domingo, 1 de agosto de 2021

CONSTÂNCIA NA 3ª MOSTRA DE TEATRO DE HELIÓPOLIS

 

Antes de escrever sobre, resolvi rever Constância nesta manhã fria do primeiro domingo de agosto. Queria assistir de maneira mais racional, mas não adiantou, o coração voltou a apertar e as lágrimas insistiram em rolar o que não fez com que a indignação deixasse de transparecer nestes meus olhos cansados de presenciar tanta injustiça neste mundo de meu Deus.

Com a razão e a emoção em equilíbrio não hesito em afirmar que Constância é uma obra prima absoluta: texto, direção, interpretação, cenário, iluminação e outros elementos cênicos se harmonizam para gerar um dos espetáculos mais pungentes e belos a que assisti nesta longa trajetória de meio século como espectador.

O espetáculo é uma produção da Eró Criação e Produção do Rio de Janeiro e tem o pé fincado no sertão brasileiro com a seca, os vaqueiros, a boiada, a solidão, a fé e também a descrença.

A dramaturgia de Joana Marinho passeia através de cenas isoladas, mas muito bem costuradas, por todo o universo sertanejo culminando com a saga do boi Rabicho desde a fuga para a liberdade ainda bezerro até a perseguição e a morte, abatido com muitos tiros (“onze tiros e não sei porque tantos”, como diz a canção de Fátima Guedes); clara metáfora à maneira como são tratados muitos negros deste país: “morreu como um cachorro e gritou feito porco, depois de pular igual a macaco”, diz a letra de Aldir Blanco para a melodia de João Bosco.  Enquanto o Brasil tratar os desfavorecidos como boi, a metáfora de Constância continuará válida. Já que estou citando canções é bom lembrar que: “Quem cala sobre teu corpo, consente na tua morte... Quem cala morre contigo” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos).

Mas nem tudo é sombrio no espetáculo: há uma louvação à vida sertaneja na cena “Até o mar tem vontade de ser filho de sertão” e termina com a chegada da chuva, que é sempre um voto de esperança para o sertanejo.

A ficha técnica indica Joana Marinho com a direção geral, José Alcântara na direção técnica e Stéphane Brodt como orientador cênico. Não posso afirmar, mas acredito que muito da beleza visual do espetáculo se deva a Brotd, haja vista seus belíssimos espetáculos com Ana Teixeira no Amok Teatro. Não há indicação da autoria do belo cenário minimalista com adereços preciosos, nem de quem assina o desenho de luz, também uma preciosidade.

Resta falar das atrizes!!! Que potência de interpretação, que vozes, que gestual! O teatro virtual tem presenteado o espectador de São Paulo com espetáculos e intérpretes excelentes pouco ou nada conhecidos por aqui. Claudia Ribeiro e Joana Marinho interpretam com galhardia e uma energia pouco vista em nossos palcos, além de terem vozes poderosas, dicção perfeita e gestual que merece um capítulo à parte.

Claudia e Joana deixam o espectador de quatro, tal qual o boi!

Ê BOI! 

CONSTÂNCIA é apresentada dentro da 3ª Mostra de Teatro de Heliópolis que encerrou em 31/072021, mas ainda pode ser assistida até a próxima quinta-feira (05/08).

Com curadoria de Alexandre Mate, a Mostra constou também de Caio do Céu (RS), A Casatória C’a Defunta (RN), Portar(ia) Silêncio (SP) e Macacos (SP), todas merecedoras de muitos escritos. Todas elas permanecem disponíveis por uma semana a partir da data de sua exibição.

Acesso: 

http://ciadeteatroheliopolis.com/mostra2021/ 

01/08/2021

 

 

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