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sábado, 29 de março de 2014

FESTIVAL DE CURITIBA 2014 5 – FECHANDO COM CHAVE DE OURO.



      Ontem foi meu último dia em Curitiba para acompanhar o Festival e como despedida fui assistir ao premiado espetáculo paulista Cais ou Da Indiferença das Embarcações. Merecidamente contemplado com os prêmios APCA e Shell - São Paulo, o texto de Kiko Marques mostra a história de três gerações de habitantes de Ilha Grande no Rio de Janeiro narrada por um barco e tendo uma poita (âncora com boia) como testemunha. Tudo de maneira poética e muito humana. Três horas de muita emoção que passam voando.
Foto de Ligia Jardim
 
     Apresentado em São Paulo no Instituto Capobianco para plateias restritas a 40 lugares, expandiu-se em Curitiba quando foi para um imenso galpão do Centro de Eventos Sistema FIEP adaptado para teatro e com 120 assentos. Se a peça ganha em amplitude e no seu caráter épico, perde na compreensão do texto quando os atores estão de costas para o espectador devido às condições acústicas do local; mas no todo a montagem manteve toda a sua magia e emoção, além de ganhar algumas novas soluções muito bonitas como a posição dos músicos à vista do público, a entrada dos atores no início da peça cantando Timoneiro (Paulinho da Viola) ao redor do cais, o belo solo de Marcelo Marotti no início do segundo ato com Estrela do Mar (Marino Pinto/Paulo Soledade) e o camarim mais compacto situado agora do lado oposto dos músicos.
Foto de Fernanda Capobianco
 
     Um problema técnico de iluminação ocasionou um atraso de cerca de meia hora no início do espetáculo fazendo com que o mesmo terminasse à meia noite e meia; mas isso não tirou o entusiasmo e a emoção do público que ovacionou os atores ao final. Como prova de bom acolhimento, a produção ofereceu lanche e café no intervalo da peça.
Ingresso do espetáculo
 
     O cineasta Nelson Rodrigues que realiza um documentário sobre o espetáculo, estava presente documentando a primeira apresentação de Cais fora de seu habitat paulista, o Instituto Capobianco.
     E assim completei minha jornada no Festival de Curitiba que agora passo a acompanhar de longe. Vim embora, mas o Festival continua a pleno vapor até o dia 06 de abril. Mais de 30 estreias na Mostra Oficial e as peças do Fringe que deixam qualquer espectador paranoico ao tentar escolher entre os 400 títulos oferecidos.
     Acompanhe o festival: festivaldecuritiba.com.br

sexta-feira, 28 de março de 2014

FESTIVAL DE CURITIBA 2014 4 – AS COLETIVAS


 


     Respira-se teatro em Curitiba: pela manhã as coletivas de imprensa, no almoço comenta-se sobre espetáculos vistos, a tarde vai-se atrás de espetáculos no Fringe, jantar falando de teatro antes ou depois de assistir a um espetáculo da Mostra Oficial e para fechar a noite uma cervejinha onde o assunto é... TEATRO!  Para um espectador apaixonado não há melhor maneira de ocupar o tempo. Minha jornada no Festival de Curitiba termina hoje (28 de março). Foram quatro dias de intensa atividade e de muita alegria pela maneira amigável e profissional como o Festival nos recebe.
     Em três dias, foram 14 coletivas bastante interessantes e esclarecedoras sobre os espetáculos realizados pelos entrevistados.
     O grupo carioca Teatro Inominável representado pelos jovens dramaturgos Diogo Liberano e Keli Freitas comentou a gênese do espetáculo Concreto Armado que tem como pano de fundo o Rio de Janeiro às vésperas da Copa do Mundo. Segundo eles o grupo evoluiu da ideia de incluir no roteiro a destruição do Maracanã para algo mais intimista e pessoal.
     O dramaturgo Romeno Matéi Visniec está presente em dois espetáculos da Mostra Oficial: Espelho Para Cegos vindo da Bahia, que segundo o diretor Marcio Meirelles é a reunião de 18 pequenas peças contidas no livro Teatro Decomposto e 2 X Matei espetáculo carioca com Guida Vianna e Gilberto Gawronski. Em ambos os casos os entrevistados creditam essa febre de montagens de textos de Visniec (esta semana estreia em São Paulo A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais) ao lançamento de 18 livros de textos teatrais do dramaturgo pela Editora É e, obviamente, à qualidade e à contemporaneidade dos mesmos. Segundo Gawronski as peças de Visniec lembram o universo de Samuel Beckett com forte influência de seu compatriota Eugene Ionesco, ambos representantes do que se chamou Teatro do Absurdo.
Guida Vianna e Gilberto Gawronski
 
     O ator chileno Claudio Lopes da companhia chilena La Gran Reyneta comentou sobre as dificuldades técnicas do espetáculo de abertura do Festival El Hombre Venido de Ninguna Parte e também de sua adaptação para espaço fechado, uma vez que foi concebido para a rua.
Claudio Lopes
 
     Várias mostras especiais estão contidas no Fringe: Sergio Ferrara, Aldo Valentim e Imara Reis comentaram a Mostra Ademar Guerra e falaram sobre o Projeto de mesmo nome promovido pelo Governo do Estado de São Paulo que difunde o teatro no interior de São Paulo com cursos de formação em diversas áreas; em relação à Mostra de Teatro Capixaba os seus representantes comentaram sobre os espetáculos (todos eles produzidos por grupos de pesquisa continuada) e também sobre as dificuldades de se fazer teatro naquele estado; finalmente sobre a Mostra Baiana a entusiasmada Maria Marighella comentou que o principal objetivo da mesma é tornar visível o bom teatro que se faz na Bahia.
Sergio Ferrara, Aldo Valentim, Imara Reis
 

     Dois Shakespeares adaptados para poucas personagens fizeram parte de duas entrevistas: os chilenos da Compañia Viajeinmóvil reduziram Otelo ao quarteto principal da trama (Otelo, Desdemona, Iago e Emília) parte deles interpretados pelos atores (Iago e Emília) e a outra por bonecos manipulados pelos mesmos atores (Otelo e Desdemona); segundo o ator Jaime Lorca a companhia ensaia no momento Ricardo III para crianças, enfatizando um eventual bullying sofrido por Ricardo na infância que justificaria em parte a crueldade do mesmo. O grupo carioca representado pelo ator Gustavo Gasparani e o diretor Sergio Módena foi mais radical e apresenta Ricardo III com um único ator fazendo 22 personagens.
Teresita Iacobelli, Jaime Lorca (Otelo)
 
Gustavo Gasparani, Sergio Modena (Ricardo III)
 

     Boa parte do elenco da premiada Cais ou Da Indiferença das Embarcações compareceu à entrevista sobre o espetáculo. O veterano ator Walter Portela que faz o barco narrador fez um breve discurso sobre a importância de trabalhos humanistas como o de Kiko Marques (autor, diretor e ator da peça) e sobre a importância do teatro; disse ele que “um povo que não cultiva o teatro, já morreu ou está moribundo”. Os presentes emocionados aplaudiram a sua fala. A seguir Kiko Marques falou sobre o processo de escrita da peça que conta 60 anos da vida da Ilha Grande no Rio de Janeiro.
Parte do elenco de Cais
 
Walter Portela, Kiko Marques
 
     A solar curitibana Ana Rosa Tezza fez uma apresentação entusiasmada e entusiasmante sobre seu trabalho com o coletivo Ave Lola do qual serão apresentadas duas peças no Fringe (Os Malefícios da Mariposa e Tchekhov). Ana trabalhou na companhia chilena Sombrero Verde sob a direção de Andres Pérez Araya que passou 15 anos no Théâtre du Soleil e no ano passado  o Ave Lola trouxe quatro componentes do grupo de Ariane Mnouchkine para uma residência de quatro meses  junto a ele. O espetáculo Tchekhov é, em parte, resultado dessa troca de experiências e tem trilha sonora composta por Jean-Jacques Lemêtre, compositor oficial das trilhas sonoras dos espetáculos do Soleil.
Ana Rosa Tezza
 
     O texto italiano Tumba de Cães foi apresentado por sua autora Letizia Russo, pelo diretor curitibano Marino Jr. e pelo elenco da peça que faz sua estreia no Festival.A peça tem a participação da ator Ranieri Gonzales da Companhia Brasileira de Teatro e fala de relações familiares que tem como pano de fundo uma guerra motivada por falta de água.
Marino Jr., Letizia Russo
 
     As mineiras Débora Falabella e Yara de Novaes apresentarão no Festival a peça Contrações do autor inglês Mike Bartlett. Comentaram sobre a qualidade do texto e a encenação de Grace Passô que coloca os técnicos de som e luz no palco e inclui até “solos” de bateria por Débora Falabella.
Débora Falabella, Yara de Novaes
     Sergio Módena voltou à cadeira dos entrevistados para falar da peça italiana dirigida por ele A Arte da Comédia de Eduardo de Filippo proveniente do Rio de Janeiro e de uma bem sucedida temporada em São Paulo. A peça trata das dificuldades em se fazer o bom teatro devido a questões burocráticas e econômicas e revela-se um verdadeiro hino de amor ao teatro.
     Todas as fotos desta matéria foram tiradas por mim.
 
 

FESTIVAL DE CURITIBA 2014 3 – ENTRE SALVADOR E SANTIAGO


 
     Dando continuidade à maratona teatral destes dias, no dia 27 de março assisti a dois espetáculos provenientes da Bahia e do Chile.
     UMA VEZ, NADA MAIS (Bahia).
     Este espetáculo faz parte da Mostra Bahiana no Fringe que é composta por sete espetáculos selecionados por Lázaro Ramos. Trata-se de uma comédia onde duas mulheres de origens diferentes vivem situações comuns ao mundo feminino. A originalidade da encenação está na interpretação sem palavras e com visual e gestual que remetem àqueles dos filmes mudos: os movimentos são acelerados e toda a ação é acompanhada por músicas tocadas ao piano. Em alguns momentos são ouvidos “reclames” (propagandas eram assim denominadas na época), trechos de novelas e músicas que eram transmitidos pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro nos anos 1940/1950. O maior mérito do espetáculo acaba sendo seu maior problema, pois a ideia se esgota nos primeiros dez minutos e a partir daí o mesmo se torna previsível e cansativo. Este fato não tira o valor das atrizes que fazem um belíssimo trabalho de expressão corporal: Lulu Pugliese é mais caricatural e Aicha Marques está perfeita como a personagem  menos favorecida pela sorte. A direção da peça é de Hebe Alves.
 
     OTELO (Chile).
 
Divulgação
 
     O clássico de Shakespeare foi adaptado para dois atores/manipuladores de bonecos que representam o quarteto principal da tragédia: Otelo e Desdemona (bonecos), Iago e Emília (atores). Os dois atores (Jaime Lorca e Teresita Iacobelli) junto com Christian Ortega são responsáveis pela adaptação (centrada nos dois últimos atos do original) e pela direção da montagem. A manipulação dos bonecos é muito precisa e em certos momentos o corpo do boneco se mescla com o do ator criando um efeito muito interessante. Jaime Lorca e Teresita Iacobelli são atores poderosos alterando com muita flexibilidade as entonações de cada personagem a que dão voz. Apenas uma cama, alguns objetos e as cabeças de Otelo, Desdemona e Cassius são suficientes para os dois atores nos contarem a “triste história de Otelo, o mouro de Veneza”. Belo e forte espetáculo assistido com muita atenção pelo público presente no imenso Guairão e aplaudido entusiasticamente ao final.
 
Divulgação
 

quinta-feira, 27 de março de 2014

FESTIVAL DE CURITIBA 2014 2 – 2 X RIO DE JANEIRO



     No dia 26 de março assisti a dois bons espetáculos provenientes do Rio de Janeiro, o primeiro dentro da Mostra Fringe e o segundo pertencente à Mostra Oficial.
 
     O QUE RESTOU DO SAGRADO (Fringe)
     A companhia carioca Tartufaria de Atores remonta este texto de Mário Bortolotto apresentado com direção do autor em 2004 no Espaço dos Satyros em São Paulo. Aqui a direção é de Nirley Lacerda (o catálogo indica o nome de Ricardo Blat como diretor). O texto cruel de Bortolotto confina sete personagens numa igreja exigindo que confessem seus crimes cujas  gravidades são crescentes à medida que cada um faz o seu solo e com o objetivo de uma redenção perante Deus. O texto é áspero e realista como toda a dramaturgia do autor, mas aqui há uma discussão do conceito de Deus, fato pouco presente em sua obra.
     As personagens são bem interpretadas pelo jovem elenco que compreendeu o universo de Bortolotto traduzindo com vigor e ritmo a sua proposta. Os solos sobre as confissões dos crimes permitem o melhor momento de cada um. A direção discreta de Nirley Lacerda foca-se acertadamente na interpretação dos atores. A falta de uma ficha técnica com a relação ator/personagem não nos permite destacar este ou aquele nome, mas cabe lembrar a atriz que desempenha a prostituta e o ator que interpreta o riquinho mal vestido.
     O espaço da Casa Hoffmann adequou-se perfeitamente para o cenário da peça.
     Esta foi a primeira grata surpresa de um espetáculo do Fringe. Que venham outras!
 
 Foto de Leo Aversa
 
     2 X MATEI (Mostra Oficial)
 
     Junto com Shakespeare, o romeno Matéi Visniec (1956) é uma das estrelas entre os dramaturgos apresentados no Festival de Curitiba deste ano; além de 2 X Matei, há outro espetáculo do autor vindo da Bahia na programação (Espelho Para Cegos).
 
Foto de Leo Aversa
 
     Esta montagem reúne dois textos curtos do autor interpretados por Guida Vianna e Gilberto Gawronski que também assina a direção: O Último Godot e O Rei, o Rato e o Bufão do Rei. A primeira é uma pequena obra prima onde Godot cobra de Beckett o fato dele não aparecer em cena na peça Esperando Godot, nessa ocasião as duas personagens discutem uma eventual finitude do teatro. Guida Vianna interpreta com muita verve um Godot cujas vestes remetem aos clowns Vladimir e Estragon da peça de Beckett e Gawronski personifica o Beckett circunspecto que todos nós imaginamos a partir de sua biografia e de suas fotos. A peça tem o clima beckettiano, fato ressaltado pelo cenário frio e impessoal. Há um breve interlúdio entre as duas peças que seria ilustrado por slides que, ao que tudo indica, não funcionaram nesse dia de estreia. A segunda é mais colorida e trata-se de uma fábula sobre um rei deposto que está na prisão com seu bufão aguardando a execução; os ratos estão à espreita e desempenham função bastante importante na trama. Aqui Guida Vianna dá vazão ao seu histrionismo e tem mais um excelente desempenho, sendo muito bem acompanhada por aquele de Gawroski como o hilário rei. Claro que há a participação especial de um rato para fazer jus ao título da peça!
     Espetáculo muito sério, mas com uma carga de humor amargo, com direção segura de Gilberto Gawronski e supervisão de Amir Haddad.
     O pequeno programa da peça é um ótimo exemplo de material econômico, porém com dados precisos e essenciais sobre o espetáculo.

quarta-feira, 26 de março de 2014

FESTIVAL DE CURITIBA 2014 1 – ABERTURA



     A abertura do 23º Festival de Teatro de Curitiba aconteceu no dia 25 de março de 2014 no imenso pavilhão Expo Renault Barigui. Com uma simpática e bem vinda informalidade o diretor do evento Leandro Knopfholz fez um rápido discurso seguido daqueles menos informais das autoridades e dos patrocinadores. A boa notícia veio de um representante da prefeitura local que informou sobre a ação Casa Cheia que oferece um desconto de R$ 10,00 para os ingressos de peças produzidas em Curitiba. Bertolt Brecht tornou-se involuntário garoto propaganda de renomada multinacional, segundo o representante da mesma. E finalmente cabe lembrar o discurso-performance do presidente da Funarte, Guti Fraga.
 
 
 
     A peça de abertura apresentada no mesmo local foi El Hombre Venido de Ninguna Parte do grupo chileno La Gran Reyneta. Concebida originalmente para ser apresentada na rua, a encenação perde parte de sua espontaneidade ao ser adaptada para um local fechado. Segundo o ator Claudio Lopes o grupo se inspira nos trabalhos de Jean Luc Courcoult,  diretor francês que trabalhou com o grupo durante um período e montou o inesquecível Roman Photo ( a que tive o privilégio de assistir no Festival de Rio Preto em 2005). A peça não tem palavras e tem enormes aparatos técnicos e humanos para movimentar uma nave que vira barco, uma mão gigantesca que persegue o herói, tablados que podem ser um cemitério ou uma ilha paradisíaca, efeitos de explosão, de bombas. Tecnologia pesada para embalar uma narrativa muito simples e até simplória. Os atores-contrarregras têm poucas cenas ficando o destaque para Claudio Lopes que interpreta o papel título. Uma melhor avaliação da montagem poderia ser feita ao assisti-la na rua, o que pode ser conferido nos dias 26 e 27 às 19h30 na Praça Santos Andrade.
 
     Fechando a noite festiva foi oferecido um coquetel para o grande público presente.


     Em tempo: UM OUTRO OLHAR.
     Na noite do dia 26 quando me encaminhava para o Teatro Guairinha me deparei com El Hombre Venido de Ninguna Parte agora em seu habitat original, ou seja, na rua. É outro espetáculo e muito melhor!! A adesão dos passantes é enorme e a participação do público torcendo, rindo, se emocionando e sofrendo por ter que deixar o local para não perder o ônibus para a periferia revela a verdadeira missão do espetáculo. Continuo fazendo ressalvas à dramaturgia, mas isso é coisa de espectador chato metido a crítico, pois o espetáculo atinge em cheio o público a que se destina.


segunda-feira, 24 de março de 2014

ELIS, A MUSICAL


 
     Confesso que tinha certa resistência e receio em ir assistir ao novo musical sobre Elis Regina. Acompanhei a carreira e, de alguma maneira, a vida de Elis desde quando ela surgiu em 1964 interpretando Arrastão no Festival da TV Excelsior. Fui a muitos O Fino da Bossa tanto no Teatro Record (na Rua da Consolação, hoje Lustres Yamamura) como no Teatro Paramount (hoje Teatro Renault) e assisti a todos os seus shows. No período em que morei na Holanda e na França (1977/1978), Elis, “entendendo a minha ausência”, terminou a longa temporada de Falso Brilhante e se afastou por um tempo para dar a luz à Maria Rita. Logo depois que voltei, ela estreava Transversal do Tempo no Teatro Brigadeiro. Depois vieram os shows/espetáculos Essa Mulher, Saudade do Brasil, Trem Azul e naquele fatídico 19 de janeiro de 1982 ela se foi. Fui ao seu velório no Teatro Bandeirantes, onde ela brilhou por quase dois anos com Falso Brilhante, e naquele dia comprei todos os jornais da cidade noticiando a sua morte, creio que para me certificar que aquilo era mesmo verdade.
 
Preocupada com o resultado do espetáculo
 
     Faço esse preâmbulo para justificar o porquê de eu estar receoso em assistir ao espetáculo. Some-se a isso o meu desagrado a certos musicais cariocas retratando cantores famosos que viraram moda e seguem uma receita quase padrão (vida, paixão e morte entremeadas com sucessos do biografado).
 
Reação após o espetáculo
 
     Finalmente: ELIS, A MUSICAL! Muito bem produzido o espetáculo apresenta as canções que foram sucessos de Elis não necessariamente na ordem cronológica, com coreografias simples e eficientes e com interpretações marcantes de Laila Garin; ela é uma ótima atriz (remete aos gestos e ao modo de falar de Elis) e excelente cantora (com sua voz poderosa dá a entonação das interpretações, mas não busca imitar a voz de Elis). Premio Shell merecidíssimo no Rio de Janeiro e provável candidata a indicações aqui em São Paulo.
 
 
     O texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade é leve, bem escrito e segue os pontos marcantes da vida de Elis, sem se ater a questões polêmicas como seu gênio forte (exceção às cenas com Ronaldo Bôscoli que se tornam até cômicas) e a morte sob o efeito de drogas. Direção precisa e equilibrada de Dennis Carvalho.
     O espetáculo tem várias cenas antológicas, algumas delas reconstituindo momentos (também antológicos) da vida de Elis:
     - A aula de expressão corporal com Lennie Dale.
     - O famoso pot pourri com Jair Rodrigues em O Fino da Bossa.
     - O encontro com Tom Jobim e a gravação de Águas de Março.
     - A interpretação de Como Nossos Pais
     - O encontro com o Henfil cantando O Bêbado e o Equilibrista é de verter lágrimas!
     - A entrevista na TV que culmina com falas sobre seus três filhos e com a canção Aos Nossos Filhos.
     Todo o elenco é bastante homogêneo, mas o grande destaque é Laila Garin para quem desejamos uma carreira teatral e musical de muito sucesso.
 


Agradecimento final - Foto de Rose Nagib
 
     O musical está em cartaz no Teatro Alfa até 13 de julho, com sessões às quintas às 21h, sextas às 21h30, sábados às 16h (nesta sessão Elis é interpretada por Lílian Menezes) e às 20h e domingos às 17h.

segunda-feira, 17 de março de 2014

UM BALANÇO DA 1ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO – MITsp 2014


 

     Durante nove dias (de o8 a 16 de março), São Paulo abrigou a 1ª Mostra Internacional de Teatro  organizada por Antonio Araújo e Guilherme Marques com o objetivo de resgatar os inesquecíveis festivais organizados por Ruth Escobar entre os anos 1976 e 1999 e assim trazer ao público paulistano uma amostra do teatro que se  faz pelo mundo (tarefa muito bem preenchida pelo Sesc nos últimos anos).
     Foram onze espetáculos, dos quais assisti a sete. Polêmicas e pontos de vista discordantes à parte, todos os espetáculos tiveram em comum a preocupação de discutir problemas que afligem o mundo de hoje por meio de encenações com linguagens contemporâneas e muitas vezes inovadoras.
 

Público aguardando no Sesc Vila Mariana
 

     A mostra foi um sucesso de público com predominância dos jovens que enfrentaram horas de fila para assistir às montagens. Da maneira como foi montada, a grade permitiu que com certo esforço, o público tivesse a oportunidade de ir a todos os espetáculos. Numa semana com entrega do prêmio APCA, concerto de abertura da temporada da Osesp e ópera no Municipal, ainda tive a oportunidade de conferir sete títulos da mostra. Qualidade e não quantidade fica como uma das maiores marcas deste retorno aos festivais internacionais de teatro ao qual desejamos longa vida. A 2ª MITsp já está marcada para acontecer entre 06 e 15 de março de 2015.
 
Auditório Ibirapuera
 
     Segue uma lista (na ordem dos que mais gostei) dos espetáculos e um breve relato sobre os mesmos:
 
 
     - CINEASTAS - (Argentina). Para mim o mais bem sucedido espetáculo da mostra. Fazendo de forma original a comparação entre realidade e ficção (tema caro ao nosso grupo Hiato), o autor e diretor Mariano Pensotti  através de texto fluente e bem humorado conta a história de quatro cineastas às voltas com seus problemas pessoais (parte inferior do palco) e com os filmes que estão produzindo (parte superior do palco). A peça é também uma homenagem ao cinema e à cidade de Buenos Aires.
 
     - SOBRE O CONCEITO DE ROSTO NO FILHO DE DEUS - (Itália). Visualmente impactante desde o cenário extremamente branco da primeira parte que vai aos poucos se tingindo de excremento humano, passando pela cena do apedrejamento da imagem do rosto de Cristo e a última com a transformação da imagem e a frase “Você (não) é o meu pastor”. A peça escrita e dirigida por Romeo Castellucci trata dialeticamente da devoção a Jesus, símbolo do cristianismo e do que este fez com a imagem daquele.
 


     - ANTI-PROMETEU - (Turquia). A partir do momento em que me parei de me preocupar em acompanhar as legendas (ilegíveis) passei a acompanhar a encenação visual e auditivamente, conduzido pelo fio de história conhecido (seres humanos carregando pesados fardos, presos a espaços limitados e sem iniciativa para lutar contra essa situação). Perfeito sincronismo entre movimentos de corpo, emissão de vozes (como se fosse um jogral), luzes e som (estes dois últimos, comandados por três pessoas no alto do palco). De tirar o fôlego. Um instigante espetáculo que seria mais bem fruído se não fossem colocadas legendas, com uma breve explicação antes do início, para preparar o público.
 
     - NÓS SOMOS SEMELHANTES A ESSES SAPOS.../ALI (França). Espetáculo de teatro-dança-circo francês com coreografia inventiva e em grande parte calcada na deficiência física de um dos componentes (o ator-dançarino Hedi Thabet não tem uma perna e dança boa parte do tempo com muletas). Tudo é feito com equilibrada mistura de técnica e emoção interpretativa. O espetáculo é acompanhado por um grupo de quatro músicos  que executam canções étnicas gregas e tunisianas. O trio da primeira parte (ESSES SAPOS...) é impactante.
 
 
 
     - GÓLGOTA PICNIC - (Espanha). Espetáculo anárquico (ao estilo do grupo catalão La Fura Del Baus) realizado sobre um palco coberto de pão de hambúrguer (o milagre da multiplicação dos pães, versão McDonalds). A mercantilização da fé e os próprios gestos e falas de Jesus Cristo são tratados de forma provocativa e em tom de deboche. Vários monólogos são ilustrados por carne moída, vômitos e pessoas nuas. Pura adrenalina. Sem nenhum preparo, toda essa parafernália é interrompida e um jovem entra no palco, despe-se, senta-se num piano de cauda e por mais de uma hora executa integralmente a versão para piano de As Sete Últimas Palavras de Cristo, obra de Joseph Haydn (1732-1809). Está clara a intenção do diretor Rodrigo Garcia de colocar um “momento” de espiritualidade após o caos apresentado, mas esse “momento” durou mais de uma hora deixando o público inquieto e irritado.Nada contra a bela música e o ótimo pianista, mas o anseio ali era outro. Desfecho frustrante para um espetáculo de início instigante.
 
     - ESCOLA – (Chile). O mais convencional dos espetáculos a que assisti e também o mais diretamente político. Cinco militantes de esquerda se reúnem para serem treinados para a luta armada. Há quase uma aula sobre exploração, mais valia, Karl Marx; assim como, lições de como aprender a atirar e a preparar bombas. Os atores atuam mascarados e apesar dos excelentes diálogos, o didatismo dos mesmos, acaba os tornando cansativos e repetitivos. A peça foi escrita e dirigida por Gui llermo Calderón (autor da notável Neva e de Diciembre, apresentadas em São Paulo em 2009). O jovem elenco além da boa atuação, encarrega-se de cantar muito bem canções guerrilheiras dos anos 1960/1970.
     - UBU E A COMISSÃO DA VERDADE – (África do Sul). A montagem reúne atores (nos papéis de Ubu e Mãe Ubu), bonecos, desenho animado e cenas de documentários, mesclando o texto de Alfred Jarry com situações ocorridas na África do Sul. Destaque para o bom ator Dawid Minaar que representa (sempre de cuecas) o amoral e grotesco Ubu.

 
     Deixei de assistir a quatro espetáculos que também mostraram qualidades, segundo as pessoas com quem conversei durante a mostra: BEM VINDO A CASA (Uruguai), DE REPENTE FICA TUDO PRETO DE GENTE (Brasil/Holanda), EU NÃO SOU BONITA (Espanha) (polêmica com o uso do cavalo em cena), HAMLET (Lituânia).
 
     Aguardemos a 2ª MITsp para 2015.

segunda-feira, 10 de março de 2014

VIRA-LATAS DE ALUGUEL - Uma experiência na comunidade de Heliópolis.


 
     Enquanto nos dirigimos com van da Estação Sacomã para a comunidade de Heliópolis somos informados por um noticiário da TV Heliópolis que um bando roubou uma carga de leite em pó (diga-se pó, ou melhor, cocaína). Adentrando a comunidade faz-se uma pequena pausa para uma cervejinha num boteco onde alguns frequentadores discutem e brigam em volta de uma mesa de bilhar. Serjão, nosso guia nada amistoso, nos conduz em seguida para o Cine Favela onde nos acomodamos para assistir a Vira-latas de Aluguel  texto escrito em processo colaborativo pelo grupo e assinado pelo também diretor Daniel Gaggini e inspirado no filme Cães de Aluguel (1992) de Quentin Tarantino.
 
     Um suceder de atos violentos (uma mulher baleada que agoniza, um homem que tortura uma mulher enquanto dança ao som da lírica O Cisne de Saint Saens, homens se atracando por qualquer motivo) acontece nas dependências de uma igreja evangélica onde um pastor tenta pacificar uma incontrolável violência. Vários tipos (todos detestáveis) desfilam em cena com destaque para a vereadora corrupta (é claro!) e o chefe da gangue, um efeminado ambíguo e violentíssimo. Tudo caminha para um final violento digno do Hamlet de Shakespeare, a diferença é que em vez de um Horácio que proclama tempos de paz para o reino da Dinamarca, a sobrevivente é a vereadora corrupta que não só elimina todos que se interpõem no seu caminho como leva para si boa parte da carga roubada.
 
     O surpreendente espetáculo de Gaggini nos sufoca e nos imerge na violência e no caos urbano. O elenco (escolhido a partir de um projeto de capacitação teatral que teve 157 pessoas inscritas) sai-se muito bem com destaque para Aga Orimaf (o chefe), Bruno Ribeiro (Serjão), Eduardo Ferreira (Batata) e para Tabata Monteiro, a bela atriz que interpreta a vereadora. Foi muito bonito encontrar no elenco Donizete Bomfim e Klaviany Cozy, dois atores da Companhia de Teatro Heliópolis que nos brindou em 2012 com o excelente O Dia em que Túlio Descobriu a África.
     Ao final do espetáculo há um congraçamento de atores e público e é uma alegria verificar que atrás daquelas personagens escrotas existem pessoas tão afáveis, bonitas e simpáticas.
 
     Vira-Latas de Aluguel tem uma importância básica que é a realização do projeto social com a comunidade de Heliópolis e trata-se de uma experiência absolutamente imperdível para quem ama o teatro e reflete sobre a realidade brasileira. O espetáculo é apresentado aos sábados e domingos às 20h para pouco mais de 20 privilegiados espectadores. A temporada, já prorrogada por duas vezes, parece que vai terminar em 30 de março com ingressos esgotados até essa data, mesmo assim vale a pena tentar conseguir um lugarzinho, você não vai se arrepender.
     Por último, mas não menos importante: a logística do espetáculo funciona perfeitamente desde a recepção no Sacomã, o transporte de ida e volta com a van e a acomodação no teatro. (tudo isso feito por Serjão e Marron). E ao final ainda somos brindados com a beleza e a simpatia de Luh Moreira, responsável pela produção do espetáculo.
     OBS: As fotos aqui reproduzidas são de Weslei Barba.