Dra Ruth Wolff é uma médica de origem
judaica, sem religião, que dirige com mãos firmes uma clínica para pacientes de
Alzheimer. Rígida em seus princípios e ciente de sua capacidade, a doutora
sofre um revés em sua vida profissional e pessoal ao impedir que um padre
católico entre em um quarto para dar a extrema unção a uma jovem agonizante.
A peça do dramaturgo britânico Robert
Icke (1986-) é inspirada em “Professor Bernhardi” do escritor vienense Arthur
Schnitzler (1862-1931). O início das duas peças é semelhante, mas enquanto “Professor
Bernhardi” coloca em xeque apenas o antissemitismo, “A Médica” vai além, expandindo
os preconceitos para aqueles de gênero, sexo e também raça.
A peça apresentada pelo “Círculo de
Atores” usa a ótima tradução de Diego Teza e é dirigida de forma clara e lucida
por Nelson Baskerville.
A primeira parte da peça tem um ritmo frenético
com a discussão entre os médicos da clínica de como tratar as repercussões
negativas do caso, a movimento dos atores em cena é um espetáculo à parte.
No terço final surge um programa
televisivo tipo “Roda Viva”, onde a doutora é bombardeada com questões sobre o
acontecido, além de cenas domésticas da doutora, onde se revela sua opção
sexual. Há uma visível queda de ritmo nesta parte final.
O elenco afinado garante a qualidade
do espetáculo. Adriana Lessa e César Mello têm brilhantes momentos na defesa da
doutora; Anderson Müller e Sergio Mastropasqua atuam com autoridade como
opositores; Thalles Cabral é uma ótima revelação como o estagiário; Luisa Silva
está bem como a secretária Rebeca; Cella Azevedo garante alguns momentos de descontração
e humor como Sami; Chris Couto interpreta a companheira Cacá de Ruth com
dignidade; Isabella Lemos adota a altivez e a autoridade da Ministra Kênia e
Kiko Marques empresta seu talento tanto como o Padre José como o pai da menina
morta.
Todos holofotes vão para Clara
Carvalho em uma guinada em sua gloriosa carreira ao interpretar uma mulher de
pulso firme e irreversível em suas decisões e pontos de vista. Clara que já deu provas de
talento como tradutora e diretora, agora surpreende como atriz em uma outra
chave interpretativa bastante diferente daquela que já estávamos acostumados.
Apesar de suas ações radicais, Icke trata
Ruth como a heroína da trama sem questionar essa posição e coloca os opositores
como vilões, algo que diminui a abrangência da peça.
A produção se completa com os talentos
de Marisa Bentivegna na criação de cenário propositalmente frio com módulos de
paredes transparentes que se movem nas mudanças de cena; de Marichilene
Artisevskis (figurinos); de Wagner Freire (iluminação); de “Um Cafofo” (direção
de imagem).
Destaque especial para a trilha sonora
composta por Gregory Slivar e executada ao vivo por ele e Edézio Aragão.
Saindo das peças de Bernard Shaw, o
Círculo de Atores se volta para outro baluarte do teatro internacional.
A MÉDICA está em cartaz no auditório do MASP. Sexta e sábado 20h. Domingo 18h
24/06/2025
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