sábado, 29 de outubro de 2022

OUTONO INVERNO ou O QUE SONHAMOS ONTEM

 

Foto de Leekyung Kim 

        O dramaturgo sueco Lars Norén (1944-2021) situa sua peça nas estações mais sombrias e frias do ano e o sub título parece remeter à primavera e ao verão de ontem, estações solares onde deve ter havido mais alegria e mais esperança em futuro que, na verdade, se revelou outonal e invernal. Mas isso é só aparência, porque no passado é que está a raiz dos dramas apresentados.

A peça de Lars Norén tem evidentes influências dos também suecos Ingmar Bergman (1918-2007) e August Strindberg (1849-1912), mas, a meu ver, Eugene O’Neill (1888-1953) e mais especificamente sua obra prima Longa Jornada Noite Adentro é que é a matriz para esse intenso drama ora em cartaz no Itaú Cultural.

Aqui os personagens são um pai, uma mãe e duas filhas amarguradas com traumas acumulados desde a infância que explodem em todos jantares mensais em que as irmãs visitam os pais. Assim como em Longa Jornada a peça tem unidades de tempo e de lugar e a diferença é que são duas filhas e não dois filhos, mas a estrutura é muito parecida.

Henrique (Riba Carlovich) é um pai omisso e Margarida (Noemi Marinho) é uma mãe, aparentemente compreensiva, mas na verdade autoritária, fria e indiferente às reações das filhas Ana (Dinah Feldman) e Eva (Nicole Cordery).

Como sempre nesse tipo de peça, a narrativa começa como uma alegre e descontraída reunião familiar e vai evoluindo para uma tensão crescente até atingir clima insuportável. O modelo aqui é a obra de Edward Albee (1928-2016).

O sucesso desse tipo de peça depende, primordialmente, do talento da equipe que a dirige e a interpreta e talento é que não falta para a diretora Denise Weinberg e para o quarteto de ouro em cena.

Riba Carlovich empresta dignidade ao pai quietão e omisso. Noemi Marinho sabe tirar partido dos momentos de humor que o texto oferece e sabe dosar a dramaticidade de outros momentos, suas reações faciais às ações dos outros personagens são um espetáculo à parte. Nicole Cordery interpreta a filha Eva, bem de vida, aparentemente bem resolvida e equilibrada, mas que é um poço de indignação quando se revolta. Cabe a Dinah Feldman a personagem mais complexa da obra (Ana) e a atriz sabe tirar partido das explosões da mesma, revelando um talento verdadeiramente impactante (Denise Weinberg interpretou esse papel na versão de 2006 dirigida por Eduardo Tolentino de Araújo).

A relação entre os quatro e, em especial, entre as duas irmãs é intensa e a encenadora resolve a movimentação cênica do elenco de maneira brilhante mantendo o casal sentado durante quase toda a ação e as filhas numa constante agitação física com gestual bastante elaborado e estudado.

A direção de produção do espetáculo (magnífica e significativa estreia de Marcela Horta na liderança de uma produção) não poupou esforços para que o espetáculo atingisse um ótimo nível e cercou-se de excelentes profissionais como Chris Aizner na concepção da cenografia onde a comida e a mesa de jantar são elementos importantes no desenvolvimento da trama e dos figurinos, de Wagner Pinto no desenho da luz, de Kiko Marques que fez a ótima adaptação do texto e Gregory Slivar que realiza ao vivo a trilha composta por ele, sons que comentam a ação e que se tornam quase como uma quinta personagem em cena.

Valendo-se de todos esses elementos e do bravo elenco, Denise Weinberg realizou espetáculo memorável que se inscreve entre os melhores deste 2022 que já está em sua reta final. 

OUTONO INVERNO está em cartaz no Itaú Cultural, com ingressos gratuitos, apenas até o próximo fim de semana (6 de novembro) de terça a sábado às 20h e no domingo às 19h. Não haverá espetáculo neste domingo, dia 30, data que esperemos se possa comemorar a volta da alegria de viver neste nosso Brasil, tão vilipendiado nesses últimos quatro anos.

29/10/2022

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

GESTO

 

Eu diria que é muito difícil querer escrever uma matéria fragmentada no mesmo estilo de uma peça de teatro com narrativa fragmentada como é o caso desta intrigante Gesto de autoria de Silvia Gomez com direção de Vanessa Bruno.

A peça estreou na noite de quarta-feira, 26/10/2022, no CPT (Centro de Pesquisa Teatral do SESC), mesmo espaço onde há 14 anos Silvia estreava como autora com o memorável  O Céu Cinco Minutos Antes da Tempestade. Daí em diante a carreira da dramaturga tem se pautado por textos bastante complexos e densos com temáticas fortes, onde o musical Dominguinhos, ora em cartaz no Teatro FAAP, é um ponto fora da curva da sua profícua carreira.

Gesto, de alguma maneira, volta ao ambiente hospitalar, cenário também do trabalho de estreia de Silvia. Neste caso um médico (Rodrigo Fiatt), uma enfermeira (Stella Prata) e um assistente (Thiago Richter) têm entre os pacientes quatro pessoas (Guilherme Moilaqua, Luana Frez, Osmar Pereira e Vitor Biazzin) que se queixam de necroses que surgem em seus corpos. Há uma espécie de coringa (Madu Possatto) que faz a contrarregragem e emite opiniões esparsas sobre os fatos. Aparece um buraco no teto de onde surgem coisas disformes que atemoriza todos os envolvidos. Há referências à peça Rinocerontes de Eugene Ionesco e uma inversão da frase “O mineiro só é solidário no câncer”, tão presente na peça Bonitinha, Mas Ordinária de Nelson Rodrigues e que serviu para o início das discussões sobre este trabalho, ainda sob as vistas de Antunes Filho. Neste caso ninguém é solidário com ninguém!

Foto de 2019, uma das últimas de Antunes Filho, com parte dos intérpretes que iria compor o elenco de GESTO.

Pode-se notar que se trata de um espetáculo sombrio que apenas dá um respiro ao espectador na cena final com o surgimento dos balões de gás que podem representar uma redenção e um salto para o alto. Mas como será esse salto? E o que encontrar no alto? Perguntas que Silvia Gomez não responde porque nem ela, nem ninguém tem as respostas.

Vanessa Bruno dirige o espetáculo no estilo minimalista dos espetáculos do CPT valendo-se de um criativo desenho de luz assinado por quatro elementos do grupo e do talento das/dos intérpretes, cada uma/um delas/deles tendo seu momento solo contemplado pela autora e enfatizado pela diretora.

 

GESTO está em cartaz até 15/12 no Espaço CPT do SESC Consolação às quartas e quintas às 20h.

 

27/10/2022

 

 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

COMO POSSO NÃO SER MONTGOMERY CLIFT?

 

Montgomery Clift (1920-1966) antecedeu James Dean (1931-1955) e Marlon Brando (1924-2004) na forma de atuar que revolucionou o cinema norte americano na década de 1950. Quatro vezes indicado ao Oscar, não levou o prêmio nenhuma vez, fato que contribuiu para seu estado depressivo, muito acentuado após o acidente com o carro em 1956 que o desfigurou e o levou ao álcool e às drogas.

A peça do dramaturgo espanhol Alberto Conejero López faz, no seu título original, um jogo interessante do sobrenome do ator (Clift) com a palavra em inglês “cliff” que significa penhasco, precipício. Isso fica claro quando ele situa a ação da peça no período compreendido entre 1956 (ano do acidente), passando por 1962 (ano em que ele não ganhou o Oscar após a quarta indicação) e 1966 ou seja, período em que ele estava à beira de um precipício e onde realmente caiu em 23 de julho de 1966, dia de sua morte. Esse período de auto destruição é considerado como “o suicídio mais longo vivido em Hollywood”. Com tudo isso pode-se deduzir que não se trata de um espetáculo alto astral, mas sombrio e triste.

Gustavo Gasparani vive intensamente essa figura triste, revoltada e melancólica em um monólogo que se utiliza de recurso comum nesse tipo de texto onde o personagem dialoga ou ao telefone (no caso com sua grande amiga Elisabeth Taylor) ou com pessoas invisíveis (a mãe, o acompanhante Lorenzo e Marlon Brando).

Em cenário de Natalia Lama cujo elemento principal é uma banheira o ator se desloca ora se olhando no espelho, ora se dirigindo diretamente ao público ou falando com seus fantasmas, sempre vestido com os discretos figurinos de Marieta Spada.

A trilha sonora selecionada por Marcelo Alonso Neves inclui belas composições do cancioneiro norte-americano, trechos de diálogos de filmes de Montgomery Clift e até uma canção de West Side Story, na cena em que Clift lamenta-se de ter perdido o Oscar de ator coadjuvante em O Julgamento de Nuremberg para George Chakiris que atua no musical de Robert Wise.

Um grande achado do texto é explorar a vontade de Clift de montar A Gaivota de Tchekhov com ele no papel de Treplev e sua amiga Elisabeth Taylor como Nina.

Fernando Philbert realiza uma digna tradução cênica do texto focando toda a atenção na interpretação intensa de Gasparani que já brilhou nesse mesmo espaço há alguns anos com o memorável Ricardo III de Shakespeare, também em forma de monólogo. É um ator representando outro ator e a peça não poderia terminar de forma mais significativa do que com a frase de Clift dita com muita emoção por Gustavo Gasparani: “Quando a luz se apagou, nunca mais houve outra felicidade senão aquela, a estúpida felicidade de ser outro”. 

COMO NÃO POSSO SER MONTGOMERY CLIFT? Está em cartaz no auditório do SESC Pinheiros de quinta a sábado às 20h até 12 de novembro.

IMPERDÍVEL para quem ama o cinema e o teatro! 

24/10/2022

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O CAMINHO DO CEMITÉRIO CORRIA SEMPRE AO LADO DA ESTRADA

 

O Caminho do Cemitério é uma curta narrativa que ocupa não mais que 8 páginas do livro Contos de Thomas Mann (1875-1955). Na noite de ontem antes de me dirigir ao Ágora Teatro onde seria realizada uma apresentação teatral do conto, passei na Livraria Martins Fontes e, em menos de 15 minutos, fiz uma leitura rápida do mesmo, me preparando para melhor usufruir do espetáculo.

Segundo notícias veiculadas pela imprensa o “romance em cena” foi “inventado” por Aderbal Freire Filho com suas encenações, sem adaptações, dos romances A Mulher Carioca aos 22 Anos (1990), O Que Diz Molero (2003) e O Púcaro Búlgaro (2006). Inventor ou não, Aderbal inovou ao usar essa linguagem no teatro.

Celso Frateschi encena agora o seu “conto em cena” colocando no palco a íntegra do conto de Thomas Mann, onde um velho amargurado e alcoólatra caminha em direção ao cemitério para visitar seus mortos em uma manhã bela e ensolarada e se sente incomodado ao ver um belo rapaz de olhos azuis trafegar de bicicleta pelo caminho em que ele está; discute com o jovem e aos poucos é tomado por um acesso de fúria; acaba sucumbindo e é retirado do local em uma ambulância, enquanto o jovem segue seu caminho alegre e feliz.

A proposta da encenação é que o elenco faça as vezes de narradores da história e de intérpretes dos dois personagens quando estes adquirem vozes no conto. Para tanto é necessário que o espetáculo conte com atrizes/atores com versatilidade para transitar da narração para a interpretação e vice-versa. Maria Cristina Vilaça e Plínio Soares preenchem totalmente os requisitos para enfrentar tal empreitada realizando primoroso trabalho em cena.

A encenação de Celso Frateschi é minimalista contando com poucos objetos em cena, sugestivos figurinos de Sylvia Moreira, discreto e belo desenho de luz de Miló Martins e excelente trilha sonora de Carlos Zimbher. Nota-se que toda a atenção do diretor está voltada para as nuances interpretativas dos dois excelentes intérpretes. 

O CAMINHO DO CEMITÉRIO CORRIA SEMPRE AO LADO DA ESTRADA está em cartaz no Ágora Teatro às quartas e quintas feiras às 20h até 15 de dezembro. Duração: 45 minutos.

 

Completando a ótima noite teatral visitei a seguir a OCUPAÇÂO DIAS GOMES inaugurada no Itaú Cultural no dia do centenário de nascimento do nosso grande dramaturgo. Ótima exposição com muitos documentos e fotos do autor e de sua obra que vai merecer uma visita mais longa.

O ZÉ DO BURRO

VIVA O TEATRO! 

20/10/2022

domingo, 16 de outubro de 2022

O CANTO DO CISNE

 

Foto de João Caldas

UMA NOITE DE CELEBRAÇÂO DA LIBERDADE

No final do ano de 1970 estreava no Areninha (andar superior do icônico Teatro de Arena) o espetáculo Teatro Jornal (Primeira Edição) idealizado por Augusto Boal para driblar a férrea censura imposta pela ditadura civil-militar. O elenco era composto por jovens egressos de um curso de teatro, entre eles Dulce Muniz, Denise Falotico (hoje, Del Vecchio) e Celso Frateschi. No mesmo ano estreava a última montagem do Arena (A Resistível Ascenção de Arturo Ui) e pouco depois o Arena deixava de existir. Naqueles anos de triste memória Boal e Guarnieri cantavam em Arena Conta Zumbi (1965):

“Triste tempo presente

Em que falar de amor e flor

É esquecer que tanta gente

Tá sofrendo tanta dor”

        50 anos depois vivemos outro “triste tempo presente” com um governo maldito que esperemos que comece a acabar em 30 de outubro.

        Na noite de 15 de outubro de 2022 Celso Frateschi estreou no Teatro Anchieta o espetáculo O Canto do Cisne em comemoração aos seus 52 anos de vida teatral.

        O Canto do Cisne é uma curta peça em um ato que o autor russo Anton Tchekhov (1860-1904) chamou de “estudo dramático” onde o velho ator Vassili rememora momentos de sua carreira com o ponto Nikita (antiga função que consistia em soprar as falas para os atores quando estes se esqueciam das mesmas). Dependendo das inserções que o intérprete faça de trechos das peças rememoradas, uma encenação desse texto pode durar uma ou três horas.

        Mantendo excelente equilíbrio cênico a montagem de Vivien Buckup dura cerca de uma hora onde Celso/Vassili rememora os trechos de peças de Shakespeare originalmente citados por Tchekhov, mas inclui uma linda homenagem a dois espetáculos brasileiros emblemáticos da resistência teatral nos anos de chumbo Liberdade, Liberdade (citando a fala de abertura, onde Paulo Autran clamava “Eu sou um homem de teatro...”) e Arena Conta Zumbi (“Minha voz não pode muito, mas gritar eu bem gritei...Por querer liberdade.”).

        O espetáculo oferece mais uma excelente atuação de Celso Frateschi, com certeza um dos melhores atores do teatro brasileiro, além de grande ativista pela liberdade e pelos direitos humanos. Celso está muito bem acompanhado em cena por Thais Ferrara, um/uma Nikita cômica e humana na medida certa.

        O espaço cênico criado por Sylvia Moreira, bastante poético, remete a um palco vazio com elementos como um pilar grego e estrelas ao fundo. Os figurinos também são assinados por Sylvia.

A luz de Wagner Freire, o importante visagismo de Leopoldo Pacheco (o velho Vassili esqueceu de tirar a maquiagem!) e a linda trilha de Dan Maia completam a ficha técnica desta cuidada e bela produção.

Não bastasse a emoção gerada pelo espetáculo, o professor/pesquisador Welington Andrade subiu ao palco ao final do espetáculo e, após aguardar os aplausos do público e as manifestações pró Lula, prestou uma emocionada homenagem a Frateschi, relembrando sua carreira e sua atuação como cidadão brasileiro.

E a emoção não parou por aí! Presente na plateia a mais que querida Luiza Erundina que foi alvo de uma salva de palmas tão intensa quanto aquela antes dirigida a Frateschi e ao espetáculo.

Noite memorável que só podia terminar com um coquetel oferecido no saguão do também icônico Teatro Anchieta. Muitos abraços e muitos votos de esperança em um Brasil melhor. 

O Canto do Cisne faz parte do projeto O Teatro de Onde Eu Venho que marca os 50 anos da carreira de Celso Frateschi. Realizado pelo SESC Consolação de outubro a dezembro. (vide detalhes na programação da unidade) 

16/10/2022

sábado, 15 de outubro de 2022

MUSEU NACIONAL (TODAS AS VOZES DO FOGO)

 

Nossa cultura e nossa história serem consumidas pelo fogo ao final do governo Temer e com a perspectiva de o povo eleger o ser mais ímpio que estas terras já conheceram seria uma poderosa metáfora caso não fosse uma triste realidade o incêndio que tomou conta do Museu Nacional no Rio de Janeiro em setembro de 2018.

A (tentativa da) destruição da nossa cultura usando como exemplo o incêndio ocorrido no Museu Nacional foi o tema escolhido por Vinicius Calderoni e o grupo Barca dos Corações Partidos para o espetáculo ora em cartaz no Teatro Antunes Filho do SESC Vila Mariana. Digo tentativa porque o fogo criado por “eles” jamais destruirá nossa luta em defesa da cultura e de um Brasil melhor.

Mesmo com essa premissa este desavisado espectador se dirigiu ao teatro com a expectativa de assistir a mais um trabalho solar da Barca, no esquema de Gonzagão, Auê, Suassuna e Jacksons do Pandeiro e, a princípio, se decepcionou, ao se deparar com um espetáculo que é muito mais Calderoni do que a Barca e que se aproxima mais do clima de Macunaíma (outro espetáculo da Barca) do que dos acima citados.

Mas os tempos não andam solares, pelo contrário, estão bastante sombrios e ao repensar o espetáculo com a corajosa escrita de Calderoni colocando a mão na ferida e pondo os pingos nos is só posso concordar com a opção de colocar o texto na frente da parte musical, mesmo que as letras das canções tenham tudo a ver com a narrativa proposta.

Problemas técnicos - facilmente solucionáveis durante a curta temporada - com a luz e o som prejudicaram a fluência do espetáculo na noite da estreia.

Acostumado com as fantásticas coreografias criadas por Duda Maia para a Barca, achei aquelas criadas por Fabrício Licursi para este trabalho muito esquemáticas e previsíveis. Também fugiu de minha compreensão o conceito por detrás dos figurinos assinados por Kika Lopes e Rocio Moure.

As presenças indígena e negra no elenco são extremamente bem-vindas e têm tudo a ver com a proposta do espetáculo.

Com a parte musical relativamente ofuscada os cinco componentes da Barca (Adrén Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Eduardo Rios e Ricca Barros) brilham cada vez mais como atores. Senti a falta de Fabio Enriquez (que já não participou do Jacksons presencial) e de Renato Luciano (presente na plateia, mas não no palco).

Cabe destacar a presença de excelentes artistas convidados como a indígena Rosa Peixoto, a poderosa Ana Carbatti dando vida à nossa ancestral Luzia, Adassa Martins, Aline Gonçalves (que além de atriz é exímia flautista), Felipe Frazão (responsável por excelentes momentos solos do espetáculo) e de Lucas dos Prazeres e Luiza Loroza que já admirávamos desde Jacksons do Pandeiro.

A temporada do espetáculo com certeza vai equilibrar o teatro de Vinicius Calderoni com aquele da Barca dos Corações Partidos e este espectador, admirador tanto de um como do outro, gostaria de revê-lo também com a expectativa equilibrada.

Museu Nacional fica em cartaz no SESC Vila Mariana com sessões de quinta a sábado às 21h e aos domingos às 18h até 29 de outubro, véspera do dia que eu espero que seja aquele em que o povo brasileiro (ou parte dele) comece a devolver os ratos para o esgoto.

 

VIVA VINICIUS CALDERONI!

VIVA A BARCA DOS CORAÇÕES PARTIDOS!

VIVA A PRESERVAÇÂO DA NOSSA MEMÓRIA E DA NOSSA CULTURA!

VIVA O NOSSO TEATRO!!

 

15/10/2022

 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

AQUILO DEU NISSO

O título deste “experimento cênico audiovisual” do grupo Os Fofos Encenam, que em boa hora retorna à cena paulistana, me remeteu a um espetáculo de 1977 do grupo português A Barraca dirigido por Augusto Boal que se intitulava Ao Qu’isto Chegou!. Este também poderia ser um bom nome para esse conjunto de performances dos componentes do grupo, costuradas com mão de mestre por Marcio Abreu que assina a direção do trabalho.

O espetáculo não mostra o “aquilo”, mas deixa claro ao “nisso” que se chegou: uma realidade urbana com muitos moradores de rua, muita pobreza, muitos prédios históricos abandonados e muita sujeira onde fica clara a indignação do grupo e do diretor que parecem exclamar: “ao qu’isto chegou!”.

São cerca de doze performances realizadas pelos componentes do grupo, entremeadas por declarações de cada um deles. As performances são realizadas nas ruas de São Paulo, em geral com as/os artistas vestidos com figurinos criados por Carol Badra e visagismo propositalmente extravagante. Como toda cena realizada na rua há curiosas intervenções dos transeuntes.

Todas performances são ótimas, mas não há como não destacar três: Kátia Daher reconstrói com pequenas maquetes  os prédios do Teatro Oficina, do Teatro Brasileiro de Comédia e da antiga sede do grupo na Rua Adoniran Barbosa defendendo a ideia do parque idealizado por Zé Celso; quase como uma continuação da cena de Kátia, Paulo de Pontes faz sua performance na Rua Major Diogo defronte ao abandonado edifício do Teatro Brasileiro de Comédia; com um vestido vermelho longo Erica Montanheiro caminha à noite pelo Minhocão enviando mensagens aos mortos por meio de balões vermelhos soltos no ar.

O enxuto espetáculo dura apenas 40 minutos e tem gosto de “quero mais”.

Pode ser assistido gratuitamente no Canal Youtube da Corpo Rastreado até 16/10 às 20h, com exibições extras nos dias 15 e 16 às 17h. 

12/10/2022

 

 

 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

GAS LIGHT – UMA RELAÇÃO TÓXICA

 

Trata – se de uma adaptação da peça de Patrick Hamilton (1904-1962) realizada por Jô Soares e Matinas Suzuki Jr para a qual Jô idealizou a encenação, fato interrompido com sua doença e morte e a direção foi completada por Maurício Guilherme.

O objetivo do espetáculo é apenas entreter durante hora e meia, com uma pitada de suspense aqui e outra de humor ali, sem se aprofundar na questão do assédio moral e/ou físico da qual a protagonista é vítima, e esse objetivo é atingido, haja vista a entusiasmada reação da plateia que até aplaude a cena em que a “mocinha” toma as rédeas da situação.

Produção caprichada idealizada pelo incansável Giovani Tozi com sugestivo cenário de Marco Lima envolto em uma imensa teia de aranha, luz fundamental para o desenvolvimento da trama desenhada por César Pivetti, envolvente trilha sonora de Ricardo Severo e figurinos assinados por Karen Brusttolin.

O afiado elenco é composto por Leandro Lima em ótima composição do Inspetor; Kéfera Buchmann como a bela e sedutora criada e também responsável por interessante e divertido prólogo em típico “número de cortina” estimulando a participação do público; Neusa Maria Faro em bem vindo retorno aos nossos palcos e, pelo casal protagonista, Erica Montanheiro em ótima intervenção, principalmente, nos dois terços finais onde pode liberar seus dotes humorísticos herdados de sua participação no grupo Os Fofos Encenam e Giovani Tozi, responsável pelo equilíbrio entre o humor e o suspense pretendido pela encenação e até lembrando fisicamente Charles Boyer, intérprete dessa personagem na versão filmada da peça datada de 1944. A adorável Erica não se parece com Ingrid Bergman, mas também está linda em cena.

É muito saudável assistir a um espetáculo como Gas Light, um verdadeiro respiro em tempos tão conturbados. Típico do Jô Soares, não é mesmo? 

GAS LIGHT está em cartaz no Teatro Procópio Ferreira até 06 de novembro com sessões às sextas e aos sábados às 21h e aos domingos às 19h. 

11/10/2022

 

sábado, 8 de outubro de 2022

RENOIR – A BELEZA PERMANECE?

 

Estamos tão perto do Rio de Janeiro, no entanto, salvo espetáculos de sucesso comercial comprovado, as artes cênicas de um lado são pouco conhecidas do outro lado. Esse fato foi amenizado durante a pandemia quando espetáculos virtuais de várias partes do país chegaram até a telinha do nosso notebook.

Assim no ano de 2021 tive a oportunidade de conhecer os trabalhos de dois artistas do cenário carioca que me entusiasmaram muito, são eles o dramaturgo Rogério Corrêa   e o diretor/ator Isaac Bernat pelos excelentes espetáculos virtuais Entre Homens e De Bar em Bar. De Bernat ainda assisti a duas de suas direções: Pão e Circo e O Encontro (presencial, em 2022)

Foi com um misto de expectativa e, confesso, de temor que recebi a notícia que haveria um espetáculo da dupla sobre o pintor impressionista francês Pierre Auguste Renoir (1841-1919) a ser apresentado no Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Por que temor? Um espetáculo biográfico de um artista plástico no auditório de um museu soava a princípio como algo didático e chato.

Por que expectativa? A dramaturgia e a direção eram de dois artistas a quem passei a respeitar e a admirar desde que assisti aos trabalhos citados acima.

E com esse espírito me dirigi ao MASP na noite de ontem para assistir ao espetáculo.

Que rica surpresa!

Corrêa faz abordagem bastante original para questionar problemas contemporâneos por meio da vida e a obra do pintor francês colocando em cena um embate entre uma curadora (... ou melhor, uma assistente da curadoria!...) de um museu que apresenta exposição de Renoir e um ativista negro que questiona os valores pessoais do pintor e o fato de só haver mulheres brancas em seus quadros, ou seja, o machismo e o racismo presentes não só na obra “renoiriana”, mas em toda arte e sociedade ocidental. A questão é: toda aquela beleza presente nos quadros do artista permanece como tal nos dias de hoje? A vida de um artista tem de ser coerente com sua obra? E ao contrário?

Cenas da entrevista entre os dois, mediadas por um histriônico senhor, são permeadas por conversas do próprio Renoir com suas modelos e também, em recurso épico bastante interessante, com Lucia Cohen, a assistente da curadoria.

Um elenco afiadíssimo defende não só as três figuras principais citadas a seguir, mas também outras personagens importantes para a compreensão da trama: Isio Ghelman é Renoir, Izak Dahora é o ativista Dereck Jameson e a luminosa Clara Santhana é Lucia Cohen. Artistas primorosos também pouco conhecidos em São Paulo.

O que resulta disso tudo é um espetáculo belo e enxuto com uma hora de duração dirigido com mão de mestre por Isaac Bernat ao qual se assiste com muita atenção, com grande prazer e do qual se sai com a mente povoada de reflexões sobre os temas tratados.

Além de tudo é emblemático esse espetáculo estar sendo apresentado no século XXI em um espaço que tem acima de seu teto as meninas de rosa e azul e muitas outras obras de Renoir pintadas, em sua maioria, no século XIX. 

A temporada relâmpago do espetáculo vai apenas até o próximo fim de semana (16/10). Sessões de quinta a sábado às 20h e no domingo às 18h.

CORRA, QUE AINDA DÁ TEMPO!! 

08/10/2022

 

 

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

ENNIO, O MAESTRO


Ennio Morricone (10/11/1928-06/07/2020) foi um verdadeiro fenômeno e o diretor Giuseppe Tornatore demonstra sua genialidade com muita emoção no documentário Ennio, o Maestro com quase três horas de duração, mas que termina com gosto de quero mais e com aplausos do público presente na sessão.

Muitas daquelas canções italianas, tão populares nos anos 1960, cantadas por Mila, Gianni Morandi, Gino Paoli e até Paul Anka se não eram de sua autoria, levavam seu nome nos arranjos.

Foi nessa época também que o maestro começou a compor trilhas sonoras para filmes e não parou mais, totalizando mais de 500 obras para o cinema.

De formação clássica, Morricone também escreveu obras sinfônicas, sendo que muitas de suas trilhas podem, no meu entender, serem consideradas verdadeiras sinfonias.

O filme de Tornatore reúne relatos de diretores e artistas que trabalharam com o Maestro, cenas de muitos filmes para os quais ele criou trilha, cenas dos concertos nos quais ele regeu suas músicas, tudo isso permeado por uma belíssima entrevista que Morricone concedeu a Tornatore no final da vida.

Assiste-se ao filme com muita emoção e é impossível conter as lágrimas nas cenas em que se comentam filmes como Era Uma Vez na América (1984) (uma de suas trilhas que mais amo), Sacco e Vanzetti (1971) (belíssima participação de Joan Baez), A Missão (1986) e Cinema Paradiso (1988) (a primeira parceria de Morricone com Tornatore).

Por amar demais o filme e a trilha senti muito a ausência de Malena (2000) e a não citação da trilha ultra moderna do filme Os Abutres Têm Fome (Duas Mulas Para a Irmã Sara) (1970), únicas lacunas, para mim, desse esplendoroso documentário.

 

Em sua segunda semana de exibição, o filme está em cartaz em poucas sessões dos cinemas da cidade:

- Cine Marquise – 17h30

- Espaço Itaú Augusta – 14h10 e 18h50

- Espaço Itaú Frei Caneca – 17h20

Confirme os horários antes de ir ao cinema!

 

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL para os amantes de música e de cinema.

 

06/10/2022

O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL

 

Atenção. Preparem olhos e ouvidos para assistir ao espetáculo em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade.

O Universo Está Vivo Como Um Animal oferece experiência sensorial intensa, estimulando a visão e a audição de forma criativa e bela utilizando recursos de iluminação manipulados pelo próprio elenco e elementos auditivos como o uso do teremim, admiravelmente manipulado por Edith de Camargo e a linda canção final interpretada por Ná Ozzetti e Ney Matogrosso.

Além da experiência sensorial, o espetáculo é bastante didático, sem ser maçante, ao oferecer uma verdadeira aula sobre o pensamento e a obra do inventor croata Nikola Tesla (1856 – 1943) que revolucionou a teoria e a prática da eletricidade, sendo um grande rival do norte americano Thomas Edison (1847 – 1931). Em cena bastante dinâmica em forma de entrevista, Marchioro e Proença se revezam para ilustrar o pensamento de Tesla, respondendo às questões formuladas por Edith de Camargo.

A peça foi criada por Diego Marchioro, Fernando de Proença e Nadja Naira, sendo que os dois primeiros estão no elenco ao lado de Edith de Camargo e Augusto Ribeiro e Nadja assina a direção.

A iluminação, grande estrela da encenação, é do experiente artista curitibano Beto Bruel e a significativa movimentação cênica do elenco é de Carmen Jorge (preparação corporal).

O Universo Está Vivo Como Um Animal é espetáculo bastante diverso daqueles a que o espectador teatral está acostumado e daí vem a sua beleza e importância no sentido de oferecer novos caminhos para a nossa arte cênica e dar a oportunidade ao espectador de testar novas sensações.

A peça é a terceira de uma te(a)tralogia formada por LovLovLov (2016), People vs. People (2019), ela própria (2022) e O Coveiro (prevista para 2023).

Realização da curitibana Rumo de Cultura. 

O UNIVERSO ESTÁ VIVO COMO UM ANIMAL está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade com ingressos gratuitos de quarta a sexta às 20h e aos sábados às 18h até 22 de outubro. Os ingressos são gratuitos. 

06/10/2022

  

sábado, 1 de outubro de 2022

OS CONDENADOS

 

Tudo leva a crer que Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral criaram a personagem Antena da peça Os Condenados para Julia Bobrow brilhar. E como ela brilha!

Julia é a protagonista de uma trama surreal que envolve, entre outras coisas, pombos falantes e um avô e uma avó mortos.

Transitando entre o realismo fantástico e o jogo metafórico os dramaturgos criaram uma história que tanto pode remeter a um filme de terror como Os Pássaros (1963) de Alfred Hitchcock como à agressão que o povo brasileiro (Antena) sofreu com os insanos (os pombos) que hoje estão no poder (torcendo para que isso termine no próximo domingo, dia 02/10).

A peça aponta novos caminhos na dramaturgia de Rodolfo e Ivam, deixando de lado os personagens criados a partir de habitantes do entorno que vinham povoando as montagens do Satyros desde a memorável A Vida na Praça Roosevelt (2005) de autoria da alemã Dea Loher, passando pela trilogia das Pessoas e chegando até Aurora.

O espaço cênico foi totalmente remodelado e ampliado invadindo parte dos camarins para dar lugar ao cenário necessário para abrigar a montagem. O amplo cenário (não creditado na ficha técnica) banhado pela criativa iluminação assinada por Rodolfo e Flavio Duarte cria o ambiente perfeito para contar a história.


Conforme citado no início desta matéria, Julia Bobrow é a grande figura em cena passando com muito talento da tristeza ao terror até chegar à epifânica cena final.

A destacar também a interpretação de Eduardo Chagas como o avô com sua potente voz e perfeita dicção e de Henrique Mello com uma divertida intervenção meta teatral e depois como a veterinária que vai tratar dos pombos doentes.

Lembrando também da presença de Marcia Dailyn em cena com um gestual poderoso, só descobrindo seu rosto quase ao final do espetáculo.

O restante do elenco que interpreta os pombos atua com máscaras ficando difícil identificar quem é quem. Incompreensível para mim o sotaque “italianado” carregando nos erres de suas falas.

  Em termos de audibilidade cumpre notar que as falas gravadas que são sussurradas, em certos momentos se tornaram incompreensíveis para este espectador.

OS CONDENADOS está em cartaz até 29 de outubro às sextas e sábados às 21h no Espaço dos Satyros na Praça Roosevelt.

Fotos de André Stefano.

 

01/10/2022