masculino (Coral Jovem do Estado), de Anibal Mancini (Teobaldo), Anderson Barbosa (Capello, pai de Giulietta) e Douglas Hann (excelente como Lorenzo, aqui transformado de frei em uma espécie de médico).

Carla Contini tem voz bonita e suave e bela presença como Giulietta.

E um vasto HURRAH!!! para Denise de Freitas que nos leva às alturas com a sua Romeu. Mais um marcante trabalho na carreira dessa magnífica cantora que pode preencher um estádio com sua poderosa voz.

A impecável Orquestra do Theatro São Pedro é regida por Alessandro Sangiorgi, que também faz a direção musical.

Repito que não há a menor pretensão crítica nesta matéria cujo único objetivo é testemunhar o grande prazer que foi assistir a Os Capuletos e os Montéquios. 

28/04/2022

 


domingo, 24 de abril de 2022

O CHÃO DE DENTRO É MINHA TERRA

 

Conciso, atual, engajado, coerente, urgente e sintético foram alguns dos adjetivos dos quais me vali na época para definir as principais qualidades do espetáculo. Colocados na vertical, suas primeiras letras formam o título da peça ‘Caecus’ que em latim significa cegos.

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        Estamos em 2020 em plena pandemia provocada pelo novo corona vírus. Os ensaios do novo espetáculo ‘O Chão de Dentro É Minha Terra’ tiveram que ser interrompidos. Este novo trabalho volta-se para o movimento dos sem-terra (MST) e do campesinato no país, expondo, segundo o grupo, “áreas latifundiárias improdutivas e a expansão desarcebada do agronegócio”. Como se percebe trata-se de mais um trabalho militante do grupo que, com certeza, merecerá os adjetivos que qualificaram seu trabalho anterior.

        Nosso teatro precisa de artistas militantes que lutem por um Brasil melhor. Longa vida a Los Puercos!”

        Esse texto faz parte de matéria que escrevi em maio de 2020 sobre as atividades da Cia. Los Puercos.

Abril de 2022: tive a oportunidade de assistir ontem à montagem do espetáculo idealizado há mais de dois anos.

        Trata-se de produção com cenário e figurinos de Marcos Valadão bastante simples e coerentes com o tema tratado.

        A dramaturgia assinada por toda a companhia talvez seja, no meu modo de ver, concisa e sintética demais, mas bastante atual, engajada, coerente e engajada, isso para utilizar os mesmos adjetivos que me vali para definir o espetáculo anterior do grupo. Cenas ficcionais são entremeadas com dados estatísticos sobre o assunto e depoimentos dos sem-terra, no melhor estilo do teatro documentário; mas um recheio maior que costurasse e aprofundasse os assuntos seria algo muito positivo para o resultado final.

        Giovana Marcomini e Nathalia Nigro voltam a atuar juntas depois de A Oração e Eluane Fagundes e Felipe Lima formam o elenco masculino. Interpretam e cantam bem, auxiliados pela energia do músico Henrique Vitorino que não fala, mas demostra bastante energia com suas expressões faciais.

        Para o bem e para o mal, a montagem dirigida por Luiz Campos tem um ar dos espetáculos engajados e militantes muito em voga nos anos cruciais da ditadura militar, afinal vivemos hoje uma época tão desastrosa e perigosa como aquela dos anos 1960/1970.

        Programa impresso com sinopse e ficha técnica do espetáculo é fornecido para o público, servindo de exemplo para essas produções com muito maiores recursos e que insistem em disponibilizar programas apenas com acesso por meio dos execráveis QRcode!!

        O CHÂO DE DENTRO É MINHA TERRA está em cartaz na SP Escola de Teatro até o próximo domingo, dia 1º de maio com sessões às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h.

        24/04/2022

sábado, 23 de abril de 2022

A ESPERANÇA NA CAIXA DE CHICLETES PING PONG

 

 

A arte tem de ter algo que me tire do chão e deslumbra.

FERREIRA GULLAR 

As palavras tão bem articuladas por Clarice Niskier e a emoção provocada - misto de alegria, felicidade e revolta pelo momento do nosso país - é tão intensa, que me sinto pouco à vontade para escrever com minhas parcas palavras tudo o que senti na noite de ontem ao assistir a A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong.

Isso sempre me ocorre quando a emoção provocada por um espetáculo é muito grande. Saí de tal maneira impactado e energizado que tive até certa dificuldade de adormecer horas depois.

Clarice Niskier é absolutamente sensacional tanto na brilhante atuação, como na excelente dramaturgia construída na forma de cordel a partir de suas memórias, de seu olhar sobre a realidade brasileira e das canções de Zeca Baleiro.

Não me tirou do chão como na famosa frase de Ferreira Gullar em epígrafe (que por sinal, é um dos inúmeros artistas brasileiros citados durante o espetáculo), mas fez com que eu afastasse as costas da poltrona e me debruçasse no encosto da poltrona da frente para fruir melhor este que desde já é um dos melhores espetáculos apresentados em nossos palcos nesta rica temporada teatral paulistana que com menos de quatro meses de vida já apresentou (e está apresentando) obras e encenações memoráveis.

A sinergia criada entre a artista e a plateia é tão grande que em certo momento me peguei cantando em altos brados junto com o público: “Mas tudo passa, tudo passará”, antigo sucesso de Nelson Ned.

Para espetáculo no todo tão brilhante fica difícil destacar este ou aquele momento, mas arrisco lembrar da cena em que a atriz pega um velho rádio no baú e deslizando o dial vai ouvindo e reagindo a antigas canções brasileiras.

No imenso palco do Teatro J. Safra estão dispostos um violão, figurinos a serem utilizados no espetáculo e um baú de onde a atriz vai retirando objetos. Só isso e tudo isso.

Um time de bambas colabora para que a magia do espetáculo aconteça: José Dias (cenário), Aurelio Di Simoni (iluminação) e Kika Lopes (figurinos). Elemento importante nos figurinos é o manto que Zeca Baleiro presenteou a atriz e que tem bastante importância no desenvolvimento da ação.

O lúdico e o lúcido caminham lado a lado na peça, pois poeticamente e com muita delicadeza Clarice Niskier põe a mão nas feridas que assolam o nosso país.

Sobre as letras das canções de Zeca Baleiro não é preciso falar! As músicas permeiam as falas e são apresentadas nos originais gravados pelo cantor/compositor, enquanto a atriz faz deliciosas coreografias.

A Esperança na Caixa de Chicletes Ping Pong é espetáculo mais que perfeito e merece - aliás, o público merece - que realize nova temporada em teatro mais central e mais intimista (o Teatro Eva Herz onde Clarice apresentou A Alma Imoral por anos a fio seria espaço ideal para abrigar essa maravilha).


Enquanto isso, não perca a oportunidade de se deslocar até o Teatro J. Safra onde o espetáculo acontece apenas até o próximo fim de semana (dia 1º de maio). Sessões às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h.

NÃO DÁ PARA DEIXAR PASSAR!!! 

26/04/2022

sexta-feira, 22 de abril de 2022

FREEDOM CITY

 

A julgar por dadesordemquenãoandasó (2016), Scavengers (2017) e a presente Freedom City, trilogia montada pela Cia. Artera de Teatro, parte da trama narrada pelo elenco é uma característica do teatro do dramaturgo escocês Davey Anderson.

Aqui, mais uma vez, o recurso é muito bem utilizado para narrar a saga do protagonista Samuel, um rapazote meio perdido, sem noção de nada, que sobrevive trabalhando em um hotel de segunda categoria, isca perfeita para ser tragado por esses sites que disseminam o fanatismo conservador, pregando o machismo, os preconceitos raciais e de gênero e o ódio como forma de sobrevivência. A comunidade virtual intitula-se Freedom City.

Para tema tão contemporâneo envolvendo comunicação virtual e fake news que disseminam preconceito e ódio, Davi Reis e Ricardo Corrêa criaram concepção cênica que dialoga com a proposta do texto. Luminosos, máscaras que projetam imagens e frases por meio de controle do celular e poucos elementos que definem a sala da casa de Samuel, o porão onde Samuel tem seu notebook, o hotel e uma mercearia onde uma das personagens trabalha.  Esse cenário, suficientemente limpo é assinado pela dupla e por Cesar Resende de Santana (Basquiat). A iluminação de Fran Barros completa com muita beleza esse local por onde vão transitar as personagens da peça.

Ricardo Corrêa defende com seu costumeiro talento a figura de Samuel. Pedro Guilherme que já atuou com a Artera em dadesordemquenãoandasó representa com energia o ridículo líder da comunidade. Lucca Garcia completa o elenco masculino atuando principalmente na narração.

Julyana Belmonte representa vários papeis e Letícia Tomazeli é Wendy, irmã de Samuel, única personagem que provoca empatia com o público.

Além de representar as personagens, todo o elenco também se incumbe das partes narradas.

A homogeneidade interpretativa é outro ponto forte deste ótimo espetáculo.

A maioria das peças a que tenho assistido procura inserir em algum momento fatos relativos a esse indecente governo a que estamos submetidos. Gesto mais que louvável porque MAIS DO QUE NUNCA é preciso denunciar o que está ocorrendo; no entanto em certos casos a denúncia soa artificial ou fora do contexto. Em Freedom City essa denúncia escancarada do gabinete do ódio e das fake news promovidas pelo presidente e seus cupinchas entra de forma harmoniosa como se tivesse sido escrita por Davey Anderson depois de um contato com nossa realidade.

Extremamente necessária para o momento que estamos vivendo, esta peça precisaria ser assistida por jovens fora da bolha; aqueles jovens que, por inocência ou oportunismo, acabam se envolvendo e defendendo essas verdadeiras máfias do ódio.

FREEDOM CITY está em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 1º de maio com sessões de quinta a sábado às 21h e aos domingos às 20h. Ingressos gratuitos.

 

22/04/2022

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

MORTE E VIDA SEVERINA

 

1 - HISTÓRICO

Pouca gente sabe que o poema Morte e Vida Severina escrito em 1955 pelo poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999) foi montado pela primeira vez em palcos paulistanos em 1960 pelo Teatro Experimental Cacilda Becker com direção de Clemente Portela, composição cênica de Flavio Imperio, música de Willy Corrêa de Oliveira e tendo no elenco, Walmor Chagas, Solano Ribeiro e Ruthneia de Moraes, entre outros. Apesar de tantos nomes famosos o espetáculo foi um fracasso permanecendo pouco tempo em cartaz.

No ano de 1965 um jovem de 21 anos chamado Francisco Buarque de Holanda compôs canções para parte do poema e outro jovem, Silnei Siqueira, realizou montagem histórica com um grupo de universitários da Universidade Católica. O nome TUCA batizou o grupo e o teatro recém inaugurado. O memorável espetáculo foi um grande momento do nosso teatro e ganhou em 1966 o primeiro prêmio do Festival de Teatro de Nancy na França, sendo considerado o melhor teatro universitário do mundo. Do numeroso elenco amador, a única pessoa que seguiu carreira teatral foi Ana Lucia Torre que interpretava com muito vigor a mulher da janela.

Silnei Siqueira voltou a dirigir o poema em 1969 tendo Paulo Autran e Carlos Miranda nos papeis principais e em 1996 com o grupo TAPA contando mais uma vez com Ana Lucia Torre no elenco. Apesar da excelência das equipes, essas montagens não atingiram o brilho e a repercussão daquela do TUCA.

Segundo a produtora Célia Forte houve também uma montagem no Teatro Markanti em 1977 à qual eu desconheço.

57 anos depois as belas palavras de João Cabral de Melo Neto voltam a ser ouvidas no mesmo TUCA agora sob a direção de Elias Andreato, realizando um velho sonho da guerreira Célia Forte. 

2. A MONTAGEM ATUAL

Revisitar textos que tiveram montagens clássicas é sempre complicado, principalmente para aqueles que assistiram a elas. Por diversas razões assisti à montagem do TUCA uma dezena de vezes em 1965 e apesar de tantos anos passados o texto e as músicas ainda fazem parte da minha memória. Por essa razão confesso que me dirigi ao Tuca um pouco temeroso.

Que magnífica surpresa! Quanta emoção! O espetáculo é belíssimo, atual e capaz de levar até as lágrimas o mais durão dos espectadores.

Desde o cenário do saudoso Elifas Andreato lindamente iluminado pela luz criada pelo diretor e por Júnior  Docini, passando pela excelente direção musical de Marco França (arranjos originais para as canções de Chico Buarque e excelente integração entre os ótimos músicos e os intérpretes) e pelos figurinos de Fabio Namatame, tudo funciona nessa montagem, uma das mais significativas realizações de Elias Andreato como diretor.

Isso sem falar do elenco, em sua maioria migrante de alguma parte do país. Fica difícil destacar esse ou aquele intérprete, pois todos estão ótimos como atrizes/atores e como cantoras/cantores, mas é preciso lembrar de momentos marcantes do poema e do espetáculo, como o da mulher da janela (Badu Morais, maravilhosa, aplaudida em cena aberta), do funeral (presença marcante e forte de Jana Figarella), dos coveiros (revelando João Pedro Attuy e Raphael Mota em cena que tem até certo humor) e das ciganas (atenção peço senhores, para o vigor e a energia de Patrícia Gasppar e Andréa Bassitt nesta cena). É linda também a participação de Beatriz Amado cantando com uma bela voz e tocando flauta. Finalmente, todos os louvores para Dudu Galvão, intérprete de Severino, realizando muito bem as nuances da personagem ao se defrontar com a miséria, a fome e a morte e com a alegria e a esperança da vida, mesmo que seja uma vida severina.

Na cena final, onde se canta o nascimento de uma nova vida, é impossível conter aquela emoção a duras penas reprimida durante todo o espetáculo. Nesse momento, não deu mais pra segurar: EXPLODE CORAÇÃO! (obrigado, Gonzaguinha) e as lágrimas rolaram.

O belíssimo e, infelizmente, ainda atual poema de João Cabral de Melo Neto está dignamente representado nesse excelente espetáculo de Elias Andreato no mesmo palco onde estreou há 57 anos atrás.

A tentativa de evitar o excesso de adjetivação vai por água abaixo quando a emoção é muito forte. Que me desculpem as leitoras e os leitores desta matéria por esses excessos. 

MORTE E VIDA SEVERINA cumpre temporada no TUCA de 15/04 a 26/06 com sessões às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h.

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

 

11/04/2022

domingo, 10 de abril de 2022

SWEENEY TODD – O CRUEL BARBEIRO DA RUA FLEET

 

Em 1970 o dramaturgo e diretor inglês Christopher Bond (1945) escreveu texto baseado em um conto vitoriano intitulado Sweeney Todd. Em 1979 Hugh Wheeler (1912-1987) escreve o libreto e o incomparável Stephen Sondheim (1930-2021) compõe música e letras para um musical baseado no texto de Bond. Surge Sweeney Todd – O Cruel Barbeiro da Rua Fleet, que em boa hora (quase 50 anos depois) estreia em nossos palcos pelas mãos mágicas de Zé Henrique de Paula sempre em companhia da nossa Midas, Fernanda Maia, que assina a versão do texto, a direção musical e a regência da orquestra.

O musical é encenado no 033 Rooftop (por que usar termos estrangeiros?) do Teatro Santander e é muito bonito o ambiente criado com mesas ao invés das tradicionais plateias. O cenário assinado pelo diretor reproduzindo um ambiente vitoriano sombrio, está distribuído por todo o espaço obrigando o espectador a girar o corpo para acompanhar todas as cenas (lembrei-me que quando Victor Garcia dirigiu e Ruth Escobar produziu Cemitério de Automóveis (1968) em uma antiga oficina que se tornou o Teatro Treze de Maio, o público sentava-se em cadeiras giratórias que facilitavam o giro). Quanto ao cenário é importante lembrar que Zé Henrique explora criativamente cada pedaço do espaço, incluindo cortinas, tudo lindamente iluminado por Fran Barros e Túlio Pezzoni.

João Pimenta que acaba de nos brindar com os figurinos de Pérsia do Grupo Sobrevento, volta a fazê-lo com as soturnas e significativas vestes das personagens que circulam no entorno da Rua Fleet.

As canções de Sondheim para este espetáculo não são daquelas assobiáveis na saída do teatro, mas são muito bonitas e extremamente condizentes com a trama trágica contada. Em relação à música cabe destacar a excelente atuação da orquestra sob o comando de Fernanda Maia.

O elenco de 17 atores é harmônico e muito bom, tanto quando falam como quando cantam.

Escrever sobre o talento de Guilherme Sant’Anna é chover no molhado, mas ele surpreende ao cantar (e muito bem), principalmente, na cena da cadeira de barbeiro em que ele canta e Sweeney assobia.

Boas surpresas são as presenças de Mateus Ribeiro como o garoto Tobias (único sobrevivente da história) e Dennis Pinheiro, o enamorado Anthony, uma belíssima voz que com certeza fará brilhante carreira no teatro musical.

As estrelas do espetáculo são Andrezza Massei como Dona Lovett e Rodrigo Lombardi como Sweeney. Cantam muito bem, interpretam seus personagens com raça e humor conduzindo a trama “quase” até seu trágico final.

Trazer a obra de Sondheim é um dos grandes méritos deste espetáculo. Meses antes do grande compositor falecer, escrevi matéria sobre ele intitulada Sondheim Por Que Não? que volto a disponibilizar aqui.

https://palcopaulistano.blogspot.com/2021/10/sondheim-por-que-nao.html

Um dia ainda eu assisto a A Little Night Music em nossos palcos e me delicio com uma das mais belas canções do compositor e, quiçá, de todo o cancioneiro norte-americano: Send In the Clowns. 

SWEENEY TODD está em cartaz no 033 Rooftop do Teatro Santander às sextas às 21h30, sábados às 16h e 20h30 e aos domingos às 18h.

UM DELICIOSO ENTRETENIMENTO! 

10/04/2022

sábado, 9 de abril de 2022

O PAI

 

Uma montagem bela e dinâmica de um texto clássico que prende a atenção mesmo daqueles mais novos acostumados às invenções da cena contemporânea e que torcem o nariz para o pejorativamente chamado “teatrão”. Esse é um dos grandes méritos desta visão de Regina Galdino para o texto do dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912).

A peça trata de um embate entre o patriarca Adolf e sua esposa Laura em torno da educação da filha Bertha. A partir dessa situação, o autor cria trama complexa onde a mulher, a princípio submissa, vai tomando conta da situação por meio de falcatruas e mentiras, criando dúvidas sobre a paternidade de Bertha e o estado mental do marido. Com fama de machista e misógino, este texto parece mostrar o contrário, apesar das armas usadas pela mulher para vencer não serem nem um pouco éticas. Digna de nota é a tradução/adaptação do texto realizada por Gerson Steves.

Regina Galdino além de dirigir o espetáculo, o ilumina lindamente em um palco vazio com apenas três cadeiras que são arrastadas pelo elenco para criar os vários ambientes da casa e um imenso painel ao fundo mostrando uma natureza inóspita e muito fria. Este painel muda de cor, conforme mudam as intenções de cada cena. A concepção cenográfica também é de sua autoria. Figurinos bastante adequados à situação criados por Marichilene Artisevskis.

Em elenco bastante homogêneo, Beatriz Negri faz a filha Bertha; Sérgio Passareli é o soldado, espécie de criado da casa; Gerson Steves representa o Doutor e Daniel Costa é o Pastor, responsável pelo “Amém” final que sacramenta toda a situação criada pela irmã Laura.

Tatiana Montagnolli, mentora do projeto, cria com muita dignidade a personagem de Laura, tímida no início, vai tomando conta da situação ao longo da trama com bastante cinismo e perversidade. Atriz pouco conhecida em nossos palcos, tem aqui uma grande atuação, que a coloca entre nossas boas intérpretes.

Com o talento de sempre e com uma barba imensa para disfarçar a diferença de sua idade com a da personagem, Marcos Damigo encara com vigor a difícil figura de Adolf. Autoritário e senhor de si no início, perplexo e corroído pela dúvida durante e fora de si no final, são fases da personagem que o ator nos mostra com brilhantismo e muito talento.

E por último, mas não menos importante, a presença luminosa de Gabriela Rabelo (em participação especial) como a criada Margret. A cena em que, pesarosa, coloca a camisa de força em Adolf, relembrando momentos da sua (dele) infância é belíssima e emocionante, podendo desde já ser considerada como um dos momentos mágicos e memoráveis do nosso teatro. 

O PAI está em cartaz no Teatro João Caetano até 24/04 com sessões às sextas e sábados às 21h e aos domingos à 19h. Ingressos gratuitos.

É sempre bom lembrar: um programa impresso com dados sobre o autor, impressões sobre a obra escritas pelos envolvidos na montagem, ficha técnica e algumas fotos é distribuído gratuitamente. A MEMÓRIA DO TEATRO PAULISTANO AGRADECE! 

09/04/2022

 

 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

ESPERANDO GODOT

 


 

Este é meu décimo Godot. O primeiro jamais vou esquecer, pois foi aquele dirigido por Flávio Rangel em 1969 com Cacilda Becker e Walmor Chagas nos papeis de Estragon (Gogo) e Vladimir (Didi).

 Seguiram-se a montagem clássica de Roger Blin (1978) na Comedie Française; uma de Cristiane Paoli Quito (2000) da qual tenho boas lembranças; de Paulo de Moraes (2002); de Gabriel Villela só com mulheres (2006); de Marcelo Lazzaratto (2006), na qual, se bem me lembro, Godot se fazia presente na última cena; de Leo Stefanini (2016); de Elias Andreato (2016) e a visceral montagem de Cesar Ribeiro (2017). Por não estar no Brasil na época não assisti à encenação de Antunes Filho (1977) também com elenco feminino.

Chegou a vez de assistir à visão de Zé Celso Martinez Corrêa sobre esta espera, em tempos tão conturbados, desses dois seres por alguém ou algo que nunca virá.

 Zé Celso já visitou a obra em cenas da poderosa série de peças sobre Cacilda e em uma montagem carioca, mas é a primeira vez que o faz integralmente nos palcos paulistanos.

Pelas circunstâncias da morte de Cacilda, esta peça está irremediavelmente ligada à sua pessoa, então foi um verdadeiro privilégio assistir ao espetáculo no dia (06 de abril) em que Cacilda completaria 101 anos.

E o espetáculo de Zé Celso está belíssimo e potente desde as imagens projetadas em um telão no início com cenas das barbáries ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos tempos prenunciando o fim do mundo, seguido do belo cenário concebido por Marília Gallmeister e Marcelo X banhado linda e criativamente pela luz desenhada por Luana Della Crist que literalmente envolve o público na interminável espera por Godot.

Vista do espaço cênico e da plateia impar a partir da plateia par

Louve-se também os trabalhos de vídeo realizados por Ciça Lucchesi, Igor Marotti e Renato Pascoal, registrando no telão as cenas que se passam no palco, dando a possibilidade de o espectador ver a cena sob vários ângulos. Essa captação de imagens nos espetáculos do Oficina tornaram-se uma benéfica marca registrada do grupo já há alguns anos.

Acostumado a realizar espetáculos com dezenas de figurantes, desta vez Zé Celso se limita aos cinco personagens do original.

Marcelo Drummond (Estragon) e Alexandre Borges (Vladimir) encarregam-se dessas duas figuras icônicas do teatro mundial. Ricardo Bittencourt interpreta Pozzo, Roderick Himeros desincumbe-se do difícil papel de Lucky (Felizardo) e Tony Reis é o Mensageiro, personagem com a qual Zé Celso tomou mais liberdades nesta sua versão da peça.

A atuação do elenco é impecável, mas no meu modo de ver, o intérprete que melhor reproduz o universo beckettiano e a perspectiva do fim do mundo é Marcelo Drummond, maravilhoso como o patético Gogo.

Em certo momento da peça, um dos personagens nomina algumas figuras indesejáveis, entre eles, os bolsominions e os “críticos”. Mesmo assim vou fazer uma pequena crítica à montagem: apesar da excelência da interpretação de Ricardo Bittencourt, a cena de Pozzo no primeiro ato, estende-se além da conta, quebrando o clima criado pelas cenas anteriores e dificultando a retomada do mesmo após a sua saída.

Espetáculo mais que necessário para os tempos atuais que mostra a vitalidade do nosso Zé Celso, o encenador vivo mais importante do teatro brasileiro, cujas energia e criatividade estão mais jovens e transgressoras do que nunca. 

ESPERANDO GODOT fica em cartaz no SESC Pompeia até 17/04 com sessões de quarta a sábado às 19h e aos domingos às 17h, transferindo-se para o Teatro Oficina de 05/05 a 03/07 com sessões de quinta a domingo às 20h. Pelas características diferentes dos dois teatros o espaço cênico deverá ser modificado quando transferido para o Oficina. 

NÃO DEIXE DE VER! 

AH!!! Um belíssimo programa impresso de 72 páginas é distribuído para os espectadores. Esperemos que não seja uma exceção à terrível regra atual de disponibilizar o acesso aos programas por QR code e que volte a ser regra daqui por diante. Obrigado SESC!! 

07/04/2022

 

terça-feira, 5 de abril de 2022

O TEATRO PAULO EIRÓ e a MISSA LEIGA

 

1.   O TEATRO

Domingo foi o dia de (re)conhecer um viçoso velho senhor de 65 anos que voltou a brilhar nas plagas de Santo Amaro. Trata-se do Teatro Paulo Eiró. A última vez que lá estive foi em 2004 quando aconteceu a memorável ocupação pela Fraternal Cia. de Artes e Malasartes. Após períodos turbulentos de fechamento e reformas o espaço foi reinaugurado em 2015 e apresenta-se hoje como um dos melhores e mais bonitos teatros de São Paulo, ostentando em seu belo jardim frontal um significativo e enorme mural homenageando o poeta santamarense Paulo Eiró (1856-1871) que dá nome ao teatro.


Cabe lembrar que o edifício foi projetado pelo arquiteto Roberto Tibau (1924-2003), autor também dos projetos dos teatros João Caetano e Arthur Azevedo.

Esse belo teatro que fica a duas quadras da estação de metrô Adolfo Pinheiro precisa ser ocupado por produções que chamem público, para assim tornar-se novamente um ponto importante da cultura paulistana.

Foto de Fernanda A. Procópio

2.   MISSA LEIGA

A Missa Leiga de Chico de Assis (1933-2015) infelizmente não envelheceu tão bem como o teatro que a hospeda no momento. Escrita e encenada há 50 anos (1972), se na época ficou famosa e popular mais pela polêmica criada pela proibição de ser encenada nas igrejas do que por seus méritos, hoje se apresenta desatualizada, apesar de algumas referências contemporâneas introduzidas pelo encenador.

Marcio Boaro faz uma reverente e fiel releitura do texto, mantendo a estrutura e as músicas (de Cláudio Petraglia) originais. Destacam-se os simples, bonitos e elegantes figurinos criados por Kleber Montanheiro, todos em cores que remetem à terra de onde viemos e para onde vamos e a linda concepção de luz de Luciana Silva.

As atrizes e atores que formam o elenco (16) deslocam-se pelo palco criando bonitas cenas de conjunto. Três músicos acompanham o elenco na interpretação das canções.

Infelizmente, ainda como eco da pandemia, o elenco trabalha com máscaras, fato que enfeia sobremaneira a cena, além de dificultar a compreensão do texto. 

MISSA LEIGA segue em cartaz no Teatro Paulo Eiró até 10/04, transferindo-se para o Teatro Arthur Azevedo de 14 a 24/04 e de 05 a 08/05.

Horários nos dois teatros: de quinta a sábado às 21h e aos domingos às 19h.



 

05/04/2022

segunda-feira, 4 de abril de 2022

PÉRSIA

 

 

É sempre um prazer ir ao aconchegante Espaço Sobrevento: ser recebido carinhosamente pelos integrantes do grupo e curtir a sala de espera, agora decorada com uma bela pintura cobrindo totalmente uma das paredes. Para ser completa, só falta uma cafeteria em um dos cantos dessa sala.

Mas vamos ao principal:

A dramaturgia de Pérsia, a nova montagem do notável Grupo Sobrevento, segue o mesmo esquema de Noite, a encenação anterior do grupo. Enquanto a dramaturgia de Noite era calcada nos relatos de anônimos vizinhos da sede do grupo, Pérsia se baseia nos depoimentos de iranianos que imigraram para o Brasil e relatos do próprio grupo. A encenação resultante é mais uma vez belíssima e plena de humanidade.

Em um ambiente árido que pode remeter tanto ao deserto iraniano como ao sertão nordestino há uma árvore seca em torno da qual vai se desenvolver toda a ação da peça. Essa dualidade Irã-Brasil se reflete não só no cenário, mas nos textos, nas músicas e nos instrumentos musicais utilizados.

Sandra Vargas assina a dramaturgia do espetáculo que consiste na edição e na costura dos depoimentos recolhidos e é também responsável pela direção junto com Luiz André Cherubini.

A poesia resultante de relatos muitas vezes dolorosos é um dos grandes méritos da presente encenação do Sobrevento. Só mais um porque o espetáculo tem muitos: desde os deslumbrantes figurinos do estilista João Pimenta, passando pelo significativo cenário já citado de autoria de Luiz André Cherubini e Mandy, pelos poucos, mas importantíssimos, objetos utilizados em cena (casinhas com significados fundamentais para a trama), pelos sons criados pelos originais instrumentos musicais (direção musical de William Guedes) e pelo harmonioso e talentoso elenco.

Foto de Marco Aurélio Olímpio

De maneira delicada e respeitosa, três atrizes e três atores narram fatos vividos pelos imigrantes iranianos tanto na sua terra distante e saudosa como na sua vivência como estrangeiros numa terra “aparentemente” amistosa e livre como o Brasil.

Não há destaques no elenco formado por Liana Yuri, Sandra Vargas, Sueli Andrade, Daniel Viana, Luiz André Cherubini e Maurício Santana, sendo que cada um tem seu importante momento solo. A harmonia interpretativa é mais um mérito da montagem. 

PÉRSIA está em cartaz no Espaço Sobrevento, Rua Coronel Albino Bairão, 42 (próximo ao metrô Bresser) até 1º de maio com sessões às sextas e sábados às 20h30 e aos domingos às 20h.

Gratuito. Reservas pelo e mail: info@sobrevento.com.br 

04/04/2022