Percorrendo
os guias de teatro de São Paulo nota-se que mais de 10% dos cerca de 150
espetáculos em cartaz na cidade é constituído de monólogos, isto sem levar em
conta as comédias stand up. Sinal dos
tempos de crise ou mera coincidência? Fica a pergunta. Eu me recordo que em
1969, época de crise e de censura acirrada ao teatro brotaram as peças com duas
personagens e com cenários reduzidos e desse fato surgiram nomes como José
Vicente, Antonio Bivar, Leilah Assumpção e Consuelo de Castro, o que demonstra
que em dias sombrios sempre pode haver uma luz no fundo do túnel.
Voltando
aos dias de hoje, entre os monólogos em cartaz há que se distinguir os
espetáculos oportunistas daqueles oportunos e com desempenhos excepcionais de
seus solitários atores. Entre estes últimos destaca-se este surpreendente Eu Tenho Tudo em cartaz na pequena e
aconchegante sala do Viga Espaço Cênico.
A
peça de Thierry Illouz, dramaturgo argelino residente em Paris, foi escrita no
final do século passado e trata de um homem acuado, mas crente que é dono do
mundo (“Eu não tenho o poder, eu sou o poder. Eu tenho tudo") que vomita sua revolta e seu
ódio sobre aquele que supostamente o acuou, no caso, eu, o público. Nesse aspecto a peça tem
alguma semelhança com Insulto ao Público
famosa peça de Peter Handke.
Esse
homem, que se diz tão poderoso em função das 40.000 moedas que possui, vai aos
poucos desmoronando e mostrando sua fragilidade diante do mundo que o agride e o massacra, mas ao final sua revolta parece destruir o inimigo. Pedro Vieira encarna esse homem com vigor pouco visto em nossos palcos. Dono de
voz potente e com pleno domínio da mesma e do seu corpo, destila a raiva com
tanta verdade que o público diante dessa “ofensa” é obrigado a reagir (mesmo
que internamente) e refletir sobre tudo o que é dito. Em certo momento a
personagem dirige-se diretamente a um dos espectadores que está na penumbra e
diz “Não seja covarde. Mostra a tua cara!”. Fico pensando o que aconteceria se
esse espectador reagisse a essa provocação! A interpretação de Pedro Vieira já pode ser
considerada como forte candidata às melhores do ano.
Foto de Cacá Bernardes
A
diretora Cácia Goulart realiza trabalho discreto e eficiente focando toda a
atenção no trabalho do ator. Auxiliada apenas pelo belo desenho de luz de Lúcia
Chedieck a encenadora nos revela por meio da visceral interpretação de Pedro
Vieira toda a podridão das relações no mundo contemporâneo.
EU TENHO TUDO é espetáculo obrigatório
para quem procura no teatro elementos para refletir sobre a realidade em que
vivemos e não mero entretenimento. Se você não é um alienado precisa ir até o
Viga Espaço Cênico até 10 de abril, às sextas e sábados às 21h e aos domingos
às 19h. NÃO VAI SE ARREPENDER!
28/02/2016