sábado, 22 de fevereiro de 2020

VAGALUZ



       Sexta feira brumosa de carnaval. O povo nos blocos, nos postos de viagem ou curtindo a noite garoenta em casa. Cidade vazia. SESC Pompeia inacreditável e melancolicamente vazio. Teatro vazio.
 

       Mas o teatro não pode parar e o espetáculo Vagaluz aconteceu para oito privilegiados espectadores.
 
 
       Com seus grandes, belos e expressivos olhos claros, Lídia Engelberg se junta à forte presença cênica e ao vozeirão de Edgar Campos para falar da memória, tanto das lembranças revividas pelos dois e pelo diretor Antonio Januzelli, como daquelas que eles ouviram falar. Em pouco menos de uma hora a atriz e o ator relatam pequenas histórias, umas engraçadas, outras tristes, outras até cruéis, mas todas elas embaladas por uma delicadeza, que é a marca registrada do espetáculo.

       O querido Janô sempre consegue extrair o máximo de seus atores e quando ele conta com elenco talentoso como Lídia e Edgar, o resultado é surpreendente e enriquecedor.

       Vagaluz acontece no aconchegante Espaço Cênico do SESC Pompeia, camaleônico espaço teatral com suas charmosas paredes de tijolinhos à vista que adquire notáveis novas caras dependendo da vontade dos diretores, cenógrafos e iluminadores que por ali aportam. No caso de Vagaluz, basta um palco vazio, duas cadeiras, a iluminação de Thiago Zanotta e o talento de Janô, Lídia e Edgar para o espectador se encantar com a beleza e a humanidade das histórias contadas.

       Conforme escrevi acima o grupo (Janô estava presente) apresentou o espetáculo com todo o empenho e emoção para a reduzida plateia, mas esse trabalho merece casas lotadas e pode ser conferido até 01 de março de quinta a sábado às 21h30 e domingo às 18h30.

 

       22/02/2020

 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

BERTOLEZA



        Com os olhos cheios de lágrimas e o coração palpitando.
        Com um sorriso nos lábios e muita indignação na alma.
        Com a palma das mãos ardendo de tanto aplaudir.
             Foi assim que eu saí de um dos espetáculos mais emocionantes e mais surpreendentes a que assisti neste ano.

        A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra” escreveu Ferreira Gullar e essa sensação de deslumbramento foi o que senti ao assistir a este trabalho da Gargarejo Cia. Teatral, grupo que se define como “coletivo de artistas periféricos interessados em produzir arte popular, ligados às manifestações culturais brasileiras”.
 

        Partindo de uma ideia aparentemente simples, mas bastante engenhosa, o diretor Anderson Claudir adaptou o romance O Cortiço de Aluísio Azevedo mudando o protagonismo de João Romão para Bertoleza, amante e servidora do personagem principal, figura quase secundária no original do escritor maranhense. Dando voz a uma mulher negra reprimida e negligenciada o encenador tem condições de ampliar o leque e falar de outras mulheres na mesma situação que Bertoleza, como Dandara, Carolina Maria de Jesus, Marielle Franco e tantas outras que a história oficial faz questão de esquecer.
        Um elenco formado quase totalmente por atrizes e atores negros desincumbe-se de contar a história de Bertoleza por meio de belas canções (direção musical exemplar de Eric Jorge), coreografias de origem afro de Emílio Rogê e interpretações primorosas. Os coros masculino e feminino acompanham a ação que envolve Bertoleza (Lu Campos, linda e excelente atriz e cantora), João Romão (Bruno Silvério), Zulmira (Taciana Bastos) e Botelho (Eduardo Silva, sempre ótimo). Sabiamente a direção oferece bons momentos para solos de cada participante dos coros, mas as cenas de conjunto de canto e dança são as mais belas do espetáculo.
        A entrega do elenco e as situações apresentadas são tão fortes que não há como não se envolver emocionalmente com a história. Tudo é contado de forma muito clara (ou escura?) para empretecer (não esclarecer, como eles dizem) o drama daquela e de tantas outras mulheres negras, apesar de que não é necessário ser mulher, nem negra para se indignar e refletir sobre o que se apresenta.
        Bertoleza é um espetáculo EXTREMAMENTE importante, além de ser lúdico e muito bonito.
 
 
 
        BERTOLEZA está em cartaz no SESC Belenzinho até 01/03. Sexta e sábado às 21h30. Domingo e feriado às 18h30. NÃO DEIXE DE VER!!

        17/02/2020

       

domingo, 16 de fevereiro de 2020

POR QUE NÃO VIVEMOS...


... da maneira que queríamos ter vivido.
 

        Essa é uma pergunta constante na obra do dramaturgo Anton Tchekhov (1860-1904). Nota-se o verbo querer no passado, ou seja, a inércia somada à falta de oportunidades faz com que seus personagens fiquem sempre no mesmo lugar sofrendo de tédio e falta de perspectivas, enquanto os oportunistas e novos donos do poder e do dinheiro se aproveitam de suas decadências morais e financeiras.
        O tema já está presente nesta obra de juventude escrita quando o autor tinha apenas 18 anos e que foi esquecida por ele durante toda sua vida, vindo a ser descoberta em suas gavetas pelo irmão após sua morte.

        Marcio Abreu da curitibana Companhia Brasileira de Teatro realiza encenação original e criativa a partir dessa obra inacabada muito bem adaptada por ele e por suas companheiras de companhia,  Nadja Naira e Giovana Soar.
 
 
        O primeiro ato se passa em uma reunião/festa na residência de Ana Petrovna (a partir de agora escreverei alguns nomes na dúvida porque, infelizmente, o programa não cita o nome das personagens) onde os participantes se divertem, bebem muito, se entediam e lavam muita roupa suja em volta e sobre a mesa. A cena é realizada tanto no palco como na plateia, envolvendo o público como participante da festa. O ato termina com uma celebração (de ano novo?) onde a personagem Sophia, vivida com muita intensidade por Josi Lopes, canta e dança uma música contagiante com a participação do elenco e do público.
 
Foto de Nana Moraes

        Mudança radical de cenário no segundo ato onde em um palco escuro o personagem Platonov dialoga com várias das outras personagens da trama, em especial com as três mulheres (Ana, Maria e Sophia) com quem ele se envolveu.

        O elenco da peça é impecável com excelente domínio da cena e dos movimentos (orquestrados por Marcia Rubin). Arrisco a fazer alguns destaques apesar da excelência do todo: Rodrigo dos Santos tem o papel de maior destaque (Platonov) e se sai muito bem com sua ótima dicção e presença cênica; Camila Pitanga empresta graça e sensualidade à sua Ana Petrovna; Rodrigo Ferrarini volta a brilhar em espetáculos da Companhia Brasileira de Teatro, agora como o patético Nikolai; Rodrigo Bolzan tem talento e presença suficientes para seu personagem esbravejante mendigo/ladrão/assassino; Josi Lopes encanta tanto como atriz quanto como cantora. Cris Larin, Edson Rocha e Kauê Persona completam, também com muito brilho, o elenco deste importante e oportuno espetáculo.
        Oportuno porque não deixa de haver inércia e passividade de nossa parte diante dos descalabros desse funesto governo brasileiro. Ao final do espetáculo, a atriz Camila Pitanga leu manifesto repudiando a censura e as ações do tal governo.
 
 

        POR QUE NÃO VIVEMOS está em cartaz no Teatro Cacilda Becker em dois períodos:

        - De 13/02/2020 a 01/03/2020: Quinta a sábado (20h), domingo (19h)

        - De 20/03 a 19/04: Sexta e sábado (20h), domingo (19h)

        O espetáculo tem duração de 150 minutos com 15 minutos de intervalo. FUNDAMENTAL para quem ama teatro e a obra de Tchekhov.

        16/02/2020

 

 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

NA POLÔNIA, ISSO É ONDE?



        O multi artista Tadeusz Kantor nasceu na cidade polonesa de Wielopole em 1915 durante a primeira guerra mundial e viveu sua vida e sua arte na Polônia, um dos países mais invadidos e mais devastados da Europa durante e depois das duas grandes guerras.  Kantor passou por essas duas calamidades da humanidade e tendo vivido próximo ao campo de concentração de Auschwitz, respondeu com sua arte à provocação de Theodor Adorno “Escrever poesia depois de Auschwitz é imoral”. Estabelecido na Cracovia, ali criou a maior parte de sua obra, fundou o seu teatro, e faleceu em 1990.
        Por ocasião da Mostra Máquina Tadeusz Kantor realizada pelo SESC em 2015, o grupo OPOVOEMPÉ realizou espetáculo inspirado na obra de Kantor com relatos/situações colhidos pelo próprio elenco quando visitou a Polônia.
 
 
        O resultado é essa instigante peça-conferência ora em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, onde quatro atrizes auxiliadas por eficientes luz, vídeo e som operados em cena e por vários objetos na melhor tradição kantoriana oferecem ao público diversas facetas da Polônia pós-holocausto e do Brasil de hoje por meio de pequenas cenas costuradas pela dramaturgia assinada por Cristiane Zuan Esteves.
        As cenas podem ser a relação de palavras de origem polonesa que usamos no dia a dia, os relatos de brasileiros em visita à Polônia,  cartas de amantes, ou mesmo a reconstituição cênica de A Balsa da Medusa, emblemático quadro de Gèricault onde 149 homens estão à deriva no mar (curiosamente a capacidade da Sala Paschoal Carlos Magno é de 144 espectadores e foi uma pena que na apresentação a que assisti, ninguém ousou fazer parte da encenação, afinal no Brasil de hoje, estamos todos à deriva). A peça encerra de maneira comovente com a leitura das perguntas que o público fez para alguém que não está mais entre nós. O palco vazio mostra apenas os adereços cênicos, os envelopes com as perguntas e o quadro de Géricault ao fundo enquanto as luzes vão se apagando lentamente.
        Espetáculo simples e eficiente resgatando a obra do grande artista polonês, trazendo à tona os problemas que nos afligem e valorizado pelas ótimas composições das atrizes Ana Luiza Leão, Andréa Tedesco, Manuela Afonso e Paula Possani e pela direção de Cristiane Zuan Esteves.

        NA POLÔNIA, ISSO É ONDE? está em cartaz apenas até a próxima quinta feira, dia 20/02 no Teatro Sérgio Cardoso. Quartas e quintas às 20h. NÃO DEIXE DE VER.

        13/02/2020

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

LEITURAS ???




        As primeiras leituras dramáticas a que assisti consistiam realmente de uma leitura pura e simples com os atores sentados com o texto na mão, sendo que um deles se encarregava das rubricas. Os atores davam uma entonação aqui e ali e era só.
        Com o tempo esse evento foi se sofisticando, em grande parte pelas iniciativas surgidas no projeto 7 Leituras, 7 Autores, 7 Diretores, bravamente idealizado e conduzido pela incansável Eugênia Thereza de Andrade no SESC Consolação.
        Introduziu-se trilha sonora, cenário e os atores passaram a se movimentar em cena com o texto na mão, mas com parte dele decorado. Essas leituras têm ensaios, coisa que não ocorria nos primeiros tempos.
        As leituras dramáticas atuais sofisticaram-se tanto que algumas delas já são praticamente encenações.
        Nesta semana tive a oportunidade de assistir a duas delas.

        O ÚLTIMO CONCERTO PARA VIVALDI é o novo e o melhor texto de Dan Rosseto. Contando uma história triste que envolve muito amor, mas também preconceito, crenças religiosas, doença e morte, o autor consegue driblar o tom melodramático e expõe com clareza a relação de dois homens apaixonados que enfrentam a doença e a morte eminente de um deles e a enfermeira muçulmana que os auxilia. A peça segue os movimentos de As Quatro Estações de Vivaldi começando na primavera (onde as coisas florescem) e terminando no inverno (onde as coisas morrem, para renascerem quando o ciclo reiniciar).
        Apesar da simplicidade no cenário (e a encenação não vai exigir muito mais), a leitura valeu-se da leitura/interpretação apaixonada e comovente do elenco: Amazyles de Almeida defendeu com muita delicadeza a personagem da enfermeira Adilah, Bruno Perillo e Michel Waisman interpretaram com muita emoção o casal Anton e Ben, sendo que Waisman não pode conter as lágrimas em sua última cena.
        Mais que uma leitura, eu diria que a montagem está quase pronta. A leitura aconteceu no Instituto Capobianco no dia 11/02/2020.
 

 

        SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO. Essa apresentação aconteceu no Itaú Cultural no dia 12/02/2020 dentro do projeto Ciclo de Leituras de e a Partir de Shakespeare, idealizado por Alexandre Brasil. O encenador André Guerreiro Lopes colocou os atores sentados no palco, tendo atrás um telão onde se exibiu a obra-prima de Max Reinhardt realizada em 1935 com elenco estelar. O filme foi exibido sem as vozes e sem a legenda e as personagens foram dubladas/interpretadas por nosso elenco, não menos estelar. Mickey Rooney, aos 15 anos de idade, brilha no filme como Puck e o mesmo acontece com o nosso Robson Calalunha que refaz ao vivo a interpretação de Rooney. Participação especial do músico Gregory Slivar criando sonoridades especiais sobre o original de Mendelssohn.
        Será bastante difícil que esta concepção transforme-se em uma encenação, mas da inventiva e bela maneira como foi realizada, está muito além de uma leitura dramática.

        13/02/2020

 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

DESCARTES COM LENTES



       Paulo Leminski (1944 – 1989) era um mago ao lidar com as palavras. Em qualquer que seja o formato usado; desde os aparentemente simples hai kais, passando pela poesia e chegando até a complexidade do “romance-ideia” Catatau, sua obra prima; as palavras, as ‘neo palavras’ e as frases por elas formadas jorram como serpentes que seduzem e hipnotizam o receptor.

       O conto Descartes com Lentes é um precursor de Catatau tratando do mesmo tema do romance: uma suposta vinda do filósofo francês René Descartes ao Brasil tropical e selvagem a convite do Conde Maurício de Nassau e suas observações sobre o que viu e sentiu por aqui. Extremamente imagético, encontrou parceria perfeita em Nadja Naira que também seduz e hipnotiza o espectador com sua deliciosa interpretação.

       Um quadro com frases e palavras que aparecem no texto é o único recurso usado pelo diretor Marcio Abreu para auxiliar a atriz na interpretação e o espectador na compreensão do complexo texto.
 

       O assim chamado “exercício cênico” foi apresentado por apenas dois dias no palco do Teatro Cacilda Becker para cerca de 50 privilegiados espectadores por sessão e antecedeu a estreia de Por Que Não Vivemos?, novo espetáculo da curitibana Companhia Brasileira de Teatro, também dirigido por Marcio Abreu a partir da peça Platonov de Tchekhov.

       Após a apresentação houve bate papo com a atriz e o diretor que serviu como excelente complemento ao espetáculo.

       Mas afinal: “Índio pensa?” Nada mais oportuno e mais irônico para o momento odioso que esse governo está nos submetendo!!!


       10/02/2020

domingo, 9 de fevereiro de 2020

CORPO



        O primeiro filme em episódios a que assisti foi Páginas da Vida (Full House), clássico de 1952 do cinema norte americano dirigido por seis diretores em torno dos contos do escritor O. Henry. Esse formato tornou-se bastante popular no cinema italiano dos anos 1950/1960 e atingiu seu auge em 1962 com Boccaccio ’70, reunindo na direção das quatro cenas nada menos que Fellini, Visconti, Monicelli e De Sica.

        Curiosamente o teatro raramente utiliza o que podemos chamar de “peça em episódios”, formato atraente que agrupa vários talentos em torno de determinado tema e que em cenas curtas dizem o essencial (apesar de às vezes poderem ser superficiais) sem a obrigação de criar sub tramas para preencher os 60 minutos mínimos para compor um espetáculo.

        Essa é a fórmula adotada por Marcos Gomes e Lucas Mayor, idealizadores desse bem sucedido Corpo em cartaz no aconchegante teatro de Mário Bortolloto.
        São cinco histórias inspiradas pelo artigo O Inquietante de Sigmund Freud que comenta o estranhamento do cotidiano. Outros temas como a alteridade foram se incorporando durante a escrita das cenas e parece que ao final tudo acabou se concentrando, de uma maneira ou de outra, no corpo físico, daí o título do espetáculo.
        Na maioria dos espetáculos desse tipo seja no cinema ou no teatro as cenas são irregulares, algumas melhor sucedidas que as outras tanto na escrita, como na encenação e/ou interpretação. Este Corpo é uma honrosa exceção que confirma a regra: as cinco cenas são muito bem escritas e os atores, sempre em dupla, as defendem bravamente. No palco nu e com o auxílio apenas da luz e de excelente trilha sonora os diretores Marcos Gomes e Lucas Mayor costuram harmoniosamente as cinco cenas apresentadas.
 
        Silvia Gomez visita novamente o teatro do absurdo para mostrar a inquietude de uma mulher ao notar algo estranho que cresce no corpo do homem. Falando diretamente ao público, Pablo Perosa e Rebecca Leão defendem esta primeira cena.

        Lucas Mayor escreveu a cena onde um casal discute a mudança em suas vidas com a chegada de um filho que não dorme. A meu ver esta é a cena melhor realizada. Muito cruel e ao mesmo tempo engraçada tem excelentes interpretações de Pedro Guilherme e Antoniela Canto. Na sessão a que assisti os atores foram merecidamente aplaudidos ao final da cena.
 
Pedro Guilherme e Antoniela Canto
 
        Carla Kinzo é a dramaturga da terceira cena onde duas velhas irmãs bisbilhoteiras comentam pela janela a vida de uma vizinha. Andréa Tedesco (sempre ótima e quase irreconhecível) e Daniela Schitini interpretam com muito humor as duas irmãs.

        Uma visita à oftalmologista que extrapola a questão ocular é a peça de Fernanda Rocha com Antoniela Canto e Monalisa Vasconcelos.

        O show de Ester Laccava como uma extravagante vizinha de longos cabelos encaracolados ficou para a última cena escrita por Marcos Gomes. Aqui surge com maior evidência a questão do “outro”. Ester brilha ao lado do(s) seu(s) vizinho(s), interpretado(s) por Nelson Peres.

        Corpo é um espetáculo agradável e até divertido de se assistir, mesmo tocando em questões muito sérias, graves e até cruéis, das relações humanas.

        CORPO está em cartaz no Teatro Cemitério de Automóveis até 15/02 aos sábados (21h) e aos domingos (20h). NÃO DEIXE DE VER.

        OBS: Alguns dados da ficha técnica me foram gentilmente cedidos pela atriz Antoniela Canto.




        09/02/2020

 

 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

EMBARQUE IMEDIATO



        Antes de tudo louve-se a presença dos três Pitangas na noite de 06 de fevereiro no Teatro Anchieta na estreia de Embarque Imediato.  Antônio e Rocco em cena, Camila no vídeo e depois os três juntos nos agradecimentos. Uma bela e simpática família, além de muito talentosa e importantíssima para a arte brasileira passada, presente e com lugar garantido no futuro.
 
Os Pitanga: Camila, Antônio e Rocco

        Confinados pelo setor de imigração numa terrível e impessoal sala de aeroporto, dois homens, um deles pesquisador brasileiro afro descendente e o outro um senhor idoso africano, discutem e trocam informações sobre identidade, origem e a diáspora da raça negra que atingiu várias gerações. A peça trata do confronto das ideias desses dois homens sobre esses assuntos. O texto é do jovem ator e dramaturgo baiano Aldri Anunciação que já nos presenteou com outro importante trabalho sobre a temática racial (Namíbia, Não!) em 2012.
        A encenação de Marcio Meirelles privilegia o trabalho dos atores, apesar de ofuscá-los com um cenário que poderia ter tido outra solução evitando que 80% da ação se passasse atrás de um telão onde são projetados os vídeos muito importantes para o espetáculo, mas que poderiam estar em outro lugar. Essa tela ofusca a visão e dificulta a audição, que por sinal também é prejudicada por um vozerio representando a voz do povo que está no aeroporto e que perpassa toda a peça. Até a movimentação dos atores fica prejudicada pelo cenário em questão.
        Mesmo curta (60 minutos) a peça tem momentos cansativos como a longa cena das vozes em off simulando um diálogo entre o pesquisador e Bertolt Brecht (foco de sua tese de doutorado).
        Antônio Pitanga mostra todo seu talento e carisma interpretando o velho africano. Rocco Pitanga, com sua voz portentosa, tem marcante presença cênica e é contraponto perfeito para a personagem vivida por seu pai.
        Apesar de alguns senões, Embarque Imediato merece ser vista pelo tema tratado e pela atuação do elenco.

        EMBARQUE IMEDIATO está em cartaz no Teatro Anchieta de quinta a sábado (21h) e domingo (18h) até 08 de março.


        07/02/2020

 

       

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

DOS PRAZERES E O JANEIRO TEATRAL PAULISTANO



Maristela Chelala em Dos Prazeres

        No mês de janeiro assisti a 14 espetáculos: dois shows     (incluindo uma delícia que foi aquele de Adriana Calcanhoto) e 12 peças teatrais. Tive a sorte de não passar pela experiência do Ruy Filho que comentou no Facebook que neste primeiro mês já assistiu a uma das piores peças do ano. Foram duas excepcionais (Fóssil e Elizabeth Costello), outras muito boas, algumas boas e outras ainda, razoáveis, mas nenhuma que me levasse a pensar: “meudeusporquemeabandonasteemefizesteespectadordeteatro!?”.

        E comrcei fevereiro com o pé direito, assistindo a mais um magnífico trabalho feminino. Nossas atrizes estão arrasando neste início de ano: a Gilda Nomacce, Lavínia Pannunzio, Michelle Boesche, Natalia Gonsales e Clara Carvalho vem se somar Maristela Chelala com seu excelente trabalho em Dos Prazeres.
        A peça mescla fatos da vida da própria atriz com as peripécias de Dos Prazeres, personagem de um conto de Gabriel García Márquez, que é uma prostituta de 76 anos, amazonense como Chelala, que vive exilada em Barcelona durante a ditadura franquista e que faz os preparativos para a sua morte, anunciada em uma visão. Essa anunciação vai provocar boas surpresas tanto para ela como para o espectador.
        O conto foi traduzido para a cena teatral por Ivan Marsiglia que junto com Chelala inseriu acontecimentos dramáticos ocorridos na infância da atriz. Misturam-se assim fatos da guerra civil espanhola, da truculência de Franco e da não menos truculenta situação do Brasil atual.
        A direção de Ivan Andrade brinca com o metateatro incluindo uma constante menção às interferências de Rachel, a operadora de som e orquestra dinâmica movimentação cênica da atriz, fazendo com que o espetáculo seja bastante dinâmico e ágil.
        O programa da peça comenta que a água é uma das metáforas centrais do espetáculo e uma água nada metafórica acompanhou o público nestes primeiros dias muito chuvosos de fevereiro.

        Completando o aquoso fim de semana, tive o prazer de assistir ao show da Nova Banda Tom Jobim formada por Daniel Jobim (piano), Paulo Jobim (violão), Paulo Braga (bateria) e Jacques Morelembaum (cello) interpretando os tesouros do inigualável Tom Jobim. Adequadamente fecharam o show com Águas de Março, apesar de ainda estarmos em fevereiro.
 
 

        Chove chuva!

        DOS PRAZERES está em cartaz no SESC Vila Mariana às sextas (20h) e aos sábados (18h) até 21/02. IMPERDÍVEL!

        02/02/2020 (Data palíndromo)

 

sábado, 1 de fevereiro de 2020

ELIZABETH COSTELLO


 
        Conheço muito pouco sobre o escritor sul-africano J.M. Coetzee, ganhador do Prêmio Nobel de literatura de 2003 e que completa 80 anos no próximo dia 09 de fevereiro.  Informações colhidas na Wikipédia e notas de roda pé de alguns de seus livros eram tudo o que eu sabia sobre ele ao adentrar o espaço cênico onde os espectadores são carinhosamente recebidos pela atriz e pelo diretor do espetáculo.
        Elizabeth Costello é uma personagem criada pelo autor  (que deve conter muito dos seus pensamentos e de seus valores) para o romance do mesmo nome que impactou Lavínia Pannunzio quando de sua leitura e que a atriz junto com o diretor Leonardo Ventura transformaram nesse trabalho de forte impacto emocional.
        Cada frase emitida pela personagem é de tal profundidade e tão cheia de significados que quase não dá tempo de absorvê-la, pois já vem outra tão profunda e tão significativa quanto a anterior. Lavínia, com sua estonteante presença cênica, consegue contornar essa dificuldade com sua movimentação e uma dicção digna da profissão que ela exerce com tanta paixão. Muitos são os temas que Elizabeth traz à tona e seria leviano de minha parte analisar o texto sem tê-lo lido e ainda imbuído da forte emoção que senti ao assistir ao espetáculo. Com mais razão que emoção, talvez eu conseguisse fazê-lo. De qualquer maneira me atrevo a dizer que mais do que tudo tanto o texto como a encenação transpiram HUMANIDADE, algo tão raro nos dias de hoje.
        A encenação de Leonardo Ventura é coisa de ourives, pois manipula com mestria a arte dourada da atriz Lavínia Pannunzio que tem a interpretação mais marcante de sua invejável carreira [ela já brilhou como a Leninha de O Abajur Lilás (2001) (lembramos-nos disso na noite de ontem, após a apresentação), o Pozzo de Esperando Godot (2006), a Madame Clessy de Vestido de Noiva (2013), a Dona GuiGui de Boca de Ouro (2017) e tantos outros significativos trabalhos que haveria necessidade de muitas laudas para relacioná-los]. De qualquer maneira, ao que eu saiba, este é o primeiro solo de Lavínia e com certeza ficará como um marco de sua trajetória artística. É a atriz na plena maturidade de seu ofício.
        Luminosa também é a arte de Aline Santini, que de posse das características do espaço cênico e do cenário (no caso, clean e bastante eficiente, de Chris Aizner) os reveste de luzes que comentam e enriquecem a ação da peça.
        Elizabeth Costello é uma soma de talentos raramente encontrada em nossos palcos e merece longa carreira para difundir o pensamento de Coetzee e o imenso talento de Lavínia Pannunzio.
        Chega de elogios!

 
        ELIZABETH COSTELLO está em cartaz no TUSP apenas até 16/02. Quarta a sábado, 21h e domingo, 20h. CORRA!!!
 
        01/02/2020

ARRIMO


 
 
       Apesar de abordar temas espinhosos e tristes como fome e pobreza, o texto de Rudinei Borges dos Santos é poético e de uma beleza comovente. Confessional e intimista no papel, quando transposto para o palco pelo próprio autor transformou-se em espetáculo épico e grandiloquente. O personagem único foi dividido entre três atores, utilizando mais um recurso de distanciamento do teatro épico. Tal fato causou estranheza a este espectador, mas há que se respeitar a proposta do encenador, ainda mais quando ele próprio é o autor.

       A instalação cênica de Andreas Guimarães contém significativos adereços e tem a suavidade e a beleza que senti ao ler o texto. O mesmo se pode dizer da preciosa participação musical de Juh Vieira.
 
 

       O elenco formado por Edi Cardoso, Geraldo Fernandes e Leandro Lago segue a proposta do encenador.

       Arrimo é mais um espetáculo do Núcleo Macabéa e vem enriquecer o repertório do grupo que já nos ofereceu, entre outros, Transamazônica e a obra prima Dezuó: Breviário das Águas, todos eles de autoria de seu idealizador Rudinei Borges dos Santos, que mapeia e documenta com muita força e poesia as agruras da região norte do país e de seu povo.

      O programa da peça contém o texto completo da peça e é uma preciosidade. Não deixe de lê-lo.


       ARRIMO está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade de quarta a sexta às 20h e aos sábados às 18h. Grátis. NÃO DEIXE DE VER.

 

       01/02/2020