Que pena! O “Coletivo Alfenim” já está
indo embora.
O Alfenim é um grupo da Paraíba
fundado em 2007 pelo paulista Márcio Marciano que para lá se mudou, após deixar
a “Cia. do Latão” da qual foi fundador, dramaturgo e diretor em parceria com
Sergio de Carvalho.
Alfenim vem realizando importante ação
teatral em João Pessoa tendo montado, segundo o site do coletivo, nove
espetáculos nos dezoito anos do grupo, uma média de um novo espetáculo a cada
dois anos. Todos os espetáculos foram dirigidos por Marciano e o elenco conta
com intérpretes que estão no grupo há muito tempo, como Adriano Cabral, Lara
Torrezan e Paula Coelho, companheira do diretor.
Uma curiosidade: alfenim, que dá nome
ao grupo, é um doce típico da Paraíba, parecido com a rapadura.
Ao que me consta, das poucas vezes que o
Alfenim esteve em São Paulo trouxe “Quebra Quilos” e “Milagre Brasileiro” em
2010 e “Memórias de Um Cão” em 2019, por isso o anúncio de uma temporada no
SESC Belenzinho foi recebido com muita expectativa. A temporada ocorreu de
16/05 a 08/06.
Desta vez o coletivo trouxe seus dois últimos trabalhos: “Desertores” de 2019 (10 apresentações) e “A Causa Secreta” de 2024, (apenas três apresentações) bastante diferentes um do outro, mostrando a versatilidade do grupo.
DESERTORES
“Desertores” é um experimento cênico
que tem por base a obra “O Declínio do Egoísta Johan Fatzer” de Bertolt Brecht.
A montagem de Marciano transpira Brecht no seu caráter épico e nas alusões às
peças didáticas do dramaturgo alemão. A cenografia também assinada por Marciano
consiste de uma plataforma que corta a plateia, por onde as personagens se
movimentam. Dignas de nota são a bela iluminação de Ronaldo Costa e a excelente
trilha sonora que comenta toda a ação.
Durante a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) quatro soldados resolvem desertar. Na clandestinidade tentam
sobreviver sonhando com a possibilidade de que uma ação coletiva possa acabar
com a guerra. O elenco coeso tem Adriano Cabral em destaque no papel de Fatzer.
Espetáculo íntegro denunciando as
insanidades de toda e qualquer guerra.
Vale lembrar das palavras do Mestre
Brecht na “Cartilha de Guerra Alemã”:
“A guerra que está por vir não é a
primeira; antes dela outras já ouve.
Quando a última acabou, viram-se
vencedores e vencidos.
Entre os vencidos, o povo mais pobre
passando fome;
Entre os vencedores o povo humilde passando fome também”
A CAUSA SECRETA
O lado B da temporada do Alfenim foi
composto de apenas três apresentações de “A Causa Secreta” baseada no conto
homônimo de Machado de Assis.
O conto é sombrio e até mórbido
revelando Fortunato, uma figura sádica que se satisfaz torturando animais e
seres humanos para lhes ver o sangue escorrer, ele é casado com Maria Luísa que
tem uma doença grave e faz amizade com Garcia, um médico que percebe e
investiga os estranhos hábitos de Fortunato.
Marciano ambienta essa história no
picadeiro de um circo onde um esfuziante mestre de cerimônias (Edson
Albuquerque, excelente) narra a história com divertido toque de humor.
Bem-vindas referências ao melodrama fazem parte da encenação.
Paula Coelho (Maria Luísa), Murilo
Franco (Garcia) e Adriano Cabral (Fortunato) representam o trio central.
Kevin Melo executa ao vivo a trilha
sonora de sua autoria.
Sem didatismo a deliciosa encenação
cumpre o objetivo proposto por Márcio Marciano: “refletir sobre a perversão que
preside as relações de dominação presentes em nossa sociedade, e que se
manifestam não apenas no âmbito das relações públicas, mas também no cotidiano
das relações privadas”
O humor também faz parte da divulgação do espetáculo - que foi montado sem nenhum patrocínio - ao informar que “nem lei, nem deus” apoiaram a montagem do mesmo.
Espera-se que o resultado altamente positivo dessa temporada, permita que o Alfenim volte com mais frequência aos palcos paulistanos
09/06/2025