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domingo, 28 de fevereiro de 2016

EU TENHO TUDO


        Percorrendo os guias de teatro de São Paulo nota-se que mais de 10% dos cerca de 150 espetáculos em cartaz na cidade é constituído de monólogos, isto sem levar em conta as comédias stand up. Sinal dos tempos de crise ou mera coincidência? Fica a pergunta. Eu me recordo que em 1969, época de crise e de censura acirrada ao teatro brotaram as peças com duas personagens e com cenários reduzidos e desse fato surgiram nomes como José Vicente, Antonio Bivar, Leilah Assumpção e Consuelo de Castro, o que demonstra que  em dias sombrios sempre pode haver uma luz no fundo do túnel.
        Voltando aos dias de hoje, entre os monólogos em cartaz há que se distinguir  os espetáculos oportunistas  daqueles oportunos e com desempenhos excepcionais de seus solitários atores. Entre estes últimos destaca-se este surpreendente Eu Tenho Tudo em cartaz na pequena e aconchegante sala do Viga Espaço Cênico.
        A peça de Thierry Illouz, dramaturgo argelino residente em Paris, foi escrita no final do século passado e trata de um homem acuado, mas crente que é dono do mundo (“Eu não tenho o poder, eu sou o poder. Eu tenho tudo") que vomita sua revolta e seu ódio sobre aquele que supostamente o acuou, no caso, eu, o público. Nesse aspecto a peça tem alguma semelhança com Insulto ao Público famosa peça de Peter Handke.
        Esse homem, que se diz tão poderoso em função das 40.000 moedas que possui, vai aos poucos desmoronando e mostrando sua fragilidade diante do mundo que o agride e o massacra, mas ao final sua revolta parece destruir o inimigo.  Pedro Vieira encarna esse homem com vigor pouco visto em nossos palcos. Dono de voz potente e com pleno domínio da mesma e do seu corpo, destila a raiva com tanta verdade que o público diante dessa “ofensa” é obrigado a reagir (mesmo que internamente) e refletir sobre tudo o que é dito. Em certo momento a personagem dirige-se diretamente a um dos espectadores que está na penumbra e diz “Não seja covarde. Mostra a tua cara!”. Fico pensando o que aconteceria se esse espectador reagisse a essa provocação!  A interpretação de Pedro Vieira já pode ser considerada como forte candidata às melhores do ano.

Foto de Cacá Bernardes

        A diretora Cácia Goulart realiza trabalho discreto e eficiente focando toda a atenção no trabalho do ator. Auxiliada apenas pelo belo desenho de luz de Lúcia Chedieck a encenadora nos revela por meio da visceral interpretação de Pedro Vieira toda a podridão das relações no mundo contemporâneo.
        EU TENHO TUDO é espetáculo obrigatório para quem procura no teatro elementos para refletir sobre a realidade em que vivemos e não mero entretenimento. Se você não é um alienado precisa ir até o Viga Espaço Cênico até 10 de abril, às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h. NÃO VAI SE ARREPENDER!


28/02/2016

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

AMARELO DISTANTE

Mateus Monteiro

Caio Fernando Abreu

         É bastante louvável a iniciativa de realizar este espetáculo no momento em que ocorrem os 20 anos da morte de Caio Fernando Abreu (12/09/1948 – 25/02/1996). O encenador Kiko Rieser não escolheu o caminho mais fácil, selecionando como base da montagem um dos textos mais áridos do autor, que é o diário da sua estadia em Londres (Lixo e Purpurina). Como Kiko explicita no programa, não se trata do Caio mais conhecido, aquele das frases bonitas e muito citadas e das situações apaixonantes, mas de um texto seco onde o autor narra as suas venturas e desventuras como estrangeiro pobre na capital inglesa.
         Em coerência com o texto escolhido o diretor optou por montagem sóbria sem nenhum cenário ou objeto de cena concentrando-se no trabalho do ator (voz e movimentação) e no recurso da iluminação belamente desenhada por Karine Spuri. O grande mérito da encenação é que tudo nela é discreto e contido, dando prioridade à palavra do escritor gaúcho.
         Montagem deste tipo deve dispor de intérprete de talento e com amplos recursos expressivos tanto vocais como corporais. O jovem Mateus Monteiro vem realizando bons trabalhos em temporadas anteriores e aqui se consolida como um dos bons nomes da nova geração        de atores. Uma voz monocórdia levaria espetáculo deste tipo a desastre tedioso. Mateus sabe dar nuance à sua bela e potente voz revelando a cada momento as intenções do texto. Sua econômica movimentação cênica é coerente com a proposta da direção e obedece às marcações da iluminação.
         Quanto aos figurinos de Cássio Brasil é justificável que a personagem vista pesado capote, uma vez que a ação se passa no inverno europeu, porém, algo poderia ser pensado para evitar que o ator transpire tanto em cena e termine a peça extenuado. Por falar nisso, o calor excessivo da sala na noite da estreia (24/02) dificultou a total fruição deste belo espetáculo.
         AMARELO DISTANTE está em cartaz no Teatro Augusta às quartas e quintas às 21h até 28/04.


25/02/2016

domingo, 21 de fevereiro de 2016

LOS LOBOS BOBOS



SÓ NOS RESTA RIR!

        Tempos sombrios estes em que o que mais incomoda não é a falta de grana, nem a situação caótica da nossa política e da nossa pobre economia; já passamos por momentos parecidos e por muitas crises, mas o que verdadeiramente nos assombra agora é a falta de perspectiva. Brigamos, vamos às ruas, mas tudo continua na mesma e com o Sr. Eduardo Cunha rindo das nossas caras.
        Então, nestes tempos de desesperança surge um espetáculo como Los Lobos Bobos, onde o objetivo é simplesmente nos fazer rir durante aquela hora que dura a apresentação. Objetivo, aliás, plenamente alcançado pelo hilário trio de atores.
        A peça pertence ao melhor estilo besteirol, gênero surgido no Rio de Janeiro na década de 1980 com peças de Mauro Rasi e Vicente Pereira e que atingiu seu auge em São Paulo com Quem Tem Medo de Itália Fausta? com os saudosos Ricardo de Almeida e Miguel Magno e com os trabalhos de Patrício Bisso. Trata-se de espetáculos onde imperam o non sense, o travestismo escrachado ao estilo dos Dzi Croquettes, o humor e situações que beiram o teatro do absurdo e que têm como um dos seus nobres antecessores as chanchadas da Atlântida (década de 1950) onde brilhavam Oscarito e Grande Otelo. Esnobado por boa parte da crítica o gênero andou desaparecido dos nossos palcos.
        Eis que GpeteanH resgata em boa hora o besteirol nos oferecendo este delicioso Los Lobos Bobos. São esquetes despretensiosos em homenagem à cidade de São Paulo ao som da música do mais paulistano dos compositores (Adoniran Barbosa)  onde os atores cantam,dançam, improvisam e interagem com a plateia em um saboroso jogo cômico onde só há vencedores, pois todo mundo se diverte: público e elenco.
         Muito irreverentes e à vontade no palco, Guilherme Uzeda, Marcelo Augusto e Ricardo Arantes fazem o que querem com o público que se entrega totalmente às brincadeiras propostas. Cada um a seu estilo os três atores são muito bons, mas ao meu modo de ver, quem tem o melhor rendimento cênico e cômico é Ricardo Arantes com seu jeitão mais suave e (só) aparentemente menos engraçado.
        O palco nu é acrescido de imagens da cidade de São Paulo que em certos momentos tornam-se reverentes e acadêmicas contrapondo-se à irreverência do que está em cena. A direção musical, que retrabalha também de maneira irreverente as músicas de Adoniran, é de Pedro Paulo Bogossian.
        Teatro divertimento feito de maneira simples, honesta e profissional que é um grande alento nesses tempos de crise onde só nos resta rir!
        Creio que não propositalmente a irreverência chegou até à confecção do bilhete que ostenta o seguinte nome para o espetáculo: Los Bobos Lobos.
        LOS LOBOS BOBOS está em cartaz no Teatro da Livraria da Vila do shopping JK Iguatemi só até o próximo fim de semana (28/02) no sábado às 20h e no domingo às 18h. Torçamos para que o divertido espetáculo reestreie em um teatro mais próximo e faça longa carreira, pois ele merece.



21/02/2016

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

CARANGUEJO OVERDRIVE




        Era muito comum nos turbulentos anos 1960 ver um estudante mesmo que medianamente engajado na luta para enfrentar o regime militar que não carregasse em sua mochila os livros Geografia da Fome e Geopolítica da Fome do autor pernambucano Josué de Castro (1908-1973). O autor era cultuado nas universidades e sempre citado quando o assunto era a fome nos países subdesenvolvidos, sua tese era que a questão da fome origina-se na má distribuição da renda e das mercadorias obtidas com essa renda e era forte defensor da reforma agrária. Há uma célebre frase dele que diz “Metade da humanidade não come e a outra metade não dorme, com medo da que não come”. Ciosos defensores dessa outra metade, os militares perseguiram e conseguiram banir Josué de Castro da memória do brasileiro. Muito pouca gente conhece o legado desse médico, cientista político e ativista no combate à fome. Ele também escreveu um romance intitulado Homens e Caranguejos.
        Eis que nos chega do Rio de Janeiro pelo grupo Aquela Cia. de Teatro, um dos espetáculos mais engajados dos últimos anos que foi buscar inspiração na obra de Josué de Castro, tendo o grande mérito de trazer de volta o pensamento do mesmo para a reflexão dos espectadores à luz da realidade atual. Transferindo a ação dos mangues pernambucanos para aqueles do Rio no século 19, o texto de Pedro Kosovski fala de um homem que caçou caranguejos na juventude, lutou na Guerra do Paraguai e ao voltar traumatizado pelos efeitos da guerra encontra uma cidade completamente mudada e onde o mangue, sua fonte de sobrevivência, foi aterrado. Após vários percalços este homem faminto metaforicamente transforma-se em caranguejo passando de caçador a caçado.


        A encenação de Marco André Nunes, tendo como base estética o movimento manguebeat de Chico Science, é envolvente. Os atores (todos excelentes) desdobram-se na narração e na interpretação de Cosme, o protagonista. A peça inicia com um manifesto dito por Alex Nader enquanto Matheus Macena (grande presença cênica e dono de voz marcante) debate-se numa plataforma de areia que simboliza a lama do mangue. A ação evolui e tem seu ápice no momento em que Fellipe Marques desnuda-se cobrindo o corpo de lama e transformando-se em caranguejo. Durante a sua metamorfose ocorre em paralelo a cena antológica em que uma prostituta paraguaia do mangue (grande momento de Carolina Virguez a quem vimos há pouco em Guerrilheiras) conta em alta velocidade para o depauperado e esfomeado Cosme a história da política brasileira. Hilariante e cruel.
        A forte e precisa trilha musical é executada ao vivo por três músicos com a direção musical de um deles (Felipe Storino).
        Na noite da estreia (16/02) a peça e os atores foram ovacionados longamente por um público bastante emocionado com a pujança do que acabou de ver.
        CARANGUEJO OVERDRIVE fica em cartaz no Sesc Pinheiros de terça a quinta feira às 21h somente até 10/03. SÃO PAULO PRECISA DESCOBRIR ESTE ESPETÁCULO QUE JÁ PODE SER INCLUÍDO ENTRE OS MELHORES DO ANO.


         

17/02/2016

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CAIS – A 14ª QUE NÃO ACONTECEU


TERIA CERTO SENHOR SUBORNADO A ELETRO PAULO?


        Era para ser uma grande noite...
        Era para ser uma noite muito especial...

        Havia a sensação que ia assistir a uma peça pela primeira vez e tinha aquela esperança que sempre tenho quando vou ao teatro que verei o espetáculo da minha vida.
        Mas acontece que eu ia ver a peça da minha vida!! Despediria-me por algum tempo das tão caras personagens, encontraria os queridos companheiros da Velha Companhia, completaria minhas 42 horas de CAIS empatando com o também querido concorrente Carlos Colabone (ele estava uma apresentação à minha frente).
        Dia todo com aquela coisa gostosa de esperar o evento noturno. Depois do almoço fiz um bolo de queijo para levar para o pessoal e quando o bolo saiu do forno mandei uma mensagem para o Marco Aurélio auspiciando a noitada.
        Por volta das três da tarde, o dia fez-se noite e caiu uma tempestade de fazer gosto! E depois a chuva continuou, mas não houve nada que tirasse meu entusiasmo de me dirigir ao Viga. Guarda chuva em uma mão, sacola com o bolo na outra e um livro debaixo do braço para me letrar na condução. Ônibus, metrô. Ao descer na Estação Sumaré vi todo o entorno às escuras e assim também se encontrava o Viga.
        Subi para o teatro com o Maurício Inafre e encontrei aquela gente gostosa e tão querida.
        - Fazemos no escuro?
        - Esperamos até certo horário?
        - A Eletropaulo deu previsão do retorno da luz?
        - Vamos lá fora cantar para o público que está no saguão escuro?
        Essas e outras questões eram levantadas pelo elenco enquanto a Lara Córdula fazia evoluções com uma lanterna direcionada para um globo de danceteria criando belos efeitos luminosos no teto do teatro.
        Eu com os meus botões pensava:
        - Será que certo senhor subornou a Eletro Paulo para que se inviabilizasse o empate?
        Meu bolo de queijo fez sucesso e acabou rapidamente e muita gente pediu a receita que aproveito e reproduzo aqui:

BOLO DE QUEIJO
Ingredientes:
- 300g de mussarela fatiada
- 2 colheres de sopa de queijo parmesão ralado
- 3 xícaras de chá de polvilho doce
- 1 colher de sopa de fermento em pó
- 3 ovos
- 1 xícara de chá (não muito cheia) de óleo
- 1 copo de leite

Bater no liquidificador os ovos, o óleo, o leite, o sal e parte da mussarela (menos da metade). Numa tigela colocar o polvilho e juntar a massa do liquidificador, o resto da mussarela rasgada em pedaços e o fermento. Colocar essa mistura numa forma redonda com buraco untada apenas com óleo. Pulverizar a superfície da massa com queijo parmesão. Colocar para assar até dourar em cima.

        E ficamos por lá, rindo, batendo papo e esperando a luz voltar. Liberaram a entrada do público, mas a luz não voltou. Em certo momento o grupo achou por bem cancelar o espetáculo transferindo-o para a terça feira. Ana Elisa fez o anúncio e conduziu as pessoas para a bilheteria enquanto ficamos papeando. Ambiente gostoso e descontraído coroado com docinhos gostosos que o Maurício Inafre trouxe com letras que formavam CAIS OU DA INDIFERENÇA DAS EMBARCAÇÕES. Sorte o título da peça ser comprido assim teve doce para todo mundo!
        Conheci a Letícia, bonita e simpática companheira do Marcelo Marothy, papeei com o Luciano Gatti, com o Seu Jaime (pai do Kiko), fiz gracinha para a Anita e curti todo o grupo, sempre tão receptivo e acolhedor.
        Às 20h30 a luz voltou, mas o público já havia dispersado e não havia como voltar atrás.

        Era para ser uma grande noite...
        Era para ser uma noite muito especial...
        Era a noite do empate!
        Não houve o empate. O placar continua sendo:

             CETRA 13                X          COLABONE 14        

        Mas o jogo continua em junho no Rio de Janeiro!

        E tem mais: Mesmo sem a apresentação FOI UMA GRANDE NOITE! FOI UMA NOITE MUITO ESPECIAL!
        OBRIGADO VELHA COMPANHIA!



15/02/2016


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

VOLPONE

UMA DUPLA DO BARULHO

        A peça do autor inglês Ben Jonson (1572-1637), contemporâneo de Shakespeare, já teve duas montagens anteriores em São Paulo: em 1955 no Teatro Brasileiro de Comédia com direção de Ziembinski e tendo o mesmo como Volpone e Walmor Chagas como Mosca e em 1977 sob a direção de Antônio Abujamra com Laerte Morrone e David José como a dupla central e contando ainda com Laura Cardoso e Beth Goulart (na época com apenas 17 anos) no elenco. Não assisti a nenhuma dessas montagens, mas duvido que Volpone e Mosca tenham encontrado intérpretes mais acertados do que Chico Carvalho e Gabriel Miziara nesta pandega montagem de Neyde Veneziano.
        Neyde Veneziano assume totalmente a estética da Commedia dell’Arte acrescentando ainda uma pitada da ironia “grosseira” de Dario Fo, do qual é profunda conhecedora, obtendo resultado não menos que hilariante. Ri-se muito das artimanhas do Sr. Raposão e do seu fiel (mas nem tanto!!) escudeiro Mosca na busca desenfreada de bens materiais à custa de ludibrio, corrupção e troca de favores. Qualquer semelhança com a situação atual do nosso triste Brasil não é mera coincidência e a montagem deixa isso muito claro.


        O engenhoso cenário de Cássio Brasil substitui a carroça de antigamente por uma caixa que vai se modificando á medida que a ação assim o exige. A encenadora conta ainda com a bela iluminação de Fran Barros e a trilha de Ricardo Severo executada ao vivo e que comenta e ilustra a ação.
        A interpretação do elenco de apoio está em total sintonia com a proposta da encenação, mas quem brilha é a dupla do barulho. Poucas vezes temos visto em nossos palcos tamanha cumplicidade e sintonia. Os esgares e os movimentos das mãos e pés de Chico Carvalho somam-se aos ágeis movimentos corporais de Gabriel Miziara dando um impar rendimento cômico. Impossível não se lembrar de duplas geniais tanto personagens (Arlequim e seu patrão, Puntilla e Matti) como intérpretes (Oscarito e Grande Otelo e o Gordo e o Magro).


        Infelizmente na noite em que assisti ao espetáculo a atriz Eliana Rocha não pode fazê-lo e sua personagem foi suprimida. A personagem é uma viúva tão arrivista como todos os outros senhores que vão visitar Volpone e sua ausência pode provocar - como bem lembrou o produtor Ronaldo Diaféria - uma sensação que a montagem é machista, o que, absolutamente, não é a ideia. Isso é um bom motivo para rever a peça, o que não será nenhum sacrifício, muito pelo contrário, pois a hora e meio de riso que Volpone provoca é irresistível.
        VOLPONE está em cartaz no Teatro MUBE Nova Cultural (ao lado do MIS) às sextas e sábados às 21h30 e aos domingos às 20h30 até 13 de março.

        LEMBRETE: Se quiser fazer uma sessão dupla para comprovar o grande talento e a versatilidade de Chico Carvalho assista CONSERTANDO FRANK em cartaz no mesmo teatro aos sábados (19h) e domingos (18h) também até 13 de março.

- Consertando Frank -

09/02/2016


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

MEMÓRIAS DE ADRIANO

Foto de Renato Mangolin

        O livro Memórias de Adriano finalizado em 1951 por Marguerite Yourcenar foi um verdadeiro fenômeno de vendas na década de 1970 quando lançado no Brasil. Texto de difícil compreensão com linguagem elaborada e sofisticada e sem a menor concessão curiosamente tornou-se best seller, concorrendo com os livros de Sidney Sheldon nas listas dos mais vendidos. Era comum ver mocinhas com o livro debaixo do braço, apesar de que a maioria delas não passaria da décima página.


        Thereza Falcão tomou para si a difícil tarefa de transformar o volumoso livro em texto teatral de pouco menos de uma hora com linguagem coloquial e acessível, mas sem banalizar a ideia central do livro e o resultado é muito mais que satisfatório. A dramaturga consegue apresentar as grandezas e fraquezas do imperador romano, sua amizade com Plotina (esposa do seu antecessor Trajano), seu grande amor pelo jovem Antínoo e a morte prematura deste, a escolha do seu sucessor e, principalmente, seus pensamentos políticos e humanistas.
        Texto dessa densidade necessitava de um grande intérprete e Luciano Chirolli mais uma vez demonstra seu grande talento interpretando Adriano. Mesmo antes do terceiro sinal Chirolli já envolve o público de maneira intensa fazendo o pedido desesperado de Adriano: “Ajudem-me a morrer!”.
        Por coincidência este início de ano está marcado por excelentes monólogos todos eles usando o recurso de acompanhamento musical ao vivo: Uma Ilíada com Bruce Gomlevsky que fez temporada relâmpago no Sesc Pompeia, ao qual não assisti, mas ouvi ótimas referências, O Testamento de Maria com Denise Weinberg, ainda em cartaz no Sesc Pinheiros e este Memórias de Adriano onde Chirolli é acompanhado pelo músico Marcello H, que chega a narrar alguns momentos da ação.
        A direção de Inez Viana é precisa valendo-se da discreta cenografia de Aurora Campos (o sugestivo painel ao fundo revela a fragilidade do corpo tão bem enfatizada por Adriano, assim como a banheira onde ele jaz moribundo), da precisa iluminação de Tomás Ribas e, é claro, da iluminada interpretação de Luciano Chirolli.
        A proximidade da morte acaba trazendo certa paz ao imperador que já não pede que o ajudem a morrer, mas serenamente esforça-se para entrar na morte com os olhos abertos. A ovação do público atesta a grandeza do texto e a admirável composição de Chirolli.

        MEMÓRIAS DE ADRIANO está em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 28 de fevereiro às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h30. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL.


08/02/2016

domingo, 7 de fevereiro de 2016

DADESORDEMQUENÃOANDASÓ



        A peça do escocês Davey Anderson que no original se intitula Clutter Keeps Company, algo próximo a A Desordem Garante a Companhia recebeu do tradutor Caio Badner o curioso título de Dadesordemquenãoandasó, grafado sem a separação das palavras e está em cartaz no Viga Espaço Cênico numa parceria entre as companhias Provisório-Definitivo e Artera de Teatro numa montagem assinada por Carlos Baldim. Trata-se de texto com linguagem fluida e contemporânea onde as longas rubricas que narram boa parte da ação são ditas pelos atores/narradores.
        A direção de Carlos Baldim acompanha as intenções do texto oferecendo uma encenação limpa (com um mínimo de cenário) e uma precisa coreografia da movimentação dos atores. Espetáculo altamente imagético que apenas com a interpretação dos atores e poucos objetos de cena permite ao público visualizar a casa do garoto Stevie, o parque de diversões e aquela cena que é o ponto alto da peça: a perseguição no trem fantasma.


        O elenco é bastante afinado e a peça permite bons momentos de cada um deles. Uma curiosidade: ao ler a sinopse da peça imaginei que o ator Pedro Guilherme faria o papel do garoto Stevie, mas eis que o encontro com barba e cabelos longos interpretando uma personagem adulta, deixando o papel do rapaz para Ricardo Corrêa. Entre as intérpretes femininas não há como não destacar Paula Arruda como a garota Gema. Com exceção do garoto, todos os outros os atores, além de interpretarem várias personagens, também narram boa parte das ações alcançando ótimo equilíbrio entre as duas linguagens.
        DADESORDEMQUENÃOANDASÓ é espetáculo gostoso de ver e não vai aí nenhum sentido pejorativo. É gostoso porque trata de assuntos sérios como solidão, carência afetiva, individualismo e falta de comunicação de forma suave, mas contundente.
        Nota especial para a bela trilha sonora de Dan Maia que se insinua durante todo o transcorrer da peça e se impõe ao final.
        Até 11 de fevereiro a peça está em cartaz às quartas e quintas feiras às 21h. A partir de 20 de fevereiro e até 28 de março a peça terá novos horários: Sábados e segundas às 21h e domingos às 19h.


07/02/2016

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O TESTAMENTO DE MARIA


        Desde sempre as religiões monoteístas geraram mais ódio do que amor, mais guerra do que união entre os povos, mais fratricídios do que fraternidade. Parece que o Deus é um só, mas surgem profetas que o defendem à sua maneira e depois os seguidores de cada um desses líderes criam dogmas segundo as suas crenças e interesses criando as diversas religiões monoteístas devidamente documentadas, entre outros,na Bíblia, no Alcorão e no Torah, estes, por sua vez são interpretados de acordo com os interesses dos seguidores de cada religião. Na defesa ferrenha e unilateral desses interesses surgem os fundamentalistas sobre cujos estragos cometidos contra a humanidade não há necessidade de discorrer.
        Colm Tóibin é dramaturgo originário de país extremamente católico como a Irlanda e nada mais natural que suas dúvidas e revoltas recaiam sobre a religião dominante em seu país. Para tanto usa de excelente recurso dramático que é colocar em cena Maria, a mãe de Jesus, alguns anos após a crucificação do filho. Maria é um poço de revolta em relação à maneira como seu filho foi conduzido e como ele se deixou seduzir pelo poder e pela crença que era o filho de Deus. Maria contesta os milagres de Cristo, assim como se nega a colaborar com o livro que está sendo escrito pelos seguidores, que segundo ela não reproduz os fatos como realmente aconteceram.


        Essa mulher de carne e osso, muito distante da madona presente nos altares, é interpretada por Denise Weinberg numa atuação não menos que poderosa. Complementada pelo excelente comentário musical executado ao vivo por Gregory Slivar Denise expõe visceralmente a revolta de Maria e em certo momento, desde já antológico, relembra a crucificação numa das cenas mais fortes vistas em nossos palcos nos últimos anos.
        Monoteístas convictos deverão se chocar com o espetáculo, ainda mais porque a bela cena final quando Maria decide repousar nos braços dos deuses gregos é uma verdadeira ode ao politeísmo.
        Ron Daniels coloca a ação em um cenário limpo formado apenas por tablado e cadeira, além do músico com seus instrumentos. O foco é na interpretação da atriz que já pode se inscrever entre as grandes do ano que está só começando. Que os jurados de prêmios não esqueçam ao final do ano de incluir em suas listas esta memorável interpretação de Denise Weinberg.
        O TESTAMENTO DE MARIA está em cartaz no Sesc Pinheiros apenas até o dia 13 de fevereiro. Sessões às 5ªs, 6ªs e sábados às 20h30. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

05/02/2016

        

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

3ª MITSP (MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÂO PAULO) – DE 04 A 13 DE MARÇO DE 2016



BRAVOS GUERREIROS

        Apesar da crise política, apesar da crise econômica e do dólar e o euro elevados às alturas, apesar da crise cultural que até a natureza colabora para que se torne mais grave (haja vista os recentes incêndios do Museu da Língua Portuguesa e da Cinemateca), apesar de “você”, apesar de tudo isso os incansáveis batalhadores Antônio Araújo e Guilherme Marques com o apoio dos patrocinadores divulgaram na última segunda feira, dia 1º de fevereiro, a realização da terceira edição da MITsp , evento que já faz parte do calendário cultural da cidade. Nem tudo está perdido, Ruth Escobar!
        A mostra está mais compacta, mas a redução em quantidade parece ter intensificado a qualidade, pois todos os dez espetáculos programados parecem oferecer grandes surpresas artísticas. Além disso, grande ênfase continua sendo dada aos eixos reflexivo e pedagógico onde poderão ser discutidos assuntos relevantes como o papel da narrativa no teatro contemporâneo, o racismo, a relação do teatro com a música e as artes visuais e até um diálogo com a cidade de São Paulo, através de um espetáculo trazido pelo grupo alemão Rimini Protokoll intitulado 100% São Paulo. Haverá a realização de workshops, lançamento de livros, palestras e muita discussão sobre a função da crítica.
        Cautelosos os organizadores não quiseram adiantar a data da realização da 4ª MITsp como fizeram nos anos anteriores, sugerindo até que ela possa tornar-se bienal. Temos certeza que esses bravos guerreiros vencerão mais uma árdua batalha e vão conseguir manter a anuidade de tão importante evento. Torcida é o que não falta!

        Mas vamos à programação dos espetáculos da 3ª MITsp:

        A mostra será aberta no dia 04 no Auditório Ibirapuera com o espetáculo CINDERELA do dramaturgo e encenador Joël Pommerat, espetáculo infanto-juvenil em coprodução belgo francesa.
        Ainda de Joël Pommerat, de quem já tivemos a oportunidade de ver a instigante Esta Criança montada em 2014 pela Cia. Brasileira de Teatro e Renata Sorrah, a França envia a sua última realização ÇA IRA.

ÇA IRA

        Da Grécia o coreógrafo Dimitris Papaioannou nos traz NATUREZA MORTA que é uma fusão de teatro-dança com as artes visuais.
        A CARGA é o espetáculo proveniente do Congo com o importantíssimo dançarino africano Faustin Linyekula.
        (A)POLÔNIA é uma encenação polonesa do diretor Krzysztof Warlikowski. O projeto do encenador polonês é baseado em textos clássicos e contemporâneos. Pelo pouco vi (fotos e fragmentos da montagem) este espetáculo deverá ser o ponto alto da MITsp, repetindo o impacto de A Gaivota e Opus nº 7 da mostra de 2015.

(A)POLÔNIA

        100% CITY, trabalho da companhia alemã Rimini Protokoll, adapta-se à cidade onde é apresentado colocando no palco habitantes da mesma. Aqui se transformou em 100% SÃO PAULO e pela primeira vez a MITsp ocupará o palco do nosso Theatro Municipal.

100% SÃO PAULO

        REVOLTING MUSIC – INVENTÁRIO DAS CANÇÕES DE PROTESTO QUE LIBERTARAM A ÁFRICA DO SUL já traz no título aquilo a que se propõe o músico e performer Neo Muyanga.
        Inspirados na obra de Thelonious Monk os belgas Josse de Pauw e Kris Defoort criaram AN OLD MONK outro espetáculo que funde teatro e música.
        Dentre os espetáculos nacionais o grupo Teatro de Narradores dirigido por José Fernando Azevedo apresentará CIDADE VODU, espetáculo itinerante a ser realizado na Vila Itororó.
        Finalmente, o grupo Ultralíricos dirigido por Felipe Hirsch apresentará seu novo trabalho A TRAGÉDIA LATINO-AMERICANA.

        Agora o negócio é preparar-se para a maratona teatral que nos deixará (deliciosamente) ocupados por dez dias de março.

04/02/2016