sábado, 25 de setembro de 2021

O ARQUITETO E O IMPERADOR DA ASSÍRIA

 

Tenho quatro montagens desse sempre surpreendente texto de Fernando Arrabal (1932 -) em meu currículo de espectador.

 A primeira, antológica e memorável, data de 1970, dirigida por Ivan de Albuquerque, com José Wilker (arquiteto) e Rubens Corrêa (imperador). Há um triste fato ligado a essa montagem aqui em São Paulo porque foi ela a última a ocupar o saudoso Teatro Bela Vista, demolido logo a seguir para dar lugar ao atual Teatro Sérgio Cardoso.

Seguiram-se duas montagens não muito marcantes: em 2008 com Paulo Vilhena (arquiteto) e Beto Bellini (imperador) com direção de Haroldo Costa Ferrari e em 2018 com Eduardo Silva (arquiteto) e Rubens Caribé (imperador) com direção de Leo Stefanini.

Agora chegou a vez de Cesar Ribeiro nos presentear com sua versão tendo Eric Lenate como o arquiteto e Helio Cícero como o imperador, no jogo de gato e rato proposto pelo dramaturgo espanhol.

51 anos separam a primeira montagem desta última e do fundo da memória eu tenho a sensação que a primeira era a versão em branco e preto e esta é a versão colorida de O Arquiteto e o Imperador da Assíria. Uma clássica e a outra contemporânea, ambas excepcionais revelando o mundo “pânico” de Fernando Arrabal e a sociedade caótica em que vivemos.

Tudo é esplendor na encenação de Cesar Ribeiro desde a portentosa trilha sonora assinada pelo diretor, a cenografia de J.C. Serroni, o desenho de luz de Aline Santini, os figurinos de Telumi Hellen e o visagismo de Louise Helène. Pelos nomes na ficha técnica se pode notar que a produção não poupou esforços para escolher os profissionais envolvidos no espetáculo.

Helio Cícero, ator brilhante nas montagens de Antunes Filho no final dos anos 1980 e início dos 1990, cria o imperador com muito vigor e dá uma verdadeira aula de interpretação no início do segundo ato quando, em mais um jogo criado pela dupla, o arquiteto julga o imperador por um suposto crime e este é obrigado a fazer as várias testemunhas do caso.

Eric Lenate, excelente diretor e ótimo ator, cria um arquiteto tão memorável como aquele criado por José Wilker em 1970, usando com muita propriedade suas extensões, tanto de voz como corporal.

Me perdoem os puristas, mas em certos momentos, o jogo entre as duas personagens me lembrou Oscarito e Grande Otelo. Que fique claro que isto é um elogio!!

O texto de Arrabal, datado de 1965, continua atualíssimo e cai como uma luva no Brasil de 2021.

Um senão a tão belo trabalho: a transformação que ocorre nas últimas cenas da peça depende das mudanças de papel, algo que não fica muito claro, talvez por opção da direção.

E como comentou meu amigo Denio Maués: que emoção ver a cortina abrindo e fechando no início e no fim do espetáculo.

25/09/2021 

SERVIÇO:

 

Temporada presencial

De 24 de setembro a 24 de outubro de 2021

Sexta a sábado, 20h. Domingo, 19h

Sessão extra: Dia 21 de outubro, às 20h30h

Local: Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho (Rua Vergueiro, 1000 - Paraíso - São Paulo)

Ingressos: R$ 20 (inteira), R$ 10 (meia) e entrada gratuita para estudantes e professores da rede pública de ensino.

Lotação: 128 lugares | Duração: 120 minutos | Classificação: 16 anos | Gênero: tragicomédia

 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

G.A.L.A.

 


É muito difícil, eu diria quase impossível, racionalizar em uma escrita e tentar explicar um texto de Gerald Thomas e o espetáculo dele resultante. E quando se tenta fazer isso o próprio criador e seu grupo saem-se com respostas evasivas, haja vista o bate papo realizado na noite de ontem após a apresentação da peça G.A.L.A. com a participação de Thomas, a atriz Fabiana Gugli e o jornalista Dirceu Alves Jr.

Mas isso não importa, o que vale é a sensação de assistir a um novo trabalho de Thomas que prima pelo instigante visual (iluminação e espaço cênico dele), pela sedutora trilha sonora (escolhida por ele também) e por uma interpretação de Fabiana Gugli que já se impõe como uma das melhores do ano. A liberdade de criar do autor exige algo parecido do espectador e isso é muito estimulante para quem se propõe a isso.

Fabiana incorpora em sua interpretação as explosões criativas do autor/encenador oferecendo ao espectador 45 minutos de puro prazer, quer flutuando num oceano que remete àquele do Casanova de Fellini, quer repetindo frases dos nossos hinos, quer gritando para seu interlocutor Sancho “Chega de Beckett!!”, quer ainda repetindo “Atchin” várias vezes. Racionalizar? Impossível. Mas o espetáculo é uma delícia, mesmo levando em conta que foi criado durante essa interminável pandemia e por isso carrega a solidão e o isolamento vivenciado pelo autor, pela atriz e por todos nós.





Como encenador Gerald Thomas se sai muito bem em sua primeira criação virtual (Terra em Trânsito era uma recriação de um espetáculo realizado em teatros). A movimentação das câmeras e os ângulos escolhidos são belíssimos, com destaque para os closes da atriz, que revelam ainda mais o grande talento de Fabiana Gugli.

E nada como remeter à Capela Sistina para terminar este intrigante e belo espetáculo. Coisas do Gerald Thomas! 

23/09/2021 

Serviço

Estreia: 22 de setembro de 2021, às 21h, com transmissão pel





o Canal do YouTube do Sesc Avenida Paulista:
 youtube.com/sescavenidapaulista

Após a estreia a filmagem estará disponível On Demand, no Canal do YouTube do Sesc Avenida Paulista.

Ingressos: Grátis

Duração: 45 minutos (aproximadamente)

Classificação: 16 anos

 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

O CORSÁRIO DO REI DO MEU PAI

 

Tempos e situações diferentes:

- 1985 – Final da ditadura militar brasileira. TEMPOS DE ESPERANÇA. Augusto Boal escreve O Corsário do Rei, a peça é encenada no Rio de Janeiro sob sua direção com canções de Edu Lobo e Chico Buarque. Boal retorna oficialmente do exílio no ano seguinte.

- 2020/2021 – Pandemia da corona vírus e o desastroso governo de Jair Bolsonaro. TEMPOS DE DESESPERANÇA E REVOLTA. Um grupo teatral encena virtualmente O Corsário do Rei.

- 2043 – TEMPOS DO QUE RESTOU DOS GOVERNOS QUE PASSARAM POR ESTE PAÍS. Uma jovem descobre material sobre a encenação de 2021 que foi dirigida por seu pai e onde ele interpreta o papel do professor. 

O Corsário do Rei do Meu Pai circula, de alguma maneira, por esses três momentos da vida brasileira. Apresentada virtualmente pela Cia. Coisas Nossas e dirigida por Dagoberto Feliz a peça cumpriu temporada relâmpago de 09 a 20 de setembro.

Uma pena, pois trata-se de espetáculo muito bem produzido, com excelente direção musical de Marco França, cenários e figurinos com o costumeiro bom gosto de Kleber Montanheiro e bons intérpretes, com destaque para Cristiano Tomiossi como o corsário Duguay Trouin (em 1985 Marco Nanini interpretou esse papel), Nábia Vilela e sua voz bela e potente, Dani Nega (em uma vigorosa interpretação de A Mulher de Cada Porto), Conrado Caputo como o “incorruptível” padre, José Eduardo Rennó como o professor (na peça original) e pai da jovem de 2043 (na versão da Cia. Coisas Nossas), Rebeca Jamir (delirante em Tango de Nancy) e João Attuy (o patético irmão Etienne). Tudo isso harmoniosamente orquestrado por Dagoberto Feliz. E mais importante de tudo: a peça trata de assuntos mais que pertinentes para o Brasil de 2021.

Quem faz a narrativa no ano de 2043 é a jovem atriz Greta Antoine.

Pela sua importância como documento (histórico e teatral) de nossa época e pela qualidade como espetáculo seria muito importante que O Corsário do Rei do Meu Pai cumprisse temporada mais longa e fosse amplamente divulgado para atingir um número maior de espectadores. 

21/09/2021

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

HAMLET 16x8

 

Foto de Pio Figueroa

O maior elogio que posso fazer ao ótimo Hamlet 16x8 defendido brilhantemente por Rogério Bandeira é que fiquei com muita vontade de reler Hamlet e o Filho do Padeiro – Memórias Imaginadas, autobiografia de Augusto Boal. Já tirei o livro da estante para voltar a lê-lo.

Hamlet 16x8 baseia-se não só nas memórias de Boal, mas também naquelas do ator que tem em seu currículo passagens importantes pelo CPT de Antunes Filho e pela Cia. do Latão, além de uma vida pessoal marcada pela ditadura, uma vez que seu pai Iberê Bandeira de Mello atuou na defesa de presos políticos nesse tenebroso período e foi muitas vezes detido para prestar esclarecimentos sobre suas atividades.

        Na posse de todas essas memórias Bandeira e o diretor Marco Antônio Rodrigues criaram a consistente dramaturgia do espetáculo.

Bandeira entra em cena claudicante e inseguro (isso faz parte da encenação) dirigindo-se à plateia com elogios ao livro de Boal. Após fazer comparações entre a sua vida e à do Boal, o ator finalmente salta no vazio com seu guarda-chuva e com muita segurança inicia de verdade o seu relato.

Eu me lembro do belo e atlético jovem Rogério Bandeira circulando pelos corretores do sétimo andar do SESC Consolação onde funciona o icônico Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) que era coordenado por Antunes Filho. Era o ano de 1997, eu frequentava o curso de designer sonoro e ele fazia o CPTzinho. Há excelente momento na peça onde Bandeira relembra a bronca que Antunes lhe deu após a apresentação de uma cena sua com a Djin Sganzerla. A recriação da figura de Antunes desde o seu “OK” interrompendo a cena até o final da bronca é perfeita.

E momentos excelentes é que não faltam em Hamlet 16x8, como aqueles no nordeste  em que Boal encontra o Padre Batalha e o diálogo com o camponês Virgílio ao final de um espetáculo, onde Boal confessa ter compreendido ali a “falsidade mensageira do teatro político” que o fez entender ”que não temos o direito de incitar seja quem for a fazer aquilo que não estamos preparados pra fazer”.

E de momento em momento cumprem-se quase duas horas desse emocionante e, em certo sentido, didático trabalho dirigido com muita sensibilidade por Marco Antônio Rodrigues e interpretado por Rogério Bandeira.

Hamlet 16x8 encerrou a temporada (virtual e presencial) em 19/09/2021 com apenas dez apresentações. Urge que volte ao cartaz, pois trata-se de importante ferramenta para reverenciar a importante figura de Augusto Boal e estimular a memória do nosso teatro, além de contar com a excelente interpretação de Rogério Bandeira. 

20/09/2021

 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

CHARLIE E A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE

NOITE DE FESTA PARA O TEATRO

Regado a muita pipoca, algodão doce, bala de goma e, é claro, chocolate; estreou ontem no icônico Teatro Renault (*) o musical Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate.

A cuidada produção do Atelier de Cultura, realizada pelo Instituto Artium de Cultura estreia com um ano e meio de atraso, pois a temporada deveria ter ocorrido em março de 2020 no Teatro Alfa, mas não aconteceu devido à pandemia.

A persistência do grupo valeu a pena, A Fantástica Fábrica de Chocolate é tão deliciosa quanto o produto que ela fabrica e agrada crianças dos cinco a pelo menos os 77 anos, que é o meu caso.

Trata-se de uma criação original do encenador canadense John Stefaniuk, sem se ater aos originais ingleses e norte-americanos.

O primeiro ato depende muito do menino que interpreta Charlie e na noite de estreia quem o fez foi Felipe Costa (são três garotos que se revezam no papel). Felipe interpreta, canta e até sapateia muito bem encantando a todos com seu trabalho. Fica a curiosidade de saber como os outros rapazotes se saem no papel. Nesse primeiro ato vale destacar também Rodrigo Miallaret que com sua bela voz interpreta o Vovô Joe.

Cleto Baccic, Davi Martins, Felipe Costa, Leonardo Freire, Rodrigo Miallaret na coletiva de imprensa

O segundo ato é para Cleto Baccic brilhar com seu saltitante Willy Wonka. Baccic divide o brilho desse ato com o suntuoso cenário de Michael Carnahan e com os deliciosos Oompa Loompa que alegraram a plateia lotada do teatro.

Foto de João Caldas

Foto de João Caldas

O final apoteótico com Wonka e Charlie flutuando em um luminoso elevador de cristal coroou essa noite memorável não só para o teatro musical, mas para o nosso teatro de maneira geral, que aos poucos vai retornando para onde nunca devia ter saído: as salas repletas de espectadores. 

SERVIÇO:

CHARLIE E A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE

Teatro Renault (1.570 lugares)

Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 411 - Bela Vista

Bilheteria: de terça a sábado das 12h às 18h; Em dias de eventos até o início dos mesmos. Aceita cartões de crédito (Amex, Visa, Credicard e MasterCard), cartões de débito (Visa Electron e Redeshop) ou dinheiro. Ar condicionado. Acessibilidade.

Vendas: ticketsforfun.com.br

Sexta-feira às 20h30

Sábado às 15h30 e 20h30

Domingo às 14h30 e 19h30

Ingressos: De R$ 50 a R$ 310

Duração: 150 minutos (com 20' de intervalo)

Classificação Indicativa: Livre

Gênero: Teatro Musical

Estreia dia 17 de Setembro de 2021

Clientes Brasilprev têm 30% de desconto na aquisição de ingressos do musical Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate. Desconto não cumulativo, válido para todas as sessões, exceto no setor Balcão Economy.

MUITA ATENÇÃO: Na entrada do teatro é exigido o comprovante de vacinação da Covid. 


(*) CURIOSIDADE:  O Cine-Teatro Paramount foi inaugurado em 1921, sendo o primeiro cinema sonoro da América Latina, já antevendo sua tendência à mágica do som e da música.

Nos anos 1960 foi palco de grandes nomes da música popular brasileira chegando a sediar alguns dos famosos festivais da TV Record.

Após pegar fogo em 1969, foi reformado, sendo transformado em ridículas pequenas salas e voltando a ser cinema.

Após período de decadência, foi fechado em 1996.

Anos depois foi totalmente restaurado voltando a ter uma grande plateia. Com o nome de Teatro Abril foi inaugurado com grande alarde em abril de 2001 com o musical Les Misérables. Desde então passou a ser o teatro dos musicais-réplica da Broadway e do West End londrino.

 Em 2012 passou a se chamar Teatro Renault. 

17/09/2021

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

HISTÓRIA DE AMOR (ÚLTIMOS CAPÍTULOS)

 

Jean-Luc Lagarce foi um dramaturgo francês nascido em 1957 e morto prematuramente em 1995 em decorrência da AIDS.

Bastante encenado na França e no exterior, chega a São Paulo apenas em 2006 por meio de leituras de seus textos promovidas pela ECA -USP e pelo Consulado da França.

No ano seguinte, História de Amor (Últimos Capítulos) foi a primeira encenação profissional de um texto do autor realizada em nossos palcos, com direção de Antônio Araújo. Nesse mesmo ano Marcelo Lazzaratto dirige Eu Estava Em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Chegasse, texto que seria retomado por Antunes Filho em 2018 e que se tornou sua última direção. Em 2009 Luiz Päetow fez interessante encenação de Music Hall e em 2019 foi a vez do Grupo Magiluth visitar a obra de Lagarce em memorável encenação de Apenas o Fim de Mundo dirigida por Giovana Soar e Luiz Fernando Marques. Essas são, ao que eu saiba, as peças de Jean-Luc Lagarce apresentadas nos palcos paulistanos, o que é pouco perto da importância de sua obra bastante longa (mais de 25 textos de inegável qualidade).

Por iniciativa de Osmar Pereira, chegou a vez de Lagarce ser apresentado no teatro virtual e isso acontece por meio de uma criativa encenação de História de Amor (Últimos Capítulos) na forma de peça filme.

A peça conta a história de um extinto triângulo amoroso muito harmonioso entre dois homens e uma mulher. O Primeiro Homem escreve a história desse relacionamento, enquanto a Mulher e o Segundo Homem fazem observações sobre os fatos narrados.

A direção de Tiago Luz é bastante original e muito bonita, principalmente, nas cenas filmadas em preto e branco que mostram a leveza e a beleza que tomavam conta do relacionamento a três. Com auxílio da bela fotografia de Osmar Pereira as cenas remetem à Nouvelle Vague francesa dos anos 1960 e especialmente aos filmes de François Truffaut, chegando a reconstituir a cena antológica de Jules et Jim (1962) onde o trio atravessa uma ponte correndo.


Usando várias linguagens para contar a história (textos escritos, closes dos atores, cenas de documentários e os já citados flashbacks) a encenação de Tiago Luz flui de maneira prazerosa e elegante nos seus 40 minutos de duração. Grande mérito para um texto que só é simples na aparência e que permite várias leituras.

A trilha sonora, que vai desde clássicos famosos até o Besame Mucho na versão de Ray Conniff passando por Ne Me Quitte Pas de Jacques Brel, é perfeita para ilustrar e comentar a ação.

Três jovens atores bastante talentosos dão conta de maneira surpreendente das personagens: Mulher (Juliana Campos), Primeiro Homem (Osmar Pereira), Segundo Homem (Pedro Conrado).

Pouco divulgado, este surpreendente espetáculo corre o risco de passar despercebido o que será uma lástima tanto para o grupo como para aqueles espectadores ávidos por bons trabalhos, mas que deixarão de apreciá-lo por desconhecer a sua existência. 

13/09/2021

Serviço:

É gratuito e via Youtube.

Só acessar o link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=_INLea4POYg

IMPORTANTE: A temporada foi estendida até o dia 22/09 e o link pode ser acessado a qualquer hora. NÃO PERCA!  

 

sábado, 11 de setembro de 2021

TECTÔNICAS

 

Introdução à guisa de aula de Geografia: “Placas tectônicas são enormes blocos que fazem parte da crosta terrestre. Se por um lado blindam os continentes e os oceanos, por outro lado ao serem movimentadas podem provocar terremotos, tsunamis e outros desastres naturais.” Fim da aula de Geografia e conclusão dialética: Como tudo na vida, as placas tectônicas têm seu lado bom e seu lado ruim.

O que é a nossa memória senão a presentificação do passado? Na forma de placa tectônica a mãe do protagonista Jorge surge para ele para ao mesmo acalentar e cobrar fatos ocorridos no passado, ela vem acompanhada pelo irmão dele que também faz cobranças ao personagem. Jorge é um latifundiário daqueles tão característicos deste nosso Brasil que resolve tudo na truculência, expondo mulher, filha, amante, comparsas e capangas a um caldeirão de violência.

Essa é a estrutura básica da peça Tectônicas, significativo texto de Samir Yazbek em cartaz no Teatro do Sesi.

O texto de Yazbek é bastante enriquecido por criativa encenação de Marcelo Lazzaratto que também assina o sugestivo cenário. Desta vez o excelente iluminador Lazzaratto abriu mão da função deixando a mesma a cargo do não menos excelente Wagner Freire. Outros três pontos que enriquecem ainda mais o espetáculo são a possante trilha sonora de Dan Maia, os vídeos criados e dirigidos por André Guerreiro Lopes e os figurinos de Marichilene Artsevskis, com um senão da minha parte, aos trajes futuristas à la 2001, Uma Odisseia no Espaço da mãe e do irmão.

Como se pode notar pela ficha técnica trata-se de espetáculo de esmerada produção, sem falar do elenco, que além de numeroso, é muito bom e uniforme.

Maria Laura Nogueira (Fabíola) e Sidney Santiago Kuanza (Marcelo) encarregam-se do jovem casal, ainda imune aos valores fétidos da sociedade da qual Jorge é o maior representante. Patrícia Gasppar é Luna, amante de Jorge e é responsável por alguns momentos de humor da peça, em função de sua idolatria por Roberto Carlos. Luciana Carnieli empresta dignidade a Marli, esposa submissa e covarde e Heitor Goldflus é Emílio, comparsa de Jorge, com as mesmas características morais de Marli. Sandra Corveloni e Mauro Schames têm presença forte e marcante como a mãe Dolores e o irmão Alfredo. Em vídeo há a participação de Ademir Emboava e Alexandre Borges.

Como se pode notar, o personagem de Jorge é o centro da trama; tudo gira em função dele com suas características tirânicas, egoístas e violentas e André Garolli agarra com muita coragem essa desagradável figura entregando ao espectador uma grande e emocionante interpretação. A emoção do ator nos agradecimentos deveu-se em parte à presença do público, mas também em função de sua total entrega ao personagem.

Na surpreendente cena final a mãe pergunta insistentemente ao público se está a lhe ouvir, enquanto Jorge procura mostrar a sua força com a arma em punho, dando sinal que só sai do poder morto ou preso. Qualquer semelhança com nossa situação atual não é mera coincidência.


Um barulho atordoante toma conta da cena enquanto as luzes se apagam e a cortina fecha.

Aplausos entusiasmados e agradecimentos emocionados, tudo como deve acontecer no teatro de verdade.

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTES

VIVA O TEATRO! 

11/09/2021, 20 anos do atentado às torres gêmeas de Nova York e 48 anos do golpe militar de Pinochet no Chile. 

SERVIÇO:

Tectônicas

Temporada no Teatro do SESI-SP, no Centro Cultural Fiesp: de 10 de setembro a 5 de dezembro de 2021.

Horários: sexta e sábado, às 20h | Domingo, às 19h

Local: Teatro do SESI-SP - Av. Paulista, 1.313 (Metrô Trianon-Masp)

Duração: 80 minutos

Gênero: drama

Classificação indicativa: 12 anos

Entrada gratuita. Reservas de ingressos online disponíveis em www.sesisp.org.br/meu-sesi. Novas reservas são abertas toda segunda-feira, às 8h, para as sessões daquela semana.

Temporada no YouTube do Sesi-SP: Estreia no 15 de setembro de 2021, às 20h, na plataforma Zoom. A partir desta data, a peça fica disponível no YouTube do Sesi-SP até 20 de dezembro.

Mais informações: www.centroculturalfiesp.com.br



 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

SÉRGIO MAMBERTI

 

 

22/04/1939 – 03/09/2021 

E o nosso Mamberti tomou o barco.

Choram a Rua dos Ingleses, o Bixiga, São Paulo e todo o Brasil com a partida do nosso querido ator e amigo.

Amigo sim, pois Mamberti era uma pessoa extremamente atenciosa e carinhosa, mesmo com pessoas que havia conhecido a pouco, procurando saber os seus nomes e logo chamando-as por eles.

Grande ator, militante político e defensor de causas nobres, ele deixa uma grande lacuna no teatro e na cultura de maneira geral.

Mas não fiquemos tristes. Não pensem que ele tomou um barco pequeno e triste em um cais mal iluminado numa noite escura com muita névoa.

Não!!

A noite estava linda, o céu lotado de estrelas e a lua até deu um jeito de aparecer, apesar de estar em plena fase minguante. O navio era lindo, parecido com o Rex do filme de Fellini, todo iluminado e ao longe se podia distinguir muita gente conhecida acenando do convés.

Serginho subiu a rampa de acesso ao navio com pompa e alegria. Sabia que ia encontrar muita gente querida e uma cabina especial onde o esperavam seus pais, o irmão Cláudio. a sua amada Vivian e o seu querido Ed.

Do cais, o nosso adeus a Sérgio Mamberti.

Adeus não, até breve. 

03/09/2021

Foto tirada no dia 31/10/2017 no SESC Consolação, quando da abertura da exposição sobre o Living Theatre.