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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

SÍNTHIA



        Kiko Marques não é compositor, não se traveste, nem teve pai torturador; mas é autor teatral, seu pai foi militar durante os anos de chumbo e foi esperado como menina por sua mãe que já tinha dois meninos. Kiko tem o dom de ficcionalizar suas memórias transformando-as em verdadeiras obras de arte. Isso aconteceu com Cais ou da Indiferença das Embarcações e volta acontecer agora com Sínthia.
        Sinthia conta a história de Vicente (Kiko Marques), filho de Luís Mário (Henrique Shafer) e de Maria Aparecida (Alejandra Sampaio e Denise Weinberg, ambas em maravilhosas interpretações). É o quarto filho de uma prole de meninos e foi ansiosamente aguardado como menina pela mãe que lhe reservara o nome de Cíntia (a grafia do nome da peça é diferente). Vicente, apesar de não saber disso, tem dúvidas sobre a sua sexualidade, haja vista sua quase obsessão pelo aluno de violino Conrado (Valmir Sant’Anna, uma grata surpresa). Circulam pela vida do protagonista sua esposa Nora, sua filha ilegítima Aninha (ambas interpretadas por Virginia Buckowski), os músicos de um quarteto de cordas e os três irmãos (Marcelo Diaz, Marcelo Marothy e Willians Mezzacapa).

 "Mãe Coragem" e seus quatro filhos

        A peça tem o estilo/assinatura do autor/diretor, indo e vindo no tempo e revelando algum tempo depois situações apresentadas algumas cenas antes. Amparado na criativa cenografia de Chris Aizner que espalha objetos pelo espaço cênico quase vazio, pela preciosa iluminação de Marisa Bentivegna que exterioriza sentimentos dando cor a eles e pelo talento do elenco, Kiko cria mais um belo espetáculo da Velha Companhia. Os atores movimentam cadeiras, talheres e suportes de partitura criando quase um balé que complementa a ação da peça. Dando suporte a tudo isso há a música criada por Tadeu Mallaman para ilustrar a Sinfonia da Compaixão, obra do compositor Vicente e elemento fundamental para o desenvolvimento da trama; Tadeu também é responsável pelo restante da trilha que inclui Geraldo Vandré, Milton Nascimento e outras canções características da época em que se passa a peça (a ação vai do início dos anos 1970 até 2013). Os figurinos são assinados por Fábio Namatame completando a excelência da ficha técnica da montagem.


        Algumas cenas da peça são tocantes e vale destacar o carinhoso diálogo entre Aparecida e sua neta Aninha, a ferrenha discussão entre o filho Luizinho (momento marcante de Marcelo Marothy) e a mãe, os diálogos entre Maria Aparecida e Luís Mário, a entrevista de Maria Aparecida com um agente da Comissão da Verdade e aquela que, ao meu modo de ver, é a mais linda de toda a peça que ocorre quando as duas Maria Aparecida vão para o muro tentar apagar os vestígios da participação do marido nas torturas praticadas durante o regime militar.


        A ideia de colocar dentro de uma mesma trama transexualidade e ditadura era temerária, como atesta o próprio autor no programa da peça, no entanto o desafio foi aceito e o resultado é altamente satisfatório e verossímil, pois Kiko sabe como poucos aliar o privado ao público criando uma história que emociona e faz pensar.
        SÍNTHIA está em cartaz no acolhedor e aconchegante Espaço Os Fofos Encenam aos sábados, domingos e segundas sempre às 20h. Chegue mais cedo para comer cuscuz ou torta de alho poró acompanhado de uma taça de vinho. A peça tem 165 minutos com 15 minutos de intervalo. NÃO DEIXE DE VER.

          Fotos de Lenise Pimheiro



22/08/2016
         
       
       


domingo, 21 de agosto de 2016

OS ARQUEÓLOGOS


O FUTURO DIRÁ...



         No calor da hora, em função de nosso estado de espírito e da resposta que uma obra nos dá em determinado momento, podemos elogiar a mesma com os maiores adjetivos. Passado algum tempo e analisando friamente notamos que não era bem assim e que a obra é razoavelmente boa, mas envelheceu. O dicionário Aurélio define clássico como “aquele cujo valor foi posto à prova do tempo”. Que tempo é esse? Uma década? Um século? Um milênio? Os clássicos gregos atravessaram dois mil anos e continuam frescos como a jabuticaba colhida no pé. Shakespeare está mais próximo, mas também é um clássico. A lista dos mais jovens poderia incluir Beckett, Brecht e o nosso Nelson Rodrigues. As Águas de Março do Tom Jobim começaram a correr há apenas 44 anos e o que dizer de Cais ou da Indiferença das Embarcações de Kiko Marques que tem somente quatro anos de vida?
         Todo esse preâmbulo é para escrever sobre Os Arqueólogos de Vinicius Calderoni que, ao meu modo de ver, já nasce clássico. A bela e poética carta de Silvia Gomez que introduz o texto no livreto (*) que acompanha o programa cita trecho de La Universidad Desconocida de Roberto Bolaño que começa assim: “Dentro de mil anos não restará nada de tudo o que se escreveu neste século...”. Será? As obras e os autores citados acima querem provar o contrário. O futuro, que nós não veremos, o dirá.
         Vinicius Calderoni tem facilidade enorme para falar das coisas corriqueiras de maneira original e criativa (sua primeira peça Não Nem Nada de 2014 já demonstrava isso). Aqui ele se vale de dois extrovertidos locutores esportivos que narram de modo espetacular as cenas mais comuns do cotidiano: a travessia em uma faixa de pedestres, um filho tirando fotos do pai, um parto, um casal discutindo a relação e assim por diante. Muito tempo depois (séculos? milênios?) esses fatos servirão como prova de idoneidade moral para um arqueólogo jovem diante de um arqueólogo velho. Vive-se numa sociedade inóspita onde foram banidos a poesia e os sentimentos. No programa da peça o autor alerta: “Tomem Os Arqueólogos como um abraço. Porque não é nada mais do que isso.” O pensamento do dramaturgo fica patente na emocionante cena final da peça que com certeza vai se perpetuar através dos tempos e seu recado humanista vai sensibilizar de maneira revolucionária os arqueólogos do futuro.
         A direção de Rafael Gomes traduz cenicamente de maneira muito clara as intenções do texto fazendo os dois atores circularem pelo cenário formado por caixas de papelão onde a iluminação tem papel importantíssimo. Ambos, cenário e iluminação, são assinados por Marisa Bentivegna. Destaque também para os figurinos de Daniel Infantini e para a sugestiva trilha sonora de Miguel Caldas.


         Cabe a Vinicius Calderoni e Guilherme Magon darem vida à dezena de personagens requeridas pela peça (os dois locutores narradores, as diversas figuras por eles narradas e os dois arqueólogos) e os dois atores o fazem com muita versatilidade mudando apenas de lugar e do foco de luz.
         A peça encerra de maneira brilhante a II Mostra de dramaturgia em pequenos formatos cênicos do CCSP, evento criado por Kil Abreu, que já revelou seis importantes textos da dramaturgia brasileira. Agora é aguardar a III Mostra que já tem edital publicado para 2017. Mãos à obra, dramaturgos!
         OS ARQUEÓLOGOS está em cartaz no Centro Cultural São Paulo só até 04/09/2016. Sextas e sábados às 21h e domingos às 20h. IMPERDÍVEL.

         (*) Os programas da Mostra são acompanhados de um livreto com o texto integral da peça em cartaz. Procedimento altamente elogiável e importante para a difusão da dramaturgia brasileira.

21/08/2016

          

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CACHORRO ENTERRADO VIVO


       Ao que me consta os palcos paulistanos já se beneficiaram da dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho pelo menos três vezes: com Renato Russo (2006), com a impactante Por Uma Vida Menos Ordinária (2007) e com Nem Um Dia Se Passa Sem Notícias Suas (2012). Ousada e corajosa tanto na forma como no conteúdo de suas peças eis que Daniela retorna a São Paulo com Cachorro Enterrado Vivo, espetáculo oriundo de Belo Horizonte.
       A peça trata do que há de mais animalesco no homem e do que podemos chamar de “humanidade” em um cachorro, mostrando esse cão numa situação limite de abandono ocasionado pela ação de dois homens: um que, desesperado pelo sumiço da mulher que ama, trata de abandonar o cachorro de estimação da companheira e outro que apenas vai executar o serviço a troco de algum dinheiro.


       O encenador (Marcelo do Vale) situa a ação em cenário (de Cícero Miranda) de ar sombrio e abandonado com dejetos humanos e animais espalhados por todo o espaço.
       A encenação é toda focada no ator que representa o cachorro Paulo César, o homem abandonado Paulo Vitor e o “prestador do serviço”. O ator mineiro Leonardo Fernandes tem interpretação não menos que vigorosa. As principais “armas” que ele usa para interpretar o cão são a respiração e as expressões faciais que estão parcialmente escondidas por bandagens no olhar canino. Sua caracterização resulta impressionante, fazendo remeter a outro impactante trabalho realizado por Henrique Schafer em 2005 (O Porco) e também a Ryszard Cieslak, o emblemático ator de Grotowski. Quando se transmuta em gente, Leonardo demonstra sua versatilidade como ator. Crédito importante deve ser dado a Eliatrice Gischewski que fez a preparação corporal do ator. Seu belíssimo trabalho vem se juntar a uma lista de grandes trabalhos masculinos apresentados em São Paulo no ano de 2016.


       A conclusão que se chega é que realmente o ser humano é um animal. Racional que seja, mas animal! E o cão?
       CACHORRO ENTERRADO VIVO está em cartaz na SP Escola de Teatro aos sábados, domingos e segundas sempre às 21h até 26/09.
Espetáculo imperdível pelo tema tratado e pela impressionante composição de Leonardo Fernandes.

       Fotos de Lia Soares e Suzana Latini.

17/08/2016

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

MIRADA 2016 - LANÇAMENTO


        Na noite de 11/08/2016 houve o lançamento no Sesc Santos da 4ª edição do MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, um dos mais importantes festivais de teatro do Brasil, quer pela quantidade (serão 43 montagens em 11 dias), quer pela qualidade dos espetáculos apresentados. O evento é bienal e em cada edição homenageia um país, que é responsável pelo número maior de títulos apresentados. Argentina, México e Chile foram os primeiros e neste ano é a vez da Espanha que apresenta oito espetáculos vindos de várias partes do país (Catalunha. País Basco, Andaluzia e Madrid). A programação inclui 28 montagens internacionais oriundas de 10 países da América Latina, Portugal e Espanha e 15 encenações brasileiras.
        O Prof. Danilo Santos Miranda fez a abertura ressaltando a importância da cultura na formação de um povo e foi seguido pela breve e simpática fala do Secretário de Cultura de Santos, Sr. Fábio Nunes.
        A seguir, foi apresentado o espetáculo O Terceiro Sinal de Otavio Frias Filho, dirigido por Ricardo Bittencourt com Beth Coelho na pele de “não ator” que se vê envolvido como ator na encenação de um trabalho de famoso encenador. O assunto da peça (o teatro) caiu como uma luva para o público presente, composto, na maioria por pessoas envolvidas com o fazer teatral.
        Finalmente, a noite terminou com bela celebração regada a queijo e vinho.
        O MIRADA 2016 acontece de 08 a 18 de setembro em vários espaços da cidade de Santos e a programação pode ser encontrada no site sescsp.org.br/mirada. A grade, que facilita a programação do “teatrófilo”, assim como, a sinopse dos espetáculos podem ser encontrados no livreto sobre o evento, disponível nas unidades do Sesc.
        As edições dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.Paulo de 12/08/2016 apresentam matérias sobre o evento, destacando alguns dos espetáculos que serão apresentados.
        Além dos espetáculos o MIRADA promove a realização de atividades formativas e encontros entre os participantes do evento.
        Venda de ingresso s a partir de 12/08 às 15h no Portal Sesc e às 17h, nas bilheterias das unidades do Sesc.

12/08/2016




quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ALICE – RETRATO DE MULHER QUE COZINHA AO FUNDO




        A narrativa fragmentada tornou-se moda após o advento do teatro pós-dramático. Em nome da pós-modernidade se usa e se abusa de certa dramaturgia (ou a falta dela) que resulta em espetáculos dos quais se sai sem a menor ideia do que aquele grupo quer dizer. Não importa se a trama tem começo, meio e fim ou se ela não é linear; o que importa é o bom teatro que dela resulta.
        Todo esse preâmbulo é para comentar sobre a dramaturgia “cubista” adotada por Marina Corazza para contar um pouco sobre Alice B. Toklas (1877-1967), a companheira eclipsada de Gertrude Stein (1874-1946), que foi biografada pela última em linguagem parecida com essa ora usada por Marina. Mesmo sem ter “começo, meio e fim” o texto seduz pela poesia e pelo humor nele contido.
        A encenação de Malú Bazán privilegia a intenção da dramaturga e utiliza belamente o Espaço Beta do Sesc Consolação. A iluminação de Nelson Ferreira tem grande efeito cênico e as sombras criadas por ela chegam a ser arrebatadoras.
        Tudo perfeito: texto, direção, iluminação, cenário e figurinos de Anne Cerrutti. De que valeriam todos esses predicados sem uma grande atriz para defendê-los? Nicole Cordery mais uma vez coloca todo seu talento para viver mais uma Alice em seu currículo (a sua personagem em Ato a Quatro também se chama Alice). Desde a primeira cena onde vemos sua sombra através de uma porta entreaberta chamando pelo seu cachorro Basket, Nicole nos pega pela mão e nos conduz pela trama labiríntica que mostrará aspectos, ora dramáticos, ora engraçados da vida de Alice com Gertrude. De quebra, podemos anotar algumas receitas culinárias de Alice que ela passa durante o espetáculo.
        O programa da peça apresenta a linha do tempo das vidas de Alice e Gertrude e sua leitura antes de assistir ao espetáculo pode ser bastante útil para melhor fruição do mesmo.
        ALICE – RETRATO DE MULHER QUE COZINHA AO FUNDO mostra mais um grande momento de jovem atriz que vem se impondo com suas boas interpretações no palco paulistano. Está em cartaz no Sesc Consolação às segundas e terças às 20h até 30 de agosto. Vale a pena ver.


10/08/2016
       

terça-feira, 9 de agosto de 2016

ALTOS E BAIXOS


         Este texto foi escrito após a leitura da matéria “Já não era mais terça-feira, mas também não era quarta” de Tiago Ferro, publicada no número 119 da revista Piauí.

         Rua Palmari, Vila Ipojuca. Década de 1960.
         Nessa época eram muito comuns os bailinhos de fim de semana sempre na casa de uma das garotas do colégio onde as meninas bebiam refrigerantes e os garbosos rapazes tomavam Cuba Libre, Hi-Fi e aqueles mais ousados iam de Gin Tônica. Elvis Presley, Bill Halley e Ray Conniff rodavam na vitrola sem parar enquanto os pares dançavam e trocavam juras de amor que quase sempre duravam só até o próximo baile. Ninguém “ficava”, nem ia para motel. Eram só alguns beijinhos e mesmo assim sem abrir a boca!
         Foi num desses bailes que eu conheci uma garotinha graciosa e bonita com imensos olhos claros. De Sandra Regina Ferro, ela logo virou a minha amiga Sandrinha.
         Sandrinha morava numa bela casa na Rua Palmari e logo eu e meus amigos conhecemos a Dona Fernanda e o Seu Anacleto, seus pais, que sempre nos recebiam de braços abertos. Era muito comum dar um pulo por lá durante a semana à tarde para papear com a Sandrinha e degustarmos o café e os bolos da sorridente e gentil Dona Fernanda. No último dia do ano eu passava a passagem em casa e depois ia curtir o réveillon na deliciosa festa organizada pelos Ferro. Uma lembrança traumática dessa época é a tragédia de uma família que depois de estar conosco na festa sofreu um acidente fatal onde todos morreram. A alegria da festa foi subitamente torpedeada com a fatal notícia.
         O tempo passou e minha amizade com Sandrinha se estreitou, sendo que no seu baile de formatura do ginásio fui seu padrinho e agraciado com uma das valsas. Sim! Naquela época tinha valsa de formatura.


         Cheguei a conhecer alguns namorados dela e ela também conheceu minhas namoradinhas, sendo que sempre que nos encontrávamos eram aqueles papos, aquelas risadas e aquelas fofocas. Vestibular, faculdade, namoros mais sérios e fomos perdendo contato. Cheguei a conhecer o Antonio Carlos e ela também conheceu a Vera, que viriam a ser as pessoas com quem cada um de nós se casou. Depois disso o contato rareou.
         Tempos depois eu estava com a minha filha Mariana no Ibirapuera e acidentalmente cruzei com a Sandra que passeava com seu moleque, o Tiago. Encontro feliz, apresentamos as crianças que na época deviam ter cerca de três anos (eles têm mais ou menos a mesma idade).
         Vamos nos ver, vamos marcar um jantar... Foram os desejos trocados, mas nunca realizados. Passaram-se quase trinta anos sem a gente se encontrar.
         O acaso fez com que voltássemos a nos encontrar em um feirão de DVDs usados na locadora 2001 da Avenida Sumaré. Uma alegria enorme tomou conta de nós e prometemos não mais perder o contato e é o que temos feito até hoje.
         Filhos casados e netos fizeram nossas duas famílias aumentarem.
         Em 2012 eu defendi a minha dissertação de mestrado e tinha intenção de transformá-la em um livro. Tempos depois Sandra me deu dicas preciosas do que eu devia reordenar/excluir/incluir para que o texto se tornasse um livro atraente. Nessa ocasião fui carinhosamente acolhido em sua casa retomando o contato com o Antonio Carlos e conhecendo a Bionda e a adorável netinha Manu. (Isa, a netinha menor eu não cheguei a encontrar)
         A terra girou várias vezes, eu também ganhei a netinha Laura, lancei o meu livro e esporadicamente tinha contato com o casal Espilotro. Acompanhei a doença da Bionda e acompanhei de longe a tristeza deles com a sua morte.
         Em março deste ano fui cobrir o Festival de Curitiba. No dia 31 de março participei de coletivas de imprensa pela manhã e após o almoço voltei para o hotel para escrever matérias sobre o Festival. Quando abri o notebook me deparei com a terrível notícia da morte da Manu e a partir daquele momento meu pensamento não saiu mais do Tiago, da Mika (que eu não conheço), da Isa, do Antonio Carlos e da minha querida Sandra, ao lado de quem eu queria tanto estar, mas a distância e os compromissos me impediam.
         Cinco meses se passaram. Até hoje não me senti à vontade de fazer uma visita aos meus amigos. Limitei-me a longo papo telefônico com o Antonio Carlos logo que voltei de Curitiba. Respeitando ao máximo o processo de luto da família, mantive-me à distância.
         Hoje, dia 09 de agosto de 2016, caiu- me nas mãos a revista Piauí e li a emocionada matéria que o Tiago escreveu sobre a construção do luto pela morte da Manu. Em vários momentos da leitura me vieram lágrimas aos olhos e voltei a me irmanar na dor tão intensa vivida pela família e mais ainda na força que todos estão tirando dessa dor. Foi então que resolvi escrever este texto.
         Muitos anos se passaram e outros vão se passar com altos e baixos para todos nós. Alguns chegaram, alguns se foram e eu que por enquanto aqui estou, quero deixar um carinho para a Manu com essas palavras do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez (1881-1958) que encontrei nas páginas amareladas de um velho caderno:

         “...E eu partirei. Os pássaros continuaram cantando e meu jardim ficará com suas árvores verdejantes e com seu poço d’água. Em muitas tardes os céus serão azuis e os sinos da torre repicarão, como repicam esta tarde. Aqueles que me amaram, passarão, e a cidade explodirá de novo a cada ano. Mas meu espírito para sempre vagará nostálgico no mesmo recanto escondido de meu jardim florido”

LUZ!


08/08/2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

INDICADOS DO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2016 AO PRÊMIO APCA DE TEATRO

Não Contém Glúten- Indicado em três categorias

ATOR
BRUCE GOMLEVSKY – UMA ILÍADA
ERIC LENATE – FIM DE PARTIDA
RODRIGO BOLZAN – PROJETO BRASIL

ATRIZ
BARBARA PAZ – GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE
BIA SEIDL – NÃO CONTÉM GLÚTEN
DENISE WEINBERG – O TESTAMENTO DE MARIA

AUTOR
LEONARDO CORTEZ – SALA DE PROFESSORES
LUÍS ALBERTO DE ABREU – CABRAS – CABEÇAS QUE VOAM, CABEÇAS QUE ROLAM
SÉRGIO ROVERI – NÃO CONTÉM GLÚTEN

DIRETOR
JOÃO FALCÃO – GABRIELA, UM MUSICAL
JOSÉ ROBERTO JARDIM – NÃO CONTÉM GLÚTEN
LEONARDO MOREIRA - AMADORES

ESPETÁCULO
A TRAGÉDIA LATINO-AMERICANA
SOBRE RATOS E HOMENS
PROJETO BRASIL

         Votaram os críticos: Aguinaldo Cristofani Ribeiro da Cunha (apenas nas indicações para prêmios especiais), Celso Cury, Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, , Miguel Arcanjo Prado e Vinício Angelici.

08/08/2016

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

RICARDO III NÃO TERÁ LUGAR ou CENAS DA VIDA DE MEIERHOLD


                O russo Vsevolod Meierhold (1874-1940); ator, diretor e teórico de teatro; foi perseguido e eliminado (fuzilado na prisão) pela ditadura socialista por entenderem que ele não estava de acordo com os cânones do realismo social. Em Ricardo III Não Terá Lugar o dramaturgo romeno Matéi Visniec (1956) inspirou-se em fatos da vida de Meierhold para denunciar a ditadura de Ceausescu que vigorou em seu país de 1965 a 1989, criando uma virulenta crítica a todo e qualquer regime totalitário.

Meierhold

        É uma das peças mais instigantes de Visniec usando e abusando do meta teatro para mostrar os delírios de Meierhold durante os ensaios de Ricardo III de Shakespeare envolvendo seus pais, sua esposa, seu filho recém nascido (Camarada Bebê), o ator que interpreta Ricardo III, a comissão que irá liberar (ou não!) a sua encenação e o Generalíssimo (poder supremo, clara referência a Stalin e a Ceausescu). Todos o questionam sobre a maneira como está conduzindo a encenação fazendo com que ele se autocensure a todo momento.
        A jovem companhia Grupo Pandora de Teatro sediada no bairro de Perus enfrentou a difícil tarefa de levar essa peça à cena e o fez com excelentes resultados. É sempre entusiasmante quando vemos jovens de talento arriscando-se em empreitadas desse porte e saindo-se muito bem. O diretor Lucas Vitorino, assim como todo o elenco, está na faixa dos 30 anos e a companhia tem uma sólida de existência de 12 anos (iniciaram as atividades em 2004 com nada menos que O Senhor Puntila e Seu Criado Matti de Bertolt Brecht e têm em seu currículo cerca de dez títulos, todos significativos e condizentes com a realidade de Perus e do país).
        As várias personagens da peça são interpretadas por apenas cinco atores. Em papéis fixos o excelente Rodolfo Vetore sem sair de cena durante os 90 minutos da apresentação interpreta Meierhold com muita energia e demonstrando toda a sua perplexidade e o seu medo (estão sempre batendo na porta!), Filipe Dias (Ricardo III) e Thalita Duarte (a esposa de Meierhold). Marcio Gonçalves e Lucia Machado revezam-se com muita versatilidade nos demais papéis. As soluções encontradas pelo encenador para as personagens da Camarada Mãe, do Camarada Pai e do Camarada Bebê são muito criativas e por si merecem a ida ao teatro.


        A trilha sonora da peça é toda baseada na obra de Shostakovich (1906-1975), grande compositor russo igualmente perseguido pelo regime stalinista.
        É inacreditável e, eu diria, inconcebível que espetáculo dessa importância passe de maneira meteórica por São Paulo (foram feitas duas obscuras apresentações nos teatros Flávio Império e Alfredo Mesquita no início do ano e agora esta única apresentação no Itaú Cultural). A peça e o grupo têm porte para realizar temporada mais longa nos palcos da cidade e se tornarem conhecidos além dos muros do distrito de Perus, onde realizam importante atividade cultural na chamada Ocupação Artística Canhoba.

        Obs: O grupo usou a tradução literal do título em francês (Richard III n’Aura Pas Lieu), mas acho mais apropriada aquela usada pela Editora É que é Ricardo III Está Cancelada.

Referências:

        Páginas no Facebook: Grupo Pandora e Ocupação Artística Canhoba.
        Blog: grupopandora.blogspot.com.br
        Endereço: Rua Canhoba, ao lado do número 333 – Vila Fanton – Perus/SP
        Publicação: Efêmero Concreto – Trajetória do Grupo. Volume organizado por Lucas Vitorino e Thalita Duarte.


03/08/2016

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

FLUXORAMA


        Quem já não perdeu o sono no meio da noite? Quando isso acontece surgem aqueles pensamentos desordenados sempre negativos envolvendo pessoas queridas em situações complicadas, o medo da morte, a saúde que pode piorar a qualquer instante, a pessoa amada que “com certeza” irá traí-lo.
        Parece que foi em situações como essa que Jô Bilac se inspirou para escrever FLUXORAMA ora em cartaz no Sesc Ipiranga. A peça trata do fluxo de pensamento de quatro personagens em situações bastante distintas:
        AMANDA: Uma mulher que está perdendo gradativamente os sentidos a começar pela audição. Seus pensamentos giram em torno de como agir para que as pessoas não percebam suas deficiências. Juliana Galdino está absolutamente impecável no papel.


        LUIZ GUILHERME: Um homem que sofreu acidente de carro e está confinado totalmente só nos destroços repensa sua vida e pensa na morte solitária que está por vir. Luiz Henrique Nogueira lembrando a Winnie de Dias Felizes do Samuel Beckett.


        VALQUÍRIA: Em contraponto à imobilidade de Luiz Guilherme, esta mulher está em pleno movimento correndo numa maratona. Pleno teatro físico com Marjorie Estiano.


        MEDUSA: Na mais longa e melhor realizada cena do conjunto, um homem está em seu banheiro tentando se concentrar para meditação. Aqui pensamentos negativos surgem a mil por hora em situação bastante parecida àquela de quando estamos insones. Caco Ciocler, todo tempo em posição de ioga, tem excelente desempenho.


        O maior mérito do texto de Jô Bilac está na escolha dessas situações limites. As falas decorrem dessa escolha e fluem bem.
        Os cenários de Daniela Thomas e Felipe Tessara formados de poucos objetos de cena e projeções de imagens complementam a presença dos atores: mesa, cadeira e uma moldura clássica para a deficiente auditiva; destroços de carro e floresta para o acidentado; viaduto para a maratonista e banheiro para o candidato a meditação. Cenários simples e perfeitos que adquirem destaque com a iluminação de Monique Gardenberg.
        A música de Philip Glass é discreta e não acrescenta muito à montagem, assim como os figurinos de Cassio Brasil.
        Monique Gardenberg orquestra com mão segura todos esses elementos tendo como resultado um espetáculo harmônico e que faz pensar.
        Em muitos momentos as situações apresentadas induzem a um sorriso amargo, porém na noite em que assisti parte da plateia gargalhou na maior parte do tempo perturbando a melhor fruição do espetáculo.
        FLUXORAMA está em cartaz no Sesc Ipiranga às quintas e sextas às 21h, aos sábados às 19h e 21h e aos domingos às 18h até 21 de agosto.

        Fotos de Caio Gallucci

01/08/2016