segunda-feira, 27 de agosto de 2018

CONCERTO PARA JOÃO



       Desde sua aparição em 2009/2010 como o sofrido Moritz em O Despertar da Primavera, o musical produzido pela dupla Möeller e Botelho a  partir da obra de Frank Wedekind, Rodrigo Pandolfo vem nos brindando com interpretações memoráveis.  Neste ano de 2018 sua excelente participação em PI - Panorâmica Insana já lhe rendeu indicação de melhor ator pela APCA e agora volta a nos surpreender em Concerto Para João onde compõe sem trejeitos imitativos a figura do pianista/maestro João Carlos Martins. Em sua composição o ator dá ênfase às expressões faciais e, principalmente, das mãos, já que estas foram alvo da doença degenerativa que atacou o músico. Pandolfo, bem secundado pelo talento da elegante e bela Michelle Boesche como sua companheira, pela presença carismática de Ando Camargo como a personagem enigmática para a qual João quase ao fim do espetáculo tenta dar um nome e pela intervenção de Duda Mamberti como o cirurgião, nos mostra a trajetória de João Carlos Martins a partir do momento em que descobriu o seu problema.

 Da esquerda para a direita. Em pé: Duda Mamberti, Michelle Boesche, Ando Camargo e Cassio Scapin. Sentados: Rodrigo Pandolfo e João Carlos Martins

       O texto de Sergio Roveri é bastante sucinto e econômico sem resvalar para um perigoso sentimentalismo e a criação da personagem enigmática citada acima é extremamente útil para evitar qualquer pieguismo e até rechear o espetáculo com pitadas de humor.
       Cassio Scapin em consonância com o texto realiza direção sóbria e delicada enfatizando o trabalho dos atores.
       O cenário dos irmãos Chris Aizner e Nilton Aizner constituído de espelhos, um piano estilizado e imagens das mãos do maestro reforça o caráter onírico da encenação e é banhado pela bela luz de Marisa Bentivegna que pontua a presença de cada personagem em cena.
       Para completar a emoção da noite, João Carlos Martins estava presente na sessão e nos presenteou com fatos pitorescos de sua vida, além de número musical acompanhado por um violinista.
       Dignas de destaque são as fotos em preto e branco de Ale Catan constantes do programa.

       CONCERTO PARA JOÃO está em cartaz no Teatro FAAP às sextas e sábados (21h) e aos domingos (18h) até 02 de dezembro.

       27/08/2018

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Duas famílias disfuncionais dividem o palco do Teatro Renaissance



       Coincidência ou não, duas peças com temáticas semelhantes ocupam o palco do Teatro Renaissance formando um díptico digno de nota. A Porta da Frente é apresentada aos sábados (19h) e aos domingos (20h) e O Louco e a Camisa às sextas e sábados (21h30) e aos domingos (18h); sendo assim quem optar por sábado ou domingo tem a chance de fazer um interessante programa duplo e comparar as duas peças.


            Em A Porta da Frente uma família que tem cotidiano monótono e desinteressante tem seus preconceitos aflorados quando uma travesti cantora de nome Sacha vem habitar o apartamento vizinho. Com o passar do tempo Sacha conquista a confiança e a amizade do pai (Roney Facchini, sempre ótimo) e do filho, mas a mãe é cada vez mais irredutível em sua intolerância. Sandra Pêra tem a oportunidade de mostrar seu talento para a comédia interpretando a mãe. Miriam Mehler tem simpática participação como a avó desmemoriada. Direção de Marcelo Várzea. Texto bem estruturado com final surpresa de Julia Spadacini.


       Em O Louco e a Camisa, texto do argentino Nelson Valente, a família também tem cotidiano monótono e desinteressante, mas aqui a pedra no sapato é o filho Beto que tem problemas mentais e não domina suas ações explosivas e surpreendentes. A situação foge do controle quando a irmã traz o namorado rico para conhecer a família e Beto resolve revelar certas verdades. Composição ótima de Rainer Cadete como Beto. Rosi Campos, como a mãe, em papel contido e introvertido, bastante diverso da maioria de suas interpretações. Direção de Elias Andreato.

       Salvo pequenos detalhes, o cenário para as duas peças poderia ser o mesmo.

       20/08/2018
      

domingo, 19 de agosto de 2018

ABRE A JANELA E DEIXA ENTRAR O AR PURO E O SOL DA MANHÃ



        Há exatos 50 anos (julho de 1968) estreava este texto de Antônio Bivar no Teatro Maria Della Costa com direção de Fauzi Arap, tendo no elenco Maria Della Costa (Heloneida) e Thelma Reston (Geni). Era um espetáculo diferente da maioria daqueles em cartaz naqueles anos tortuosos onde predominava a temática dita engajada denunciando, quando passava pela censura, os desmandos da ditadura militar. Muitas dessas peças envelheceram, mas por sua atemporalidade e, principalmente, por suas qualidades, Abre a Janela... continua digna de ser mostrada meio século depois.
        A montagem de André Garolli tem ótimos achados. Um deles é fazer as atrizes mudarem de personagem ao longo da peça e o outro é fazer um mesmo ator representar os papéis do carcereiro e de Azevedo. Se no original já surgia uma dúvida se aquele carcereiro existiu mesmo ou se era produto da imaginação das duas mulheres, aqui isso se torna muito mais presente.
        O cenário de Julio Dojscar aproveita de forma significativa o Espaço Ademar Guerra no porão do Centro Cultural São Paulo contornando os problemas de acústica do local e dando toque poético à cela onde estão prisioneiras Heloneida e Geni.
        Angela Figueiredo e Fernanda Cunha, que formam a Cia. de Teatro As Moças, de posse desse belo texto têm excelentes interpretações tanto quando fazem a fina e delicada Heloneida como a Geni Porreta que foi lutadora livre e colocou fogo no circo em que trabalhava. Fernando Fecchio tem ótima participação como o carcereiro e como a impagável Azevedo que foi vivida há 50 anos pela inesquecível Yolanda Cardoso.
        Garolli reforça o toque beckettiano do texto de Bivar fazendo o espetáculo terminar de maneira circular, ou seja, do mesmo modo como começou: Geni e Heloneida, tal qual Estragon e Vladimir, vão continuar naquela cela para todo o sempre fazendo flores de papel e olhando, mas não podendo abrir a janela e deixar entrar o ar puro e o sol da manhã.

        ABRE A JANELA... está em cartaz no Centro Cultural São Paulo às sextas e aos sábados (21h) e aos domingos (20h) até 23/09.

        19/08/2018

sábado, 11 de agosto de 2018

ANATOL



        Antes de usar o adjetivo tomei o cuidado de consultar o dicionário para evitar qualquer erro, mas entre seus múltiplos significados ,“elegante” também é algo que tem “proporção adequada entre os elementos de uma composição artística; harmonia; elegância de forma”. SIM! Tudo é elegante nesta nova montagem que tem a marca registrada de Eduardo Tolentino e do Grupo TAPA.
        A começar pelo atualíssimo texto de Arthur Schnitzler (1862-1931), autor que não é inédito entre nós, uma vez que escreveu Senhorita Else (montada em 1997 por Marcio Aurelio), La Ronde e o romance Breve Romance de Um Sonho (adaptado para a tela por Stanley Kubrick em 1999 com o título de De Olhos Bem Fechados). Por meio das aventuras e desventuras de um Don Juan às avessas a peça discute temas como o relacionamento humano e o papel da mulher numa sociedade machista. São brilhantes e esclarecedores os diálogos entre os protagonistas Anatol e seu amigo e alter ego Max.
        A encenação de Tolentino prima pelo bom gosto: cenários e figurinos produzidos por Marcela Donato (ambos sem indicação de autoria na ficha técnica distribuída) condizentes com o ambiente atemporal da peça, mas que têm um toque de Europa da primeira metade do século XX. Diga-se de passagem, que os belos figurinos poderiam servir como homenagem a Lola Tolentino, figurinista de todas as montagens de TAPA até o seu falecimento. A trilha sonora de Alexandre Martins e a iluminação de Nelson Ferreira complementam com harmonia a encenação.
        Destaque especial para as belíssimas trocas de cena na penumbra coreografadas com extrema precisão por todo o elenco. Para esses intermezzos, o diretor ainda propõe dois números musicais, um muito bem sucedido (Fim de Caso) e outro que destoa do todo (September Song) pela interpretação equivocada da atriz.
        Belas e talentosas atrizes compõem a ala feminina do elenco, todas elas interpretando mulheres que passaram pela vida de Anatol: Camila Czerkes (Annie) em uma das cenas mais hilárias da peça; Isabella Lemos elegantíssima e classuda vestindo um sensual tailleur vermelho como a amante Else; Antoniela Canto como a exuberante e revoltada Ilona e Cinthya Hussey como Gabrielle na última cena, que é tocante como desfecho, mas um tanto longa e repetitiva, sendo a única que poderia sofrer algum corte nessa bela montagem com duração de 150 minutos. Completam o time feminino Athena Beal (Cora) e Natalia Moço (Bianca).


        Esse time feminino dá sustento às primorosas interpretações da dupla masculina: Adriano Bedin (Max) e Bruno Barchesi (Anatol). Ambos conduzem com muito garbo as diversas tramas que narram fatos alegres e tristes da vida de um sujeito que achava que todas as mulheres com que se envolveu eram coitadinhas, mas que ao final conclui que o coitadinho é ele.

        ANATOL está em cartaz no Teatro João Caetano até 26/08 às sextas e aos sábados às 21h e aos domingos às 19h, devendo, a seguir, cumprir temporada no Teatro Paulo Eiró de 07 a 30/09 nos mesmos dias da semana e horários. NÃO DEIXE DE VER.

        11/08/2018
             


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

ÍTACA – NOSSA ODISSEIA I



        Ministrei um curso sobre o diálogo entre o teatro e o cinema no CineSesc no mês de junho e, obviamente, citei inúmeras vezes as encenações de Christiane Jatahy como um dos melhores exemplos do uso desse diálogo. Após assistir a Ítaca – Nossa Odisseia I, um dos participantes do curso escreveu que a encenação poderia ser a “aula de formatura” do mesmo. Nada mais correto: está ali tudo o que eu tentei falar sobre o melhor e mais harmonioso uso da linguagem cinematográfica no teatro.
        Ítaca teve apenas oito apresentações no Sesc Consolação e foi um dos grandes eventos teatrais do ano, com aquele sabor de coisa nova que proporciona grandes e gratificantes surpresas. “A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra”, já dizia Ferreira Gullar.
        Foram usados dois ginásios do 2º andar da unidade para o espetáculo. O primeiro deles serve apenas como local de espera. Alí o público é dividido em duas imensas arquibancadas para depois seguir para as duas plateias situadas no outro ginásio.
        O público divide-se nessas duas plateias cada uma delas com um espaço cênico. Cortinas de fios separam os dois espaços. Do lado que fiquei assisti a Ulisses, ainda a caminho de Ítaca, em contato lascivo com Calipso (segundo a Odisseia, ele permaneceu sete anos na ilha de Calipso). São três Ulisses e três Calipsos trocando carinho e agressão numa aparente festa/orgia. A seguir, troca-se de plateia e nessa outra o cenário é Ítaca, onde Penélope é a protagonista ás voltas com os violentos invasores, seus pretendentes.
        Na parte final as cortinas separatórias se abrem e as duas plateias assistem em conjunto ao retorno de Ulisses.
        A Odisseia de Homero serve de base, mas o espetáculo é realizado em ambiente contemporâneo (cenário, figurinos, adereços) para a encenadora denunciar as violências que marcam os dias de hoje: situação de refugiados, agressões às mulheres e guerras em geral. Textos de outros autores complementam a dramaturgia, como o final do famoso monólogo de Molly Bloom no Ulisses de James Joyce (“...e sim eu disse sim eu quero Sims”).
        O uso de recursos cinematográficos mais uma vez enriquece e embeleza as encenações da diretora. A primeira sequência cinematográfica projetada na cortina em fios mostra um casal (Ulisses e Calipso) fazendo amor e é de uma beleza deslumbrante. Na segunda parte esse uso é mais frequente sendo de grande impacto a cena do diálogo dos Ulisses com as Penélopes quase ao final do espetáculo.
        O elenco formado por três atrizes brasileiras (Isabel Teixeira, Julia Bernat e Stella Rabello) e três atores francófonos (Cédric Eeckhout, Karim Bel Kacem e Mathieu Sampeur) atua de forma bastante espontânea com simpática interação com a plateia.
        Ítaca – Nossa Odisseia I, que estreou em Paris em março deste ano, é espetáculo para marcar época e uma segunda parte (O Agora Que Demora) deverá estrear em São Paulo em 2019.


        Fato curioso é que no mesmo período em que a peça esteve em cartaz eu passei por uma Odisseia: a guerra de Troia foi o infarto que sofri no dia 23 de julho, o longo caminho de volta para casa foi o tempo em que fiquei no hospital e na casa da minha irmã. Na última segunda-feira, dia 06 de agosto, finalmente voltei à minha Ítaca onde ansiosas Penélopes teatrais me aguardavam.

        08/08/2018

domingo, 5 de agosto de 2018

MACBETH - SOM E FÚRIA (Leitura dramática)



        Vem aí um novo Macbeth, agora pelas mãos do casal Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes. Vindo da Companhia Estúdio Lusco-Fusco, podemos esperar espetáculo de grande apuro estético [haja vista as últimas direções de André: Ilhada Em Mim (2014) e Tchekhov É Um Cogumelo (2017)] e imaginar a Lady MacBeth a ser criada por Djin, que cercará com sua beleza e magnetismo toda a maldade da maquiavélica personagem de Shakespeare.
        Parte das comprovações das previsões acima poderá ser conferida na próxima quarta feira, dia 08 de agosto, no Itaú Cultural, ocasião em que o casal fará o lançamento do seu projeto, por meio de leitura dramática da peça escocesa que, infelizmente, é extremamente atual no caótico cenário político do Brasil de hoje.
        A ambientação sonora da apresentação será realizada ao vivo pelo músico Gregory Silvar e efeitos visuais complementarão a concepção cênica de Guerreiro Lopes.

        SERVIÇO

         Leitura pública dramática e lançamento do projeto Macbeth – Som e Fúria

         08 de agosto, ás 20h
         Duração: 90 minutos
         Itaú Cultural
         Gratuito
         
         05/08/2018