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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PRÊMIO APCA DE TEATRO 2016


        Em reunião realizada no dia 30 de novembro de 2016 no Sindicato dos Jornalistas os críticos da área de teatro da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) elegeram aqueles que a maioria (votação) considerou os melhores do ano. São eles:

ATOR: LEONARDO FERNANDES (CACHORRO ENTERRADO VIVO)


ATRIZ: DENISE WEINBERG (O TESTAMENTO DE MARIA)


AUTOR: VINICIUS CALDERONI (OS ARQUEÓLOGOS)


DIRETOR (EMPATE): JOÃO FALCÃO (GABRIELA, UM MUSICAL) e KIKO MARQUES (SÍNTHIA)



ESPETÁCULO: SOBRE RATOS E HOMENS


PRÊMIO ESPECIAL: LENISE PINHEIRO (pelo registro histórico da cena teatral paulista)


GRANDE PRÊMIO DA CRÍTICA: MARIA ALICE VERGUEIRO (pela trajetória no teatro)


        Votaram os críticos: Aguinaldo Cristofani Ribeiro da Cunha (*), Carmelinda Guimarães, Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, Marcio Aquiles Fiamengui (*), Michel Fernandes, Miguel Arcanjo Prado e Vinício Angelici.

        (*) Votaram apenas nas categorias “Prêmio Especial” e “Grande Prêmio da Crítica”

        A festa de premiação será realizada entre fevereiro e março em data e local a serem futuramente divulgados.
        30/11/2016


EPÍSTOLA.40 – carta des(armada) aos atiradores


        O texto de Rudinei Borges trata de assuntos sociais bastante sérios como a chegada de migrantes nordestinos na desumana cidade grande, a procura de um lugar para morar, as constantes ações de despejo dos barracos onde vivem de maneira precária e até a perda de entes queridos nos confrontos com a truculência da polícia. Como já fizera em Dezuó, o dramaturgo trata esses temas de maneira poética com frases de linguagem sofisticada que remetem ao grande Guimarães Rosa. Há muita poesia na prosa de Borges. O texto se inspira em A Hora da Estrela de Clarice Lispector, no Primeiro Livro de Macabeus e, principalmente, nos relatos das moradoras da comunidade do Boqueirão situada na zona sul da cidade.
        Telumi Hellen assina a simples e criativa cenografia que conta com objetos de cena manipulados pelos atores e que criam belas cenas de conjunto como aquela da chegada em São Paulo. Edgar Castro dirige o todo criando, com o auxílio da iluminação ocre de Felipe Boquimpani, bela harmonia entre o espaço cênico e os atores
        Daniela Evelise é presença marcante como a protagonista Macabéa que, como sua homônima no livro de Clarice Lispector, datilografa (neste caso, as cartas dos parentes). Dona de vigoroso físico e doce voz, suas falas e as intervenções quando repete a última palavra do que alguém está lhe ditando estão entre os melhores momentos do espetáculo. Inesquecível também a cena do aprendizado da datilografia, após receber a máquina do pai, que segundo ele pertenceu ao Frei Damião. A personagem do menino Auarã, filho de Macabéa, é defendida com sensibilidade por Dionizio Cosme do Apodi. Completam o bom elenco: Alexandre Ganico (Judas, o pai), Andrea Aparecida Cavinato (Nazara, a mãe) e Heitor Vallim (Misael, o irmão).


        O autor soube dosar os fatos narrados com aqueles com ação dialógica e este equilíbrio dinamiza o espetáculo. Após Dezuó, Epístola.40 reafirma o talento dramatúrgico/poético de Rudinei Borges.
        Dignos de nota o bem elaborado programa e o livro com o texto da peça (Editora Lamparina Luminosa) que são distribuídos gratuitamente aos espectadores.
        EPÍSTOLA.40 está em cartaz na Sede Luz do Faroeste até 12 de dezembro: Segundas, sextas e sábados às 20h e domingos às 19h.

30/11/2016
       
       

        

terça-feira, 29 de novembro de 2016

AINDA NÃO FOI DESTA VEZ ELIS!


O cinema e o teatro ainda estão devendo uma obra à altura de ELIS REGINA

        Em 2002 Diogo Vilela escreveu e dirigiu Elis, Estrela do Brasil, um musical apenas médio, apesar do bom trabalho de Inez Viana e do esforço de Vilela em recriar a vida e a obra de Elis.
        Em 2013 foi a vez de Dennis Carvalho dirigir Elis – A Musical com texto de Nelson Motta e Patricia Andrade. Produção mais ambiciosa tinha seu ponto alto na premiada interpretação de Laila Garin, mesmo assim carecia de maior densidade dramatúrgica.
        2016 é o ano da chegada de Elis às telas do cinema em filme homônimo dirigido por Hugo Prata onde mais uma vez o grande trunfo é a intérprete da cantora, Andréia Horta, que incorpora a personagem e mesmo sem ser nada parecida em certos momentos tem-se a sensação de estar vendo Elis. A recriação dos números musicais é impecável onde Andreia e os músicos “dublam” de maneira perfeita os originais.


        O roteiro privilegia os homens que passaram pela vida de Elis e que ganharam as boas interpretações de Gustavo Machado (Bôscoli), Rodrigo Pandolfo (Nelson Motta), Lúcio Mauro Filho (Miéle), Zé Carlos Machado (Seu Romeu, o pai), Caco Ciocler (César Mariano), Julio Andrade (Lennie Dale), Bruce Gomlevsky (Henfil), Eucir de Souza (Samuel MacDowell) e César Trancoso (Marcos Lázaro).
        O problema maior do filme é o roteiro (Luiz Bolognesi, Hugo Prata e Vera Egito). Sendo baseado numa história real já cantada e decantada em inúmeras biografias fica difícil entender o porquê de se ficcionalizar certos aspectos da vida de Elis.
        - Como mostrar Seu Romeu como aquele pai extremoso e desinteressado?
        - Ao que se sabe Elis jamais telefonou para Bôscoli em seus últimos momentos.
        - A ação passa da casa da Av. Niemayer no Rio para a casa da Cantareira em São Paulo em um piscar de olhos sem maior sedimentação, da mesma maneira como César entra na vida amorosa de Elis. Uma pena, pois a maneira como Elis assediou César e a reação que ele teve teriam dado uma hilária cena cinematográfica.
        - Um advogado aparece em certo momento do filme intermediando o contrato do espetáculo Falso Brilhante. Desaparece de cena e ao final reaparece. Era o Samuel MacDowell, último namorado de Elis (isso só fica claro para quem conhece um pouco da história da cantora). Ele realmente trabalhou com Elis e César na época do Falso Brilhante (1975/1976)?
        - No afã de ilustrar a ação com músicas do repertório de Elis, algumas vezes elas são apresentadas em momentos inadequados (Aos Nossos Filhos gravada em 1980, aparece em 1982 às vésperas da morte de Elis). Atrás da Porta é apresentada como um momento de dor pela separação de Bôscoli, quando talvez ainda nem tivesse sido composta por Chico Buarque.
        Elis é um filme que tinha tudo para emocionar, mas o faz apenas em raros momentos como os diálogos de Elis com Henfil, as observações sarcásticas e divertidas de Bôscoli e os números musicais. É pouco, não é, Elis? Uma pena.

28/11/2016




      




segunda-feira, 28 de novembro de 2016

FÍLON – O TEATRO DO MUNDO




        É quase inacreditável a quantidade de grupos e espaços sérios que se escondem nesta nossa imensa metrópole! Sem me considerar a pessoa melhor informada sobre as atividades teatrais que acontecem em São Paulo, posso afirmar que procuro estar a par e assistir ao maior número de trabalhos que acontecem na cidade, tanto na zona central, como na periferia.
        Na última quinta-feira dose dupla de boas surpresas: o espaço da Oficina MetaCultural e o grupo do Estúdio Fita Crepe SP – Ateliê de Som e Movimento.
        A Oficina MetaCultural é um aconchegante espaço localizado na Rua 13 de Maio, 120 que oferece oficinas e dispõe de flexível espaço teatral. O café é simpático e os preços bastante justos.


        Foi ali que assisti a Fílon – O Teatro do Mundo, criação dos mentores do Fita Crepe: Kenia Dias e Ricardo Garcia. Como indica o nome do Estúdio, o grupo trabalha com a influência dos sons criados por Ricardo nos movimentos do corpo trabalhados por Kenia ou vice-versa.
        O mote do espetáculo é a história em quadrinhos homônima dos portugueses José Carlos Fernandes e Luis Henriques que por sua vez é inspirada no poema Vida na Expectativa da poetisa polonesa Wislawa Szymborska, ganhadora do Prêmio Nobel. Trata-se de trabalho experimental bastante radical, mais para ser sentido do que para ser compreendido.
        Em cena dois performers/dançarinos/atores ilustram a trama. A princípio em espaço ilimitado eles se movimentam à vontade. O chamado “ponto” (seria referência aos antigos pontos que sopravam o texto quando os atores esqueciam as suas falas?) inicia a delimitação do espaço com fita crepe (seria referência ao nome do grupo?) e a dupla não transpõe os novos espaços oferecidos. O ponto/manipulador discorre sobre tudo, oferece elementos e a dupla obedece cegamente em aparente bem estar. Ao perder seus manipuladores as marionetes ficam perdidas e despencam. O espaço lhes é devolvido com a retirada da fita crepe, mas eles já não conseguem mais sair do lugar.


        Esses seres/marionetes habitantes de Filon são interpretados de maneira visceral por Allyson Amaral e Ana Paula Lopez, presenças impressionantes na coreografia e nas expressões corporal, facial e vocal.
        Ricardo Garcia opera a luz e o som criado por ele e Kenia Dias manipula as personagens limitando os espaços, distribuindo objetos e falando com voz propositalmente fria e metálica que é emitida através das fontes de luz.
        O radicalismo da concepção de Fílon impressiona e surpreende e deve ser experimentado por quem acredita na necessária renovação da linguagem desse senhor chamado teatro.

27/11/2016
         


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

INDICADOS AO PRÊMIO APCA DE TEATRO - 2016

Um Berço de Pedras - Indicado em 4 categorias no 2º semestre

Os Arqueólogos - Indicado em 2 categorias no 2º semestre

Leonardo Fernandes - Indicado quase por unanimidade no 2º semestre na categoria ator


INDICADOS AO PRÊMIO APCA DE TEATRO - 2016

ATOR
Primeiro semestre
BRUCE GOMLEVSKY – UMA ILÍADA
ERIC LENATE – FIM DE PARTIDA
RODRIGO BOLZAN – PROJETO BRASIL
Segundo semestre
FLAVIO BAURAQUI – CARTOLA
LEONARDO FERNANDES – CACHORRO ENTERRADO VIVO
NEY PIACENTINI - ESPELHOS

ATRIZ
Primeiro semestre
BARBARA PAZ – GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE
BIA SEIDL – NÃO CONTÉM GLÚTEN
DENISE WEINBERG – O TESTAMENTO DE MARIA
Segundo semestre                                         
CRISTINA CAVALCANTI – UM BERÇO DE PEDRA
JULIANA GALDINO – LEITE DERRAMADO
LAILA GARIN – GOTA D’ÁGUA A SÊCO

AUTOR
Primeiro semestre
LEONARDO CORTEZ – SALA DE PROFESSORES
LUÍS ALBERTO DE ABREU – CABRAS – CABEÇAS QUE VOAM, CABEÇAS QUE ROLAM
SÉRGIO ROVERI – NÃO CONTÉM GLÚTEN
Segundo semestre
JÕ BILAC – FLUXOGRAMA
NEWTON MORENO – UM BERÇO DE PEDRA
VINICIUS CALDERONI – OS ARQUEÓLOGOS

DIRETOR
Primeiro semestre
JOÃO FALCÃO – GABRIELA, UM MUSICAL
JOSÉ ROBERTO JARDIM – NÃO CONTÉM GLÚTEN
LEONARDO MOREIRA - AMADORES
Segundo semestre
DUDA MAIA – AUÊ
KIKO MARQUES- SÍNTHIA
WILLIAM PEREIRA – UM BERÇO DE PEDRA

ESPETÁCULO
Primeiro semestre
A TRAGÉDIA LATINO-AMERICANA
SOBRE RATOS E HOMENS
PROJETO BRASIL
Segundo semestre
O GRANDE SUCESSO
OS ARQUEÓLOGOS
UM BERÇO DE PEDRA

        Votaram os críticos:
Primeiro semestre: Aguinaldo Cristofani Ribeiro da Cunha (nos prêmios especiais), Celso Cury, Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, Miguel Arcanjo Prado e Vinício Angelici.

Segundo semestre: Aguinaldo Cristofani Ribeiro da Cunha (nos prêmios especiais), Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Gabriela Mellão, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Maria Eugênia de Menezes, Miguel Arcanjo Prado e Vinício Angelici.

21/11/2016


         Dessas indicações resultarão os premiados que serão eleitos em reunião da APCA no próximo dia 30 de novembro de 2016. Nessa ocasião serão divulgadas as premiações para as categorias “Prêmio Especial” e “Grande Prêmio da Crítica”.

DZI CROQUETTES


        Em 1973 o público paulista levou um susto com o espetáculo que estreou no extinto Teatro Treze de Maio. Os parcos meios de comunicação da época davam uma pálida ideia do que já tinha acontecido no Rio de Janeiro. Dzi Croquettes chegou para revolucionar, alterar conceitos e comportamentos. O irreverente espetáculo vinha revestido do talento de seus componentes: Lennie Dale (com suas fantásticas coreografias e presença hipnótica em cena), Wagner Ribeiro (o criador do grupo), Cláudio Gaya, Ciro Barcelos, Cláudio Tovar e Paulette, entre outros (eram treze no total). Eles foram uma imensa luz no escuro túnel em que se vivia naqueles anos de chumbo da ditadura militar. Quem viveu aquela época e viu o espetáculo pode avaliar a importância do mesmo e o impacto que provocou. Quem viu, viu e o resto é história, pouco documentada por sinal. A exceção é o delicado e imperdível filme de Tatiana Issa e Raphael Alvarez realizado em 2009.
        Mais de 40 anos depois ressurge o grupo, agora liderado por Ciro Barcelos, um senhor de 63 anos que mantém invejável energia e presença cênica.


        Aqueles que não pretendem reviver os Dzi originais vão adorar e se divertir muito com o novo espetáculo. O talento tanto para o artístico (dança, canto e interpretação) como para o deboche, a improvisação e a irreverência, assim como o espírito de grupo e mesmo a época em que surgiram tornam os Dzi Croquettes originais incomparáveis e, mais que isso, irreprodutíveis. Os tempos mudaram, nossa sociedade é outra (apesar de - por incrível que pareça - estar mais conservadora e preconceituosa do que em 1973) e os novos componentes são muito jovens e não têm a vivência dos seus antecessores, mas demonstram bastante talento, necessitando apenas que se tornem mais irreverentes e improvisadores nos números de plateia.
        A concepção de Ciro Barcelos na forma de esquetes de revista é bastante semelhante àquela original e os melhores momentos ficam por conta das intervenções de Ciro. Carmen Miranda, a dança flamenga, a coreografia à la Lennie Dale enquanto este canta O Pato, Maria Bethânia canta Carcará intermediando declarações sobre a censura na época da ditadura e aquela que para mim é a cena mais comovente da montagem: recriação da cena das borboletas quando o grupo vem paramentado com túnicas com fotos dos antigos componentes e Ciro faz pequeno comentário sobre cada um deles. A recriação de alguns números é bastante fiel e bonita, como o par dançando ao som de Dois Pra Lá, Dois Pra Cá (desta vez cantada ao vivo, ao invés da gravação de Elis), a dança de candomblé e o já citado número das borboletas ao som da introdução de Assim Falou Zaratustra de Richard Strauss.


        A ficha técnica não especifica quem faz o que na peça. Os destaques vão para os números de dança do ator/dançarino que faz um hilário cisne e para o humor aguçado do jovem que entre outras coisas canta Dois Pra Lá, Dois Pra Cá. O conjunto é muito bom e os números em grupo são empolgantes.
        Dzi Croquettes é uma divertida revista musical interpretada, cantada e dançada por nove pessoas (“Não somos homens, nem mulheres. Somos pessoas” dizem os Dzi). Festa para os olhos e para a alma. E viva a diversidade!
        DZI CROQUETTES está em cartaz no Teatro Augusta apenas às quartas e quintas feiras às 21h até 15 de dezembro.


20/11/2016

sábado, 19 de novembro de 2016

SONHOS NÃO ENVELHECEM


Doce pássaro da juventude

        Shakespeare (1564-1616) tinha pouco mais de 30 anos quando escreveu a fantástica e poética Sonhos de Uma Noite de Verão. Os jovens que ora encenam a bela adaptação de Fernanda Maia para a comédia do bardo devem estar  em faixa de idade pouco inferior. É uma peça que respira juventude e que alimenta também os mais velhos, pois como diz o título da adaptação, os sonhos não envelhecem.
        Fernanda Maia é maga! Já disse e repito: ela é uma espécie de Rei Midas que transforma em ouro tudo o que toca. Já deu provas disso em todas trilhas e direções musicais que fez para o Teatro do Bardo e para o Núcleo Experimental onde realiza respeitável trabalho em dupla com Zé Henrique de Paula. Mais uma vez Fernanda acerta em cheio. Sua adaptação da peça de Shakespeare é leve e concisa, respeitando, porém, a essencia da mesma tanto nas cenas fantásticas com os elfos, como nas cômicas com o bando de atores mambembes que respondem por engraçados nomes como Fominha, Marmelada, Chica Frauta, Fofolete, Bocão e Nico Bunda.
        A ideia de unir a peça de Shakespeare com as músicas do Clube da Esquina não podia ter sido mais luminosa. Aqueles fatos que quando vêm à luz devem ser acompanhados de sonoro “Eureka!!!”. As canções e suas respectivas letras encaixam-se perfeitamente à ação da peça parecendo que foram compostas para a mesma. Há algo melhor que Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso) quando se fala da diversidade sexual com a presença da mais variada formação de casais ou de trios em uma das cenas mais bonitas da montagem?...“Qualquer maneira de amor vale a pena”//  “Nada será como antes” bradam os casais quando se apaixonam ou se desapaixonam ...”Nada será como antes” respondem Milton Nascimento e Ronaldo Bastos em sua obra homônima / “Tenha fé no nosso povo que ele acorda” diz a canção Credo (Milton Nascimento e Fernando Brant) e ela não poderia ser mais oportuna no momento em que o grupo contesta o trágico impasse por que passa o nosso país. Poderia citar outros vários momentos da perfeita adequação da música ao espetáculo de Fernanda, mas me limito a apenas mais um que é o comovente final ao som daquela que no meu ponto de vista é uma das mais belas canções compostas pelos mineiros do Clube da Esquina: O Sal da Terra  de Beto Guedes. Difícil conter as lágrimas com final tão impactante. Uma vez que se fala das músicas nada melhor do que louvar aqueles que as executam ao vivo: Felipe Parisi (violoncelo), Luiz Aranha (violão) e Betinho Sodré (percussão).
        Cenário e figurinos de Zé Henrique de Paula iluminados por Fran Barros emolduram com muita elegância o espetáculo.


        Inês Aranha preparou o elenco do qual deixamos para escrever por último: mais uma vez neste ano volto a me emocionar com o trabalho de jovens atores que se propõem a realizar trabalho sério e consequente sem se iludir com o apelo global e o cultivo da celebridade. É notável o rendimento dessa rapaziada egressa de oficina realizada pelo Núcleo Experimental, alguns deles em sua primeira experiência teatral. Compensam bravamente a justificada inexperiência com a energia e o entusiasmo com que se entregam ao trabalho. O elenco de oito atores é homogêneo e versátil, desdobrando-se na interpretação das mais de vinte personagens exigidas pela peça. Não tenho como não destacar os trabalhos de Luiz Rodrigues como o apaixonado Lisandro e o hilário “Muro” e de Beatriz Amado (um delicioso Puck) que interpreta, canta e de lambuja toca flauta muito bem! Completam o elenco: Andressa Andreatto (Helena/Fominha), Marcos Teixeira (Demétrio/Marmelada), Miriam Madi (Hipólita/Titânia), Leandro Oliveira (Teseu/Oberon), Tito Soffredini (Egeu/Nico Bunda) e Júlia Maia (Hérmia/Fofolete).


        Realização extremamente feliz conjugando texto e música, Sonhos Não Envelhecem respira juventude e alegria de viver, alertando, porém, que vivemos em tempos sombrios e que é importante que nos munamos de energia para enfrentar o que vem por aí. ISSO NÃO É POUCO!
        SONHOS NÃO ENVELHECEM está em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental às quintas e sextas às 21h e aos sábados às 16h. R$40,00. NÃO DEIXE DE VER.



19/11/2016
       

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ESPELHOS


Literatura e teatro. Quando duas artes se encontram

Foto de João Caldas

        É muito comum a adaptação de obras literárias para a linguagem teatral, algumas muito bem sucedidas, outras nem tanto. A transposição integral de um conto ou romance para o palco já é fato menos comum e com maior possibilidade de resultar em algo indigesto e tedioso.
        Espelhos, encenação de Vivien Buckup com Ney Piacentini contraria o escrito acima resultando em um dos mais harmoniosos encontros entre literatura e teatro a que se tem assistido em nossos palcos.
        Ao adentrar o espaço cênico reservado para a montagem já respiramos certo ar machadiano: servindo-se muito bem do ambiente da sala com suas grandes janelas abertas e paredes revestidas de madeira escura e introduzindo apenas três lustres iluminados à luz de velas, Marisa Bentivegna cria o clima propício para a entrada do ator com um livro na mão. Ney inicia o espetáculo lendo as primeiras sentenças do conto O Espelho de Machado de Assis que no subtítulo Esboço de Uma Nova Teoria da Alma Humana revela a trama básica do conto que versa sobre a existência de duas almas: a externa (como nos vêm) e a interna (como nos vemos). A seguir o intérprete larga o livro e interpreta com precisão as aventuras do alferes Jacobina que vai passar temporada na casa da tia Marcolina e que, por circunstâncias diversas, descobre a dualidade de sua alma. O conto é sintético e a encenação de Vivien Buckup é fiel às intenções do texto usando para isso a elegância interpretativa de Ney e a discreta, mas fundamental, iluminação de Marisa Bentivegna.
        A passagem do universo machadiano para aquele de Rosa se dá com o apagar das velas dos lustres e com a desconstrução de todos os objetos de cena, inclusive do solene terno vestido pelo ator (criação de Fabio Namatame). Nesse espaço vazio e despido da formalidade do autor fluminense Ney Piacentini nos revela os meandros do conto homônimo de Rosa, algo mais complexo e nada linear que exige atenção redobrada do espectador. Não se pode afirmar, mas tudo indica que Guimarães Rosa conhecia o conto de Machado de Assis dada a semelhança no conteúdo, apesar de tão diverso na forma.
        Espetáculo de alta classe com grau de erudição sofisticado, Espelhos é exemplo do bom uso da nobre literatura brasileira no teatro, além de oferecer digníssimo trabalho de ator de Ney Piacentini. A ser assistido pelo público em geral e, em especial, pelos estudantes interessados em conhecer algo de nossas artes.
        ESPELHOS está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade às quintas e sextas (20h) e aos sábados (18h) somente até o dia 19/11. Entrada gratuita. CORRA PARA VER.


14/11/2016

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

TIROS EM OSASCO


        Pois é! Chico Buarque uma vez cantou que “o tempo passou na janela, só Carolina não viu”. Para os carolinos de Cássio Pires o mundo passa e eles sequer dirigem-se à janela para olhar o que acontece lá fora. São jovens alienados movidos a sexo, bebida e rock and roll, voltados para o próprio umbigo. O primeiro casal ainda tenta discutir e entender o que ocorreu na chacina ocorrida em Osasco em 13 de agosto de 2015, mas nas demais cenas o máximo que se ouve sobre o fato é a pergunta “Essa história que aconteceu em Osasco, o que você acha?”. Ninguém responde ou dá continuidade ao assunto. Tiros parecem atingir os carolinos durante suas discussões, mas eles se recompõem logo a seguir, como se nada tivesse acontecido. Um personagem vai a um bar no local da chacina e mostra-se interessado em saber o que aconteceu, mas acaba apenas dando vazão a suas angustias pessoais.


        O texto de Cássio Pires é engenhoso e difícil de ser resumido. Formada de cenas isoladas a peça tem como pano de fundo a violência urbana, no caso, ilustrada com a já citada chacina de Osasco que é mais uma entre tantas outras que acontecem em uma cidade como São Paulo.
        O espaço cênico do mezanino da Fiesp é um longo corredor e André Cortez soube ocupá-lo de maneira bastante criativa com cenas ocorrendo em vários planos. Yara de Novaes realiza nesse espaço uma provocativa direção auxiliada pela trilha sonora de Dr. Morris e pela atuação do jovem e vigoroso elenco.


        O ano teatral paulistano de 2016 vai ficar marcado pelo surgimento de vários grupos de jovens egressos de escolas de teatro que realizaram trabalhos sérios e altamente profissionais. Desta vez são aqueles advindos do Núcleo Experimental de Artes Cênicas do Sesi-SP que provocam impacto com seu despojamento, talento e coragem ao interpretar personagens complexos e com pouco desenvolvimento em função da curta duração das cenas. As necessárias cenas de sexo e nudez são realizadas com muita naturalidade e bom gosto. Ao ver trabalho tão sério com grupo tão jovem, penso feliz: “Nosso teatro tem futuro!!


        Assisti ao espetáculo no último dia e nessa apresentação uma senhora, parente de um dos executados, não conteve fortes soluços ao final da peça, o que provocou comoção generalizada do elenco, do autor, da diretora, da produtora e de todo o público presente. A realidade, muitas vezes, supera a ficção.
        Tiros em Osasco ficará para sempre como uma forte experiência da minha longa vida de espectador.
        Infelizmente a peça saiu de cartaz no último domingo, mas a nossa torcida é que ela volte ao cartaz e que os jovens deste Brasil que elegeram Dórias e Crivellas corram para assistir.


10/11/2016

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

WIOSNA (PRIMAVERA)



        Com apenas 33 anos de idade Leonardo Moreira tem considerável carreira como autor e encenador. Carreira essa iniciada de maneira promissora com Cachorro Morto (2008), seguida da instigante Escuro (2009) e culminando com a obra prima O Jardim (2011), vencedora dos prêmios mais importantes outorgados naquele ano. Todos esses espetáculos foram realizados com a Cia. Hiato e sempre contaram com a colaboração de Marisa Bentivegna quer no desenho de luz quer no surpreendente espaço cênico criado para O Jardim.
        As pesquisas em torno dos limites entre ficção e realidade assim como a relatividade do tempo e os assuntos pessoais dos integrantes do grupo desembocaram em Ficção (2012). Ao aprofundar essas questões o grupo monta a não tão bem sucedida 2 Ficções (2014) apresentada ao público de duas maneiras diferentes. Radicalizando a questão das interferências da realidade na ficção e vice-versa o grupo monta Amadores (2016) formada em grande parte por relatos de não atores.
        Após sucessivo crescimento artístico com os três primeiros espetáculos, no meu entender, os três últimos apresentam problemas que aumentam na ordem em que foram criados e isso se deve, sempre no meu ponto de vista, à falta de dramaturgia consistente dos mesmos. Entendo que após a tão bem sucedida O Jardim o grupo perdeu parte da direção, fato compreensível após o imenso sucesso tanto artístico como de público da peça.


        Eis que por apenas quatro dias alguns poucos espectadores tiveram o privilégio de assistir no Sesc Belenzinho dentro da Semana do Teatro Polonês ao espetáculo que Leonardo Moreira escreveu e dirigiu para o Teatro Studio de Varsóvia. É o retorno do autor e encenador em grande forma inspirando-se de forma bastante criativa em Tchekhov (algo que ele já havia feito em 2 Ficções sem o mesmo resultado) e concebendo o espaço cênico com a divisão das plateias assim como em O Jardim (em ambos espetáculos a cenografia é de Marisa Bentivegna).
        Inspirado principalmente em Tio Vânia, Moreira escreveu lindo texto tratando da passagem do tempo, das dualidades que a vida apresenta aos seres humanos, dos sentimentos e do próprio sentido da vida e de sua finitude.
        A encenação é belíssima dando-se ao luxo de ter cenário construído em madeira clara que inclui o chão e até as cadeiras da plateia. Esse chão e esses móveis são feitos com madeira proveniente de uma árvore que foi plantada no dia em que o criado Stanislaw nasceu, segundo belíssimo momento poético do espetáculo. Ficção e realidade se mesclando harmoniosamente.


        O elenco é não menos que primoroso. Todos os atores atuam de forma naturalista, sem afetações. A participação de Stanislaw Brudny como o velho empregado é comovente. Do lado do cenário a que assisti, o papel principal ficou com o excelente Lukasz Simlat. Não pude avaliar o trabalho de Marcin Bosak que atuou do outro lado. Seria ótimo assistir ao espetáculo do outro lado da plateia. Os personagens têm o mesmo nome dos atores. Do lado a que assisti Marcin não aparece; ele está em estado vegetativo ou morto. O que acontece com Marcin do outro lado? Só perguntando para algum espectador que estava do outro lado. Instigações próprias de Leonardo Moreira. Brilhante!

        Quanto à Companhia Hiato aguardemos suas próximas encenações. Uma vez que Tchekhov tem sido presença constante em sua trajetória vejo no grupo o elenco ideal para montar As Três  Irmãs:
        Olga – Maria Amélia Farah
        Masha – Luciana Paes
        Irina – Aline Filócomo
        Natalia – Paula Picarelli ou Fernanda Stefanski
        Andrei – Thiago Amaral

        LONGA VIDA à COMPANHIA HIATO.

       ANTES TARDE DO QUE NUNCA: MIRADA 2014: HIATO À LUZ DO SOL








03/11/2016