sexta-feira, 30 de abril de 2021

PALÁCIO DO FIM

 

Em 2011/2012 José Wilker dirigiu uma montagem vigorosa desta peça da canadense Judith Thompson com Camila Morgado, Antonio Petrin e Vera Holtz. Eis que agora nos chega do Rio Grande do Sul, em formato remoto, uma nova versão da peça que nada fica a dever em vigor à outra e tem até certas vantagens, pois tratando-se de monólogos eles se beneficiam dos closes, impossíveis no teatro.

É muita bem vinda essa oportunidade de assistirmos a um espetáculo gaúcho e isso só está sendo possível pelo fato de se tratar de teatro virtual.

Palácio do Fim trata da guerra do Iraque que ocorreu em 2003 promovida pelos Estados Unidos em concordância com a Grã Bretanha e de suas terríveis consequências para o povo iraquiano. Curiosamente nesta semana tivemos a peça Os Grandes Vulcões tratando do mesmo tema.

A encenação da Cia. Incomode-te dirigida por Carlos Ramiro Fensterseifer e enriquecida pela direção de vídeo de Boca Migotto é precisa como uma cirurgia e vai direta ao ponto nas três cenas que compõem a peça.

A primeira cena é realizada como teatro documentário intercalando projeções estarrecedoras das torturas realizadas por soldados americanos nos presos iraquianos com a performance de duas atrizes (Fabiane Severo e Sandra Possani) que representam a militar americana Lynndie England que ficou “famosa” ao ser fotografada sorrindo ao lado de pirâmides de prisioneiros nus que haviam sido torturados e deformados. As palavras dessa mulher se justificando são, no mínimo, dignas de asco.

Segue-se o relato de David Kelly que revelou em entrevista à BBC que as armas de destruição em massa iraquianas (motivo dado por George W. Bush e Tony Blair para a invasão) absolutamente não existiam. A confissão desse homem e suas consequências formam a base do texto brilhantemente defendido por Nelson Diniz.

Liane Venturella

Mas o pior e o melhor estava por vir: a terceira cena mostra o outro lado da moeda! A iraquiana Nehrjas Al Saffarth inicia seu depoimento falando suave e docemente sobre o seu nome que significa narciso e aos poucos vai introduzindo dados sobre sua família, a vida terrível durante o regime de Saddam Hussein e mais terrível ainda após a invasão norte americana. Ela era esposa de um líder político iraquiano e em certo momento ela e os filhos são presos e enviados ao Palácio do Fim - local onde eram colhidos, à base de torturas, depoimentos de presos políticos durante a guerra – para revelar, sob tortura, o paradeiro do marido. Todos resistem e as torturas se intensificam. Essa descrição que toma cerca de quinze minutos da peça é terrível e tão cruel que beira o insuportável de se assistir. Liane Venturella, atriz pouco conhecida em São Paulo, tem uma das maiores atuações a que tenho presenciado nesta longa jornada como espectador. Praticamente toda a cena é realizada em um único plano, com close da atriz que se vale unicamente de suas expressões faciais e vocais para demonstrar toda a tragédia vivida não só por ela, mas por todo o povo iraquiano. É um verdadeiro privilégio tomar conhecimento de tamanho talento e que fosse apenas por ela, este espetáculo já se tornaria obrigatório. Um nome a ser lembrado: LIANE VENTURELLA.

 

QUANDO: De 05 a 16/05, de quarta-feira a domingo, às 20h

QUANTO: R$ 10,00 (toda renda será revertida para a Casa do Artista Riograndense)

INGRESSOS: www.entreatosdivulga.com.br/palaciodofim 

30/04/2021

quarta-feira, 28 de abril de 2021

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DOS VULCÕES

 

Foto de Lienio Medeiros

A Kiwi Companhia de Teatro mudou seu nome para outro que está mais de acordo com seu pensamento político-ideológico: agora denomina-se Coletivo Comum.

O grupo formado  por Fernanda Azevedo, Beatriz Calló, Daniela Embón e Fernando Kinas está de volta com Os Grandes Vulcões, espetáculo batizado por eles de vídeo teatro, pois mescla de maneira extremamente harmoniosa as linguagens teatral e audiovisual.

A peça tem a mesma estrutura de Material Bond que o grupo montou em 2017 a partir da obra de Edward Bond. Agora a referência é o discurso que o também dramaturgo inglês Harold Pinter (1930-2008) fez ao receber o Prêmio Nobel de Literatura em 2005; discurso virulento denunciando a política externa dos Estados Unidos com a colaboração, ou no mínimo, a aquiescência, da Grã Bretanha. Engenhosamente a peça fala também do discurso (de certa forma, também virulento) que a atriz Fernanda Azevedo proferiu ao receber o Prêmio Shell como melhor atriz de 2013. A sagaz dramaturgia coloca a atriz em cena como Harold Pinter e como ela mesma, desta vez uma personagem.

Por falar em engenhosidade da encenação de Fernando Kinas, louvem-se as inserções de imagens e a trilha sonora que comentam a ação e criam um benéfico efeito de distanciamento que faz com que o espectador reflita sobre o que está vendo durante o próprio ato da recepção.

O título da peça faz referência a um poema de Pablo Neruda que dialoga com aquele de Bertolt Brecht que diz “Que tempo é este em que uma conversa sobre árvores chega a ser uma falta, pois implica em silenciar sobre tantos crimes?”. Pois é, Fernanda e Fernando põem mais uma vez a mão na ferida denunciando e explicitando as mazelas em que este país se chafurdou, fazem isso, porém, com leveza e bom humor o que torna a denúncia ainda mais potente.

A interpretação de Fernanda Azevedo é impecável, transitando harmoniosamente entre as personagens, mas dificilmente será indicada como melhor atriz para determinado prêmio de teatro.

Colaboram para o sucesso da empreitada o belo cenário de Julio Dojscar onde um globo terrestre ilustra temas tratados na peça, a iluminação de Clébio Ferreira e a importantíssima direção de vídeo de Thiago B. Mendonça.

O final da peça com a atriz se desenvencilhando das personagens e abandonando o teatro é belíssimo e dão um significativo ponto final ao trabalho de estreia do Coletivo Comum, ao qual desejo longa vida. 

GRANDES VULCÕES faz sua última apresentação HOJE, DIA 28 às 20h. CORRA PARA ASSISTIR.

Transmissão pelos canais do Coletivo no Facebook e no YouTube:

www.facebook.com/coletivocomum

www.youtube.com.br/kiwicompanhiadeteatrocoletivocomum 

28/04/2021

 

terça-feira, 27 de abril de 2021

DOSTOIÉSVKI E NELSON RODRIGUES

  



Que pena! Hoje não teremos nem Dostoiévski (1821-1881), nem Nelson Rodrigues (1912-1980) para nos atormentar e nos tirar da zona de conforto.

Enquanto um escreveu sua obra na gelada Rússia e até na inóspita Sibéria, o outro o fez sob o escaldante sol do Rio de Janeiro, mas ambos enfrentaram os conflitos e a complexidade da alma humana e os reproduziram em suas obras. A influência do escritor russo na obra do brasileiro pode ser comprovada nas palavras do próprio Nelson: “Certa vez, um erudito resolveu fazer ironia comigo. Perguntou-me: ‘O que é que você leu?’. Respondi: ‘Dostoiévski’. Ele queria me atirar na cara os seus quarenta mil volumes. Insistiu: ‘Que mais?’. E eu: ‘Dostoiévski’. Teimou: ‘Só?’. Repeti: ‘Dostoiévski’. O sujeito, aturdido pelos seus quarenta mil volumes, não entendeu nada. Mas eis o que eu queria dizer: pode-se viver para um único livro de Dostoiévski. Ou uma única peça de Shakespeare. Ou um único poema não sei de quem. O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abismal do que a releitura”.

Esses dois gênios estiveram presentes na última semana em nosso teatro virtual em dois importantes eventos. 

Nelson Rodrigues no Primeiro Festival da Tragédia Brasileira, organizado pela Cia. Repertório Rodriguiana, dirigida por Marco Antonio Braz. Um elenco multe estelar realizou leitura dramática de cinco peças e de dois contos do dramaturgo. Vide matéria no blog: 

http://palcopaulistano.blogspot.com/2021/04/toda-nudez-sera-castigada-e-o-festival.html 

Idealizado por Marlene Salgado e Elena Vássina o evento Abismos de Dostoiévski foi transmitido pelo canal do YouTube do Centro Cultural São Paulo. Foram seis surpreendentes apresentações de alto valor artístico, todas elas a partir da obra do escritor russo e cada uma delas na visão artística de vários encenadores e elencos, o que proporcionou uma bem vinda diversidade.

Celso Frateschi abriu o evento dirigido por Vivien Buckup fazendo uma emocionante leitura de O Sonho de Raskólnikov contido no romance Crime Castigo, onde uma eguinha é açoitada até a morte pelo seu dono.

A Dócil, dirigida criativamente por Ondina Clais e Ruy Cortez revelou a potente, hipnotizante e realmente surpreendente interpretação de Marina Nogaeva Tenório. Vide matéria no blog:

https://palcopaulistano.blogspot.com/2021/04/quando-arte-me-tira-do-chao.html 

Luah Guimarãez mostrou todo seu talento e versatilidade na interpretação do demoníaco Stavrôguin e da menina Matriôcha em Stavrôguin - Eu Mesmo, retirado do romance Os Demônios, com direção de Vadim Nikitin.

Donizeti Mazonas e Wellington Duarte realizaram belo trabalho de teatro-dança em Em Teu Nome, transposto de O Grande Inquisidor, capítulo fantástico do romance Os Irmãos Karamázov.

Mais uma interpretação surpreendente veio de Rômulo Braga em O Veredicto que contou com a direção de Yara de Novaes e Clarissa Campolina que mesclou narrativas teatral e cinematográfica.

Matheus Nachtergaele e Cibele Forjaz fecharam com chave de ouro o evento com a apresentação de O Sonho de Um Homem Ridículo, onde o autor russo nos dá um pouco de esperança, mesmo que seja em sonho, haja vista a diferença do conteúdo deste sonho com aquele de Raskólnikov.

Todas as apresentações foram seguidas de debates com os artistas envolvidos, tendo uma deliciosa e significativa mediação de Elena Vássina, que pronuncia “Dostoiévski” como nenhum de nós brasileiros consegue fazê-lo..

Muitas louvações para essas iniciativas de Marlene Salgado e Elena Vássina e de Marco Antônio Braz. Que venham muitas outras, pois não nos faltam grandes autores para isso: Shakespeare, Jorge Andrade, os trágicos gregos, Tchekhóv, Martins Pena (por que não??),Molière,  Plínio Marcos e tantos outros.
 

27/04/2021

 

 

sábado, 24 de abril de 2021

SEDE

 


Num momento em que nosso bote está cercado de tubarões prontos a nos devorar é muito importante assistir a Sede, texto de Eugene O’Neill (1888-1953), encenado pela Cia. Triptal, dirigido por André Garolli.

O texto mostra três náufragos em um bote à deriva no imenso oceano. O cavalheiro e a bailarina brancos tagarelam o tempo todo culpando o mundo e buscando um bode expiatório pela situação em que se encontram, enquanto o marinheiro negro entoa continuamente sua canção/oração à espera de uma salvação, que no fundo ele sabe que não virá. A peça de O’Neill mostra situação limite de sobrevivência de maneira dura e cruel denunciando também os preconceitos de classe e racial.

A Cia. Triptal já havia realizado em 2020 uma versão virtual mais modesta da peça e agora apresenta esta nova montagem, cercada de cuidadosa produção, pois além do importante conteúdo, o espetáculo é esteticamente valorizado pelo cenário de Julio Dojscar, pelos figurinos de Telumi Hellen, pelo visagismo de Beto França e pelo caprichado desenho de luz do diretor Garolli.

Tudo isso seria menos potente caso não se contasse com as interpretações vigorosas de Camila dos Anjos (a bailarina), Fabrício Pietro (o cavalheiro) e a presença luminosa e surpreendente de Diego Garcias (o marinheiro), que traz um pouco de espiritualidade a cenário tão inóspito. E a montagem ainda é enriquecida com a preciosa narração de Denise Weinberg. 

SEDE estreou em 23/04 e fica em cartaz DIARIAMENTE até a próxima sexta feira, dia 30/04, sempre às 21h30.

Acesso gratuito: Canal YouTube do Centro Cultural São Paulo.

 

24/04/2021

 

 

 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

QUANDO A ARTE ME TIRA DO CHÃO...

 

É realmente gratificante para um espectador que assiste teatro há quase sessenta anos quando ele se surpreende com algo ou alguém precioso que ele não conhecia, nem tinha ouvido falar.

Foi isso que ocorreu ontem ao assistir a A Dócil, apresentada dentro do bem vindo Abismos de Dostoiévski, projeto idealizado por Marlene Salgado e Elena Vássina, que vem sendo transmitido nesta semana pelo canal do YouTube do Centro Cultural São Paulo.

A Dócil é, segundo Dostoiévski, uma narrativa fantástica que retrata o pensamento de um usurário horas antes do enterro da jovem esposa que se suicidou.

O sugestivo tratamento audiovisual dado pela direção, assinada por Ondina Clais e Ruy Cortez, dinamiza e ilustra o monólogo do personagem, além de embelezar a ação. Talento e criatividade de dois grandes artistas a serviço desse importante texto de Dostoiévski.

O que me deixou boquiaberto foi a interpretação de Marina Nogaeva Tenório de quem, a princípio, eu não tinha nenhum conhecimento. Após alguma pesquisa notei que ela dirigiu A Semente da Romã e Katierina Ivanovna junto com Ruy Cortez e que nasceu em Moscou, tendo passado boa parte da infância e adolescência entre Brasil e Rússia. Estudou direito no Brasil e teatro na Rússia e hoje dedica-se ao teatro, à dança e à tradução de obras literárias russas. Como se pode notar, um currículo invejável.

Reconheço que é difícil concluir sobre o talento de um intérprete ao presenciar apenas um trabalho do mesmo, mas a intensidade e a potência demonstrada por Marina em A Dócil me fazem intuir que estamos diante de uma grande atriz que muito pode oferecer ao nosso teatro. 

23/04/2021

 

 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

SÔNIA – UM ATO POR TOLSTOI

 

Sófia Andreiêvna Tolstaia (Sônia) (1844 – 1919) prepara-se para fazer pequeno discurso em uma homenagem póstuma ao seu marido Liev Tolstói (1828-1910) e durante a tentativa de preparação de sua fala relembra alegrias e tristezas de sua convivência com o grande escritor com quem teve 13 filhos.

Sônia teve grande importância na criação literária de Tolstói revisando seus textos e dando sugestões, além de desempenhar todas as funções e deveres de uma esposa russa do seu tempo parindo e criando uma dezena de filhos, além de cuidar dos afazeres domésticos.

Dispondo de dados reais e de sua criatividade, Thiago Sogayar Bechara escreveu esse belo e poético texto ora em apresentação on line, onde a personagem louva seu amor e dedicação a Tolstói, mas também reivindica a sua importância como mulher e como ser humano.

Elias Andreato dirige a encenação com sua habitual delicadeza colocando a personagem sentada defronte a câmera com a foto de Tolstói ao fundo.

Nesse único plano acontecem os 45 minutos de duração do espetáculo e em nenhum momento há a vontade de olhar para o relógio ou ir até a cozinha tomar café.

O texto de Bechara e a direção de Andreato são dignas de aplauso, mas os maiores méritos para esse olhar hipnotizado para a tela do notebook são de Mariana Muniz, a intérprete de Sônia. Mariana consegue a proeza de fazer teatro dança sendo focada apenas da cintura para cima. São belíssimos e significativos seus movimentos de cabeça, braços e mãos. Sua voz poderosa também contribui para a grandeza da interpretação, digna de reconhecimento e muitos prêmios.

       Testemunhar o momento sublime onde uma grande atriz interpreta personagem forte e consistente está ao alcance de todo privilegiado que às terças, quartas e quintas pouco antes das 20h acessar www.youtube.com/movicenaproducoes. Atenção que é só até a próxima quinta, dia 22!

       ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

       OBRIGADO MARIANA MUNIZ!

                   Fotos de Cláudio Gimenez

       16/04/2021

 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

QUANDO AS MÁQUINAS PARAM

Volta e meia este clássico de Plínio Marcos retorna aos nossos palcos e isso sucede porque Plínio continuará clássico enquanto este país tiver tantas mazelas sociais e diferenças de classe. Quantas Ninas e quantos Zés existiam em 1967 quando a peça foi escrita e quantos deles não estão espalhados ainda hoje por este triste Brasil de 2021?

Kiko Rieser, o diretor desta montagem, realiza uma encenação que, no meu modo de ver, remete à estética do cinema neo realista italiano dos anos 1950 e isso é reforçado pela fotografia em belíssimo preto e branco e pela interpretação naturalista do ótimo casal de intérpretes. A movimentação da câmera permite sugestivos ângulos e closes de cada uma das personagens.

Muito já se escreveu sobre o texto de Plínio Marcos que conta a história desse casal de classe média baixa, morando provavelmente na periferia de São Paulo. Ele, desempregado, revoltado e pessimista em relação ao futuro e ela, dona de casa que costura para fora e sempre otimista e crente em Deus. O toque de humor, estrategicamente introduzido pelo dramaturgo, é o fanatismo dele pelo Corinthians e a paixão dela pelas rádios novelas, chegando às lágrimas quando o Eduardo da novela resolve partir para a Legião Estrangeira. Os poucos altos e muitos baixos da vida desse casal mudam de direção quando Nina engravida.

Kiko Rieser realiza uma direção limpa, sem nenhum floreio, enfatizando a interpretação do casal e sua movimentação no cenário também bastante realista de Kleber Montanheiro e Thaís Boneville (um apartamento simples com adereços totalmente de acordo com os hábitos, gostos e possibilidades das personagens). A movimentação da câmera e os closes, ora de Nina, ora de Zé, são também ponto alto da encenação, mostrando que é possível o teatro dialogar com a câmera nestes tempos de áudio visuais.

A maioria dos filmes neo realistas italianos eram interpretados por atores não profissionais, com a intenção de dar maior veracidade às histórias contadas e escrevo, da maneira mais elogiosa possível, que esses excelentes profissionais Larissa Ferrara e André Kirmayr dão toda a veracidade à Nina e ao Zé, sem nenhum artifício que às vezes o profissionalismo traz. Suas interpretações emocionam, mas também fazem o espectador refletir sobre a dura realidade brasileira.

Quando as Máquinas Param é um belo trabalho e bastante necessário para os dias atuais. NÃO DEIXE DE VER. 

Em cartaz até 20/04 às segundas e terças às 20h. Gratuito.

Link de transmissão:

https://www.youtube.com/CentroCulturalSãoPauloCCSP 

14/04/2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA e o FESTIVAL DA TRAGÉDIA BRASILEIRA

 

Junto com A Falecida, Toda Nudez Será Castigada é, no meu ponto de vista, uma das peças melhor elaboradas dramaturgicamente por Nelson Rodrigues com diálogos fluentes e brilhantes, tendo personagens envolventes como Geni, Patrício, Herculano e Serginho, além das três memoráveis tias. Some-se a isso, a novidade na época de iniciar a peça pelo fim da história e a revelação bombástica no último minuto. Coisas do gênio do nosso grande dramaturgo.

Por todas essas razões vejo como pertinente a escolha dessa peça para abrir o Primeiro Festival da Tragédia Brasileira concebido pela Cia. Repertório Rodriguiana, dirigida por Marco Antonio Braz.

Muitas Genis já passaram pela minha vida: a primeira foi Darlene Glória e sua exuberante performance no filme de Arnaldo Jabor (1973). No teatro, a primeira Geni foi para mim, a vigorosa Marlene Fortuna nas encenações de Antunes Filho (1981 e 1984). Seguiu-se uma das mais humanas Genis a que assisti em um palco (Ceres Vittori – 1986- com o Grupo Delta de Londrina, dirigida por Antônio Teodoro). Vieram depois Marília Pêra – 1998 - (infelizmente em uma encenação equivocada de Moacyr Góes), Leona Cavalli – 2000 - (ótima, dirigida por Cibele Forjaz), Patrícia Selonk – 2006 - (direção de Paulo de Moraes) e Ondina Clais Castilho – 2012 – (em nova visita de Antunes Filho à peça). É importante notar que uma das grandes lacunas da minha vida de espectador é não ter assistido a grande Cleyde Yáconis, criadora da Geni em 1965 no Rio de Janeiro, dirigida por Ziembinski.

Agora chegou a vez de Antoniela Canto que mesmo com a limitação de uma leitura dramática realizada individualmente (cada intérprete fez a leitura de sua residência, em função do isolamento social), deu vida apaixonada a essa emblemática personagem de Nelson Rodrigues.

O elenco é o ponto mais forte dessa bem-vinda leitura. Braz, dando ênfase à definição do autor (uma obsessão em três atos), imprimiu às interpretações características grandiloquentes e melodramáticas. Não há como não destacar, além de Antoniela Canto, o cafajeste Patrício de Silvio Restiffe, a Tia Nº 1 de Miriam Mehler e o

Serginho do ótimo Leonardo Silva, que também lê as rubricas do primeiro ato.

Um grande achado deste trabalho é que a leitura das rubricas não é realizada de forma neutra, como geralmente acontece, mas interpretada de acordo com os fatos da história, além de comentarem e criticarem a ação (principalmente aquelas feitas por Braz nos segundo e terceiro atos). Testemunhamos assim, por meio da leitura das rubricas, a introdução do “efeito de distanciamento” no teatro de Nelson Rodrigues. Quem diria!



        O Festival está apenas começando havendo ainda leituras de Viúva, Porém Honesta, Perdoa-me Por Me Traíres, Álbum de Família, A Serpente e de dois contos inéditos A Sogra Peluda e Obsessão Preta.

        Como a companhia pretende montar a obra completa de Nelson Rodrigues, provavelmente, outros festivais virão.

        Muito bem vinda essa iniciativa da Cia. Repertório Rodriguiana com o objetivo, segundo o grupo, que a difusão da obra de Nelson Rodrigues funciona “como vacina contra o vírus da ignorância, da estupidez e ao autoritarismo que nos cercam

        Totalmente de acordo!

        13/04/2021

 

Programação: 

TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
DIAS 12,13,14 DE ABRIL
EM DOIS HORÁRIOS: 15H ÀS 18H e 19H ÀS 22H

VIÚVA, PORÉM HONESTA
DIAS 15,16,17 DE ABRIL
EM DOIS HORÁRIOS: 15H ÀS 18H e 19H ÀS 22H
 

PRIMEIRO FESTIVAL DA TRAGÉDIA BRASILEIRA

·         PERDOA-ME POR ME TRAÍRES

·         ÁLBUM DE FAMÍLIA

·         A SERPENTE

·         O NELSON QUE QUASE NINGUÉM LEU: A SOGRA PELUDA e OBSESSÃO PRETA

 

DO DIA 18 AO DIA 24 DE ABRIL, DISPONÍVEL 24H PARA VISUALIZAÇÃO.

DIA 26 DE ABRIL DAS 22H ÀS 00H - 
“Psicanálise de Botequim” com Ruy Castro (Convidado do mês)

DIA 27 DE ABRIL DAS 22H ÀS 00H – Aula magna com Braz
ONDE?
NO CANAL DO YOUTUBE OFICIAL DA CIA:
https://linktr.ee/CiaRepertorioRodriguiana

*Os vídeos só estarão disponíveis no Youtube nos dias e horários acima citados.
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: 14 ANOS

 

 

 

 

 

domingo, 11 de abril de 2021

JOHN E EU

 

O sonho de toda uma geração acabou no dia 08 de dezembro de 1980 com a morte estúpida de John Lennon (1940-1980) na porta do Dakota, icônico edifício de Nova York onde foi concebido e nasceu o bebê de uma tal de Rosemary.

O cantor e pacifista inglês foi assassinado a tiros por Mark Chapman, um jovem fanático de 25 anos que posteriormente declarou os seus motivos para cometer o crime.

Nicolas Trevijano dá voz a Chapman horas antes do assassinato, onde ele fala de seus traumas de infância (sofreu booling de Max, que ele considerava seu melhor amigo), pontua as semelhanças de sua vida com a de Lennon e, principalmente, confessa a vontade de se tornar conhecido e ser alguém. Quanto a este último ponto ele atingiu seu objetivo: quem seria Mark Chapman hoje, caso ele não tivesse assassinado John Lennon?

O texto de Trevijano é claro e fluente, expondo muito bem a mente sombria de Chapman e reproduzindo sua revolta a respeito da falta de religiosidade do cantor e a disparidade entre a defesa que Lennon fazia do desapego dos bens materiais e a sua vida de luxo e riqueza.

Marco Antônio Pâmio dirige a encenação com olhar cinematográfico (o que está se tornando quase uma obrigação para quem dirige espetáculos audiovisuais) focando o interprete em vários planos/ângulos, mas não abre mão daquilo que é o mais sagrado no teatro: a interpretação do ator. A atuação de Trevijano, assim como a direção, prima pela discrição e comedimento, dando um toque oportuno de humanidade a personagem tão controverso. Desse modo o espectador chega até a compreender (sem aceitar) o terrível ato cometido por um ser amargurado e condenado, segundo o próprio, a ser um joão ninguém.

O cenário de Cássio Brasil reproduz um sombrio quarto de hotel iluminado por André Grynwask e Pri Argound.

Sempre cuidadoso na escolha da trilha sonora, neste caso Pâmio concentrou a mesma, quase que totalmente, nas composições de John Lennon.

John e Eu é mais um trabalho muito bem resolvido nestes tempos de teatro virtual e foca assunto de interesse não só dos fãs dos Beatles e da música em geral, mas também daqueles que buscam entender os porquês do ser humano.

 

JOHN E EU – Temporada até 02 de maio, de quinta a domingo às 20h. Ingressos gratuitos via Sympla. NÃO PERCA!

 

11/04/2021

 

 

 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

A GENEALOGIA CELESTE DE UMA DANÇA

 


Eu tenho o privilégio de ter uma varanda. Toda manhã eu abro a porta do quarto que dá para a varanda e deixo entrar o ar puro e o sol da manhã (obrigado, Bivar!). Daí a admirar o céu é só um desvio do olhar.

No final da tarde o sol que nasceu no mar se põe no continente, ali, atrás da minha varanda, e o céu à minha frente adquire belíssimas cores, principalmente quando algumas nuvens insistem em enfeitá-lo.


 Conto tudo isso para revelar a minha frustração em não me recordar do céu do dia 14 de abril de 2020.

O céu desse dia serviu de inspiração para Bruno Kott, Juliana Leite e Luciano Chirolli criarem um verdadeiro oásis nesse deserto que se tornou o Brasil com o vírus no ar e o verme na presidência.

“Poema cênico” para Luciano Chirolli, “vídeo performance” para Bruno Kott. Para mim esse trabalho revelou-se como uma verdadeira oração.

Eu não entendo absolutamente nada de religião, mas sei que uma das origens etimológicas da palavra é religare, ou seja, religar o ser humano ao universo, entendendo-se por universo aquilo que é a crença (ou descrença) de cada um e essa religação pode ser feita de várias maneiras como uma meditação ou uma oração. Religuei-me ao céu a partir desse lindo texto de Juliana Leite falado de maneira tão bela por Luciano Chirolli.

Noel Rosa fez um samba em feitio de oração, entendo que Juliana, Bruno e Luciano fizeram uma peça em feitio de oração.

A sempre lembrada Pina Bausch bradava “Dance, dance, senão estamos perdidos”, e Juliana reforça “É simples. É muito simples. Você dança para o céu e ele dança de volta para você”.

Recebi o texto da peça através da Gabrielle Araújo; sentei-me na varanda debaixo desse céu azul do dia 08 de abril de 2021 e o li sentindo mais uma vez aquela emoção da manhã ao vê-lo e ouvi-lo na interpretação emocionada de Luciano Chirolli.

Tenho certeza que depois dessa experiência o céu nunca mais vai ser o mesmo para mim.

O céu sabe o que está fazendo, ainda que nós não. O céu sabe para aonde está indo, ainda que nós não”.

 Pois é!!

Tenho certeza também que nunca mais vou escrever uma matéria com este teor!

 

A GENEALOGIA CELESTE DE UMA DANÇA estreia no próximo dia 12 de abril e fica em cartaz (online) até 05 de maio, às segundas, terças e quartas às 20h. Ingressos gratuitos: www.sympla.com.br/teatrosergiocardoso

 

08/04/2021

 

terça-feira, 6 de abril de 2021

QUE FIM LEVOU CARLOTINHA?

A personagem Carlotinha surgiu para mim em março de 2009 na oficina “Dramaturgia do Quotidiano” ministrada por Jorge Louraço.

Ao ser provocado para escrever sobre uma passagem quotidiana fiz narrativa de uma lauda onde um jovem senhor observava uma senhora idosa sentada em sua frente no metrô e pensava como ela se parecia com Carlotinha, sua madrinha, que ele nunca mais viu.

Ao transformar a narrativa em texto teatral resolvi escrevê-lo a partir da Senhora como personagem já instalada no apartamento daquele homem. O resultado foi uma pequena cena onde ela divaga sobre os motivos dele tê-la convidado para ir até o seu apartamento. Segundo ela, ele foi até o mercado comprar os ingredientes para ela fazer um bolo e enquanto isso ela se dirige a Ferdinando, o gato da casa.

Na época a minha querida Neuza Pommer fez uma deliciosa leitura da peça no N.Ex.T e, posteriormente, a apresentamos no Festival de Cenas Cômicas do Espaço Parlapatões.


 

Em gesto delicadíssimo Neuza fez uma apresentação especial na casa de minha mãe que na época estava com 95 anos e viria a falecer um ano depois.

Algum tempo depois, Arnaldo D’Ávila, um admirador desse pequeno texto, pensou em montá-lo e conversamos sobre a possibilidade de ampliá-lo de acordo com ideia que eu já tinha em mente que era criar mais duas cenas, uma na perspectiva do homem e outra na do gato Ferdinando.

Arnaldo e eu juntamos nossas forças e na companhia de muito macarrão e muito vinho escrevemos essas duas cenas, batizando o homem de Ricardo e colocando em cena também Dinorah, uma calopsita, rival de Ferdinando. 



Foi assim… 

        E eis que agora a perseverança de Arnaldo coloca em cena a nossa Carlotinha com direção de Cida Almeida, cenografia de Marcelo Andrade e figurino de Carol Badra, sendo que ele se encarrega dos três personagens.

        Acompanhei de longe o seu árduo trabalho de produzir o espetáculo nestes tempos tão difíceis e estou curiosíssimo para assistir aos resultados.

        Em comum acordo resolvemos dedicar o espetáculo à querida Neuza Pommer, a primeira Carlotinha.

        Temporada gratuita: Dias 12, 13 e 14 de abril com sessões às 19h e às 21h no canal do ator no Youtube: www.youtube.com/arnaldodavila